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Deghaye (CHJB) – Boehme, Sabedoria é o corpo de Deus

CHJB

No ciclo da natureza eterna, é no grau terminal que a Sabedoria é o corpo de Deus. Em «A Aurora», o sétimo espírito designava a natureza propriamente dita. Ele era a morada dos seis outros e era de sua substância, o santo elemento, que as primeiras criaturas, os anjos, eram feitas. Posteriormente, a concepção desse grau terminal permanece sensivelmente a mesma. No entanto, é a Sabedoria hipostasiada que tomará o lugar dessa natureza perfeita do sétimo grau, simbolizando em «A Aurora» a vida em Deus, na harmonia perfeita de todas as formas. A natureza será todo o ciclo. No nível de «A Aurora», o ciclo setenário é descrito segundo a vida harmoniosa do grau terminal quando se trata de Deus. Em Deus, as qualidades contrárias se temperam mutuamente e o fogo não é mais que um calor suave, o frio um frescor agradável, etc. Em Deus, tudo é harmonia e não assistimos ao seu doloroso nascimento. Pelo contrário, em nossa natureza decaída pelo fato da prevaricação, os espíritos são aquecidos e as contrariedades se exacerbam. É a Discórdia universal. O autor de «A Aurora» concebe primeiro um ciclo setenário harmonioso no plano da vida divina, depois o mesmo ciclo degradado no nível do nosso mundo. Nas obras ulteriores, a perspectiva muda totalmente. A noção de natureza, no plano ideal, será estendida a todos os graus do ciclo, mas será toda diferente. Sob o aspecto de suas formas iniciais, a natureza eterna, anteriormente a toda criação e a toda queda, será à imagem de nossa natureza decaída. Será mesmo uma imagem aumentada a contento. A natureza eterna será primeiro o reino da ira. Será também essa eternidade sepulcral que o autor de «A Aurora» imaginava na ausência dos sete espíritos e que será transposta para o começo do ciclo setenário. É neste reino da ira que nascerão as qualidades sensíveis que anunciam as coisas vindouras. Böhme as chama de essências. Em seu vocabulário muito particular, as essências são as causas ideais das coisas, como arquétipos. Elas são produzidas no movimento furioso que anima a roda da natureza. Mas neste nível da natureza eterna, ainda não há verdadeira vida nem essa corporalidade positiva que Böhme chama de substância. Falamos de qualidades sensíveis e Böhme atribuirá à Divindade um verdadeiro sensorium. Mas os cinco sentidos só aparecerão no sexto grau. Não há corporalidade substancial sem o espírito e é no sétimo grau que os dois serão reunidos, como a alma e o corpo na alma. Se, portanto, consideramos o ciclo da natureza eterna, a verdadeira substância divina, que é a carne celestial na Sabedoria, é o fruto terminal. Emprestando este termo de Paracelso, nós a chamamos de materia ultima. O que vem primeiro, não é essa matéria que tem a sutileza da magia e que é como uma água muito doce, é a matéria sólida, dura, a pedra, produto da ira. Parece que Böhme transpôs essa Sabedoria que aparece ao término da natureza para reportá-la em uma eternidade que a transcende. Teremos assim a Sabedoria em dois níveis, fora da natureza, precedendo-a, e depois em seu término. Ela estará também no homem, no nível do nosso mundo. Nas sublimes regiões da transcendência onde Böhme estabelece sua Santíssima Trindade, acontece no fundo a mesma coisa que no plano subsequente da natureza eterna: Deus se realiza, ele se constitui como verdadeiro Deus. Em si mesmo, o Ungrund não é Deus. Ele é uma imensidão absolutamente indeterminada e para ser Deus, ele deverá se determinar, certamente em si mesmo. Ele deverá se fixar em um lugar. Ele precisará se estabelecer em si mesmo para acessar o verdadeiro ego divino (Ichheit, Selbheit). Tocamos aqui na noção de pessoa, não mais do ponto de vista do dogma trinitário, mas seguindo a perspectiva da psicologia moderna. Nesta ótica, pode-se dizer que Deus é uma pessoa apenas no Filho e com seu Espírito. Böhme associa a noção do ego divino (Selbheit) à de lugar (Stätte), de fundamento (Grund) e de algo (Etwas). A pura Deidade de Böhme, o Ungrund, nos aparece como uma imensidão vazia, como um nada que, ao se fixar em limites, vai se tornar algo. No ciclo setenário, esse algo é primeiro a treva, associada à opacidade da pedra, arquétipo da dureza. Mas na outra extremidade, a pedra será convertida em água cristalina. Certamente, a treva não será abolida, ela será escondida na clareza. No plano do ternário superior, que dará origem à natureza eterna, o Ungrund se converte em Grund: a imaginação, faculdade mágica que tem a suavidade da água, faz aparecer Deus no Nada. Esse Deus é o Filho. Aqui tudo se desenrola numa maravilhosa fluidez. O drama só virá depois, quando o Espírito se envolver no ciclo da natureza e começar a dualidade do Bem e do Mal.

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