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Deghaye (CHJB) – Boehme, substância

CHJB

Há na pedra um fogo que não queima porque não tem substância da qual se alimentar. É o fogo escondido na matéria fria, dura e opaca, que é a primeira concretização do desejo. Mas, sob a aparência da segunda forma, esse fogo também é devorador. É a ferrugem que corrói os metais sem incorporar nenhuma substância. Um fogo que não tem substância é um espírito que não tem alimento para formar um corpo. Um espírito não incorporado é, no limite, um demônio. Böhme repete que os demônios não têm corpo. Seu grande discípulo, Friedrich Christoph Oetinger (1702-1782), traduz de forma muito coerente o pensamento do mestre, afirmando que a corporeidade é o fim dos caminhos divinos.

A Divindade pura, considerada anterior ao ciclo septenário, é descrita como uma clareza imóvel, como uma bem-aventurança perfeita, mas falta-lhe algo que Böhme designa pela palavra Wesen e que traduzimos por substância. É essa substância que constitui o ser verdadeiro. No entanto, devemos evitar dar a essa palavra substância, assim como à palavra alemã Wesen, tal como usada por Böhme, qualquer um dos significados filosóficos tradicionais. A substância é essa matéria sutil que é uma carne celestial da qual o espírito se alimenta para se incorporar e se realizar em um corpo glorioso.

No ciclo da natureza eterna, o espírito se realiza. O termo dessa realização situa-se no sétimo grau, que Böhme caracteriza pela palavra Wesen. Retomando uma expressão de Paracelso e transpondo-a, poderíamos traduzir essa palavra por ultima materia, em oposição à materia prima que, no primeiro grau, é o arquétipo da matéria dura e opaca. No entanto, essa ultima materia do sétimo grau será uma prima materia em relação a todas as formas espirituais futuras. Será o elemento sagrado do qual é feito o corpo dos anjos e o de Adão ao nascer. Os quatro elementos da nossa natureza provirão dele e ele permanecerá presente, mas oculto em cada um deles.

O sétimo grau é o do Espírito Santo revestido da Sabedoria, corpo de Deus. É nesse corpo radiante que estão encerradas as maravilhas da criação. O Espírito Santo as faz resplandecer uma a uma por sua operação que Böhme chama de abertura dos selos.

A Sabedoria, corpo de Deus, ocupa, neste grau terminal do ciclo septenário, o lugar que em “A Aurora” pertencia à natureza propriamente dita. A Sabedoria é o corpus da revelação. Nela, Deus fez de si mesmo um espelho de todas as maravilhas que já existiam nele, mas que ele não conhecia. No sexto grau, Böhme celebra o advento do Espírito. A Divindade tenebrosa do Pai, que sucedera a uma claridade sem substância, sem brilho, torna-se uma Divindade radiante no Filho, e Deus conhece-se a si mesmo no Espírito Santo.

No início do ciclo septenário, a clareza é obscurecida e o autor dos “Três Princípios” atribui ao Pai uma alma tenebrosa que ele chama de das ewige Gemüth. Essa alma eterna corresponde ao fundo obscuro da alma humana. É ela que vai gerar o Espírito em um corpo.

A alma tenebrosa, em seu fundo, não tem conhecimento nem percepção. Ela não tem os cinco sentidos que serão privilégio do Espírito Santo e que veremos se formar no sexto grau. Ela corresponde à alma humana não regenerada, privada dos sentidos espirituais que dão a inteligência das coisas divinas. O lugar dessa alma elementar, no ciclo septenário, é o gabinete obscuro da angústia, no terceiro grau. A esse nível, aliás, a dor já é a causa do despertar do Espírito.

Estamos tocando com os dedos o que chamamos de moralidade da teosofia bohêmia. O teosofo tem dificuldade em se satisfazer com uma bem-aventurança original. Parece que, para ele, Deus só é verdadeiramente Deus à custa de uma luta. Oetinger, discípulo de Böhme e cabalista cristão, fez da sétima sephira, chamada Netsa, Vitória, o atributo maior de Deus. Nisso também não era de forma alguma infiel ao pensamento do mestre.

O Deus que inspira os pensamentos de Böhme não é o Cristo triunfante sobre a morte e revestido de seu corpo de luz? Ele é o primogênito de todos os fiéis. Ele é o único Deus verdadeiro, na medida em que Deus se manifesta ao homem e não permanece o Deus absconditus simbolizado negativamente pela ira.

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