Boehme (JBJC) – Fogo mágico
JBJC Assim, cara alma, considera isto, chegarás em breve ao repouso e ao objetivo. Deus é, desde a eternidade, a força e a luz, e é chamado Deus segundo a luz e segundo o poder da luz; segundo o espírito da luz, não segundo o espírito do fogo; pois o espírito do fogo é chamado sua fúria, ira, e não é nomeado Deus, mas sim um fogo devorador do poder de Deus. O fogo chama-se natureza, mas a luz não se chama natureza; ela tem sim a qualidade do fogo, mas transmuta fúria em amor, o comer e devorar em geração, a inimizade e a dor amarga em doce beneficência e amorável desejo, além disso em um preenchimento perpétuo; pois o desejo de amor atrai a doçura da luz em si, e é uma virgem prenhe da inteligência, da sabedoria e do poder da divindade. Assim, é-nos altamente reconhecível o que é Deus e natureza, o fundo e o sem-fundo (Ungrund), e também a profundidade da eternidade. Reconhecemos portanto que o fogo eterno é mágico e é gerado na vontade desejante (…). Se portanto a eternidade insondável é mágica, isso o é também o que é gerado do eterno, pois do desejo provieram todas as coisas; o céu e a terra são mágicos, igualmente a base afetiva com os sentidos. Ah! Se quiséssemos nos conhecer! O que pode agora a luz se o fogo agarra e engole algo, então que, no entanto, o objeto agarrado pelo fogo também é mágico? Se isso tem portanto uma vida, o poder e a inteligência da luz, por que isso corre no fogo? Satanás não foi um anjo e Adão uma imagem de Deus? Ambos tinham o fogo e a luz, além disso, a sabedoria divina neles. Por que Satanás levou sua imaginação para o fogo e Adão para a terra, já que eram livres? A luz e o poder divinos não atraíram Satanás para o fogo, mas sim a fúria da natureza. Por que o espírito se deixou arrastar? O que a magia se fez, ela o teve. Satanás criou o inferno e o teve. Adão se tornou terreno e o é. Deus não é uma criatura nem um fazedor, mas sim um espírito e Um abridor (manifestador). Na criação (consideremos e reconheçamos a coisa assim): o fogo e a luz se despertaram ao mesmo tempo em desejo, em desejo, digamos, de um espelho ou imagem da eternidade; é-nos igualmente perfeitamente conhecido que a fúria originada do fogo, não cria nada e não criou nada de substancial de si, pois isso tampouco se pode; mas ela criou o espírito e a fonte. Ora, nenhuma criatura consiste apenas na essência. Se ela deve existir, é preciso que seja em substância, seja em poder ou enxofre; ela deve subsistir no sal espiritual. Então, nasce da fonte do fogo um mercúrio e uma verdadeira vida essencial. Ela deve além disso ter brilho, para que o conhecimento e a inteligência estejam dentro. Assim, sabemos que toda criatura reside no enxofre, no mercúrio e no sal espiritual, e o espírito sozinho não pode contudo procriar isso. É preciso o enxofre no qual reside o FIAT, ou seja, a matriz ácida para o centro da natureza, no qual o espírito é conservado. Isso é e deve ser substância, pois onde não há substância, não há ação: um espírito criatural é um ser incompreensível; é preciso que ele atraia a si a substância por sua imaginação, sem o que não subsistiria. Se o demônio atraiu a fúria em seu espírito, e o homem a terrenidade, o que podia fazer quanto a isso o amor do Ser divino? O amor divino e a doçura assim como a essência divina lhe eram contudo oferecidos, tanto quanto ao homem: quem acusará Deus? Que a essência da fúria tenha sido mesmo demasiado forte em Satanás, que tenha vencido a essência do amor, o que pode Deus quanto a isso? Se uma árvore plantada boa definha, o que pode a terra que lhe comunica contudo o suco e a força: por que a árvore não os atrai a si? Dirás que suas essências eram demasiado fracas? Mas o que podem a terra e aquele que a plantou? A vontade deste último foi unicamente de elevar uma boa árvore, que lhe desse prazer, da qual pudesse comer o fruto. Se tivesse sabido que a árvore quisesse perecer, nunca a teria plantado. (De Incarnatione Verbi I, V, 17-20.)
