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Deghaye (CHJB) – Boehme, Pai e Filho

CHJB

A noite precede o dia e a primeira visão que nos oferece o ciclo septenário lembra estranhamente o espetáculo da nossa natureza ainda não renovada, onde reina a Discórdia, onde a verdadeira luz permanece invisível, mesmo que nas profundezas ela lute furiosamente para abrir uma brecha nas trevas. Em seu eterno início, essa natureza arquetípica se assemelha à do homem sem Deus e torturado pelo desejo.

No Evangelho segundo São João, Jesus diz que seu Pai é maior do que ele. Notemos que esta palavra é pronunciada num momento em que a glória do Filho ainda não se manifestou, pois, na verdade, o Filho é igual ao Pai. Em uma passagem curiosa de “A Tripla Vida”, no final do sexto capítulo, lemos o contrário: o Filho é mil vezes maior que o Pai.

O que é o Filho neste contexto específico? É o homem novo, gerado pelo homem velho que é o Pai. O Filho é também a carne celestial escondida sob a carne vil desse homem velho e que gera a nova criatura. Esse Filho, carne celestial que gera o Verbo em nós, é a pedra filosofal. Aquele que a encontra, escreve Böhme, a estima mais do que este mundo, pois o Filho é mil vezes maior que o Pai. Assim, o Pai representa aqui o homem velho e este mundo.

No terceiro capítulo de “A Aurora”, Böhme distingue entre o Pai celestial e o Pai segundo a natureza, afirmando que eles são um só. O segundo é a própria natureza, a nossa, composta dos quatro elementos. Em “A Tripla Vida”, no décimo terceiro capítulo, Böhme faz do sol que irradia nos elementos o símbolo do Filho que ilumina as profundezas do Pai. Nossos elementos são, portanto, o Pai. Essa identificação do Pai com a nossa natureza é bastante significativa dentro dos limites dos quatro primeiros graus do ciclo septenário da natureza eterna. De acordo com a experiência do homem, é primeiro o corpo que produz a alma, depois é a alma que faz irradiar a luz no corpo renovado.

É assim que nos aparece a geração do Filho no ciclo septenário. O Pai produz o Filho por seu desejo. Ora, num primeiro momento, a força desse desejo é tal que cria uma espessura tenebrosa. O abraço do desejo aprisiona a luz que quer surgir nele, e é então que o Filho, que aspira a nascer, se volta contra o Pai como um aguilhão furioso. Todas as descrições dessa geração são muito realistas. Esse Pai, que Böhme também chama de Mãe, é uma mulher em trabalho de parto. A primeira forma, que simboliza a Vastringência, representa uma contração formidável. A segunda nos aparece como o esforço da criança para se libertar do ventre materno e a terceira parece materializar as dores do parto.

O Pai representa aqui o desejo cego, símbolo primordial da natureza. Esse desejo tenebroso ficaria para sempre insatisfeito se a luz não surgisse e o transformasse suavemente em desejo de amor. A reviravolta do ciclo septenário está na transmutação do desejo.

Em si mesmo, o desejo voraz da natureza primitiva, o de Saturno que devora seus filhos, é o tormento do inferno. Sem o Filho, o Pai seria o inferno. Böhme não hesita em colocar o inferno nos quatro primeiros graus da natureza eterna, precisando que, nesse nível, ele ainda é apenas a causa ideal.

Este desejo terrível é um fogo frio. Böhme fala de um fogo que não consegue arder. Quando a chama realmente irrompe, o fogo se converte em luz e dá o calor da vida verdadeira. Todo este simbolismo nos lembra que, em nosso corpo mortal, o que chamamos de calor vital não é a vida verdadeira.

Mas para caracterizar o ardor desse desejo que se consome em si mesmo, o autor de “L'Aurore” dirá também que é o excesso de calor que apaga o fogo e produz o frio. É assim que, paradoxalmente, o fogo frio e o fogo devorador se confundem sob sua pena.

O verdadeiro fogo, que não é nem um nem outro, é aquele que se tempera na água, numa água espiritual que não apaga o fogo e o converte em luz. Essa água é o óleo da lâmpada, e a luz que brilha nela é um fogo que não se apaga.

No quinto grau, com o nascimento do Filho simbolizado pelo coração de Deus, que é a sede da vida verdadeira, a voracidade saturniana se transforma em desejo de amor. Esta quinta forma, que representa o jorrar da luz no fogo, corresponde a Vênus.

Como na obra alquímica, essa transmutação consiste em uma morte e um nascimento. Uma morte que não é morte, diz Böhme. É a morte do primeiro desejo, que recai quando a luz irrompe no relâmpago que rasga a noite. No ciclo do homem, seria a morte da vontade própria. O homem deve morrer para si mesmo. Mas é uma morte que não é morte, pois é o prelúdio de um novo nascimento.

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