Possessividade (JBGT)
JBGT Para Jakob Boehme, um problema fundamental para os seres humanos é o possessividade. A possessividade manifesta o desejo humano de dominar e controlar mais do que está realmente em nosso poder, e mais do que Deus colocou à nossa disposição. A dominação nos leva ao mundo da ira, e não ao mundo do amor. Isso traz conflito e discórdia, como Boehme viu claramente na Guerra dos Trinta Anos que se desenrolava ao seu redor. A ânsia pelo domínio se expressa na arrogância. A maioria das pessoas não são príncipes lutando por territórios terrenos, mas todos somos tentados pela arrogância interiormente, pelo uso indevido da razão e do conhecimento. Tanto a razão quanto o conhecimento são grandes dons de Deus, mas devem ser mantidos com leveza, não com possessividade. Segundo Boehme, você é o que come — e você come o que é. A intenção de Deus para a humanidade era comer do fruto do paraíso naquele estado primordial de harmonia e equilíbrio que prevaleceu antes da Queda, quando o bem e o mal foram revelados. Adão e Eva, porém, se rebelaram e escolheram “comer da característica do eu, isto é, do domínio da vida em que o bem e o mal estão presentes”. Motivados pelo desejo egoísta, eles se afastaram da rendição. De acordo com Boehme, humanos (e anjos) têm grandes poderes de autodeterminação. Ao orientar nossa vontade, podemos escolher viver no mundo do fogo e da ira, ou no mundo da luz e do amor. Cada um desses mundos surge de um centro ou matriz que molda a qualidade do que se origina dele, para o bem ou para o mal. Neste ensaio, Boehme frequentemente usa a palavra Mutter, geralmente traduzida como “mãe”, embora também possa significar “matriz”. Na alquimia, Mutter ou “matriz” poderia significar um tipo de vaso, assim como um metal básico — cada um deles um lugar de origem. Por fim, Mutter pode significar “útero”. Tudo isso deve ser levado em consideração ao encontrar a palavra “mãe” ou “matriz” em Jakob Boehme. Outro termo que aparece com certa frequência neste tratado é Kindschaft, geralmente traduzido aqui como “estado de criança”, referindo-se a um relacionamento filial com Deus, ao qual os humanos podem retornar através do novo nascimento. Boehme pode querer que o leitor ouça um eco do apóstolo Paulo em suas epístolas aos Gálatas (Gl 4:5) e aos Romanos (Rm 8:23 e 9:4), onde Paulo fala de ser adotado em um relacionamento filial na casa da fé. Na tradução da Bíblia de Lutero que Boehme lia, a palavra usada para descrever essa adoção é Kindschaft. O método espiritual que Boehme propõe aqui é semelhante ao de seus outros escritos, especialmente Vida Além dos Sentidos. É preciso abandonar os próprios pensamentos, desejar nada e aprender nada, e mergulhar no amor, na graça e na humildade. A mente da alma deve envolver-se na morte de Cristo, morrendo e ressuscitando interiormente com Cristo. Esse mergulho em si mesmo e no amor divino é o cerne da rendição. Além dessa linguagem de envolvimento, Boehme usa sua expressão comum de “pressionar”: O próprio desejo pressiona para o nada, apenas para a ação e o agir de Deus que Ele deseja nele; e o Espírito de Deus pressiona para fora através do desejo da humildade rendida. Assim, o eu humano olha para o Espírito de Deus, que vê tudo o que está no tempo e na eternidade, porque tudo está próximo dele. Por fim, outro tema familiar em outros escritos de Boehme é seu desafio à hipocrisia da igreja institucional, cujos membros afirmam, com base no evento histórico da morte de Cristo, ser perdoados por seus pecados enquanto continuam a levar uma vida imoral. Para Boehme, isso é apenas “história”, e a experiência pessoal é essencial para a vida interior. Boehme frequentemente chama essa instituição hipócrita de Igreja de Babel, referindo-se à Torre de Babel, onde a linguagem humana original e pura foi confundida pelo orgulho humano, criando divisões entre as pessoas em Gênesis 11. No alemão de Boehme, “Babel” também é a mesma palavra para “Babilônia”, e assim seu uso de “Babel” ecoa a notória besta da Babilônia em Apocalipse 17. Em resumo, em Verdadeira Rendição, Jakob Boehme recorre às tradições das escrituras e do misticismo para articular sua concepção do problema humano básico como o afastamento egoísta da vontade de Deus. Mergulhar na rendição é abrir o caminho para retornar a Deus e ao estado humano primordial antes da Queda no Éden.
