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Boehme (JBAVS) – Da vida além dos sentidos (43-49)

Jacob Boehme — Da vida além dos sentidos (JBVAS)

43

— O que é, então, um anjo ou a alma de um homem, para que possam assim se manifestar no amor ou na ira de Deus?

— Têm a mesma origem: um fragmento da inteligência divina da vontade divina, brotado da palavra divina e constituído como objeto do amor divino.

Eles provêm do fundamento da eternidade, de onde emanam a luz e a escuridão. Na complacência com nossa própria cobiça estão as trevas, e na conformidade da vontade com a de Deus está a luz. Onde a vontade do ego da alma quer com Deus, o amor de Deus está em ação; e onde a vontade da alma se compraz em si mesma, a vontade de Deus age com dificuldade e permanecem as trevas, para que a luz seja conhecida.

Eles nada mais são que uma manifestação da vontade divina, seja na luz, seja nas trevas das propriedades do mundo espiritual.

44

— O que é, então, o corpo de um homem?

— É o mundo visível: uma imagem e substância de tudo o que o mundo é.

E o mundo visível é uma manifestação do mundo interior e espiritual, surgida, por uma operação espiritual, da luz eterna e da escuridão eterna.

É uma projeção da eternidade pela qual a eternidade se tornou visível, e onde a vontade própria e a vontade abandonada agem misturadas – ou seja, o mal e o bem.

O homem exterior também é essa substância: pois Deus criou o homem exterior a partir do mundo exterior e insuflou nele, como alma e vida inteligente, o mundo espiritual.

Por isso a alma pode, na substância do mundo exterior, receber e operar o mal e o bem.

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— O que haverá, então, após este mundo, quando tudo isso passar?

— Apenas a substância material terá fim – os quatro elementos, o sol, a lua e as estrelas.

Então o mundo interior e espiritual se tornará plenamente visível e manifesto. E tudo o que neste tempo foi operado pelo espírito, bom ou mau, cada obra do espírito, se separará espiritualmente, seja na luz, seja na eterna escuridão.

Pois o que foi gerado por cada vontade retornará ao que lhe é semelhante. As trevas serão chamadas inferno – um eterno esquecimento de todo bem; e a luz será chamada reino de Deus – uma alegria eterna e um eterno louvor dos santos por terem sido libertos desse tormento.

O Juízo Final será um incêndio do fogo segundo o amor e a ira de Deus, onde cessará a matéria de toda existência. Cada fogo atrairá o que é seu – a substância do que lhe é semelhante.

O que foi gerado no amor de Deus atrairá o fogo-amor de Deus; nele arderá como amor e se abandonará a essa mesma substância.

Mas o que operou na ira de Deus, nas trevas, atrairá o tormento e consumirá a falsa existência. Assim, restará apenas a vontade atormentada em sua própria imaginação e forma.

46

— Em que matéria, ou sob que forma, nossos corpos ressuscitarão?

— Um corpo natural é semeado, grosseiro e elementar, semelhante agora aos elementos exteriores. Mas nele há uma força sutil, assim como na terra há uma boa força sutil que se une ao sol – que também surgiu, no princípio, da força divina, de onde veio igualmente a boa força do corpo.

Essa boa força do corpo mortal deve retornar numa propriedade bela, transparente, cristalina e material, em carne e sangue espirituais, e permanecer eternamente. Assim como a boa força da terra, ela se tornará cristalina, e a luz divina brilhará em toda existência.

A carne grosseira do homem, como a terra grosseira, passará e não viverá eternamente.

Tudo virá a julgamento e será separado pelo fogo: a terra como as cinzas do corpo humano. Quando Deus mover novamente o mundo espiritual, cada espírito atrairá sua substância espiritual. Os bons atrairão a boa substância, e os maus, a má. Mas entende-se aqui apenas uma força substancial material, pois a substância é apenas força – como uma tintura material –, e a grosseria desaparecerá em tudo.

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— Não ressuscitaremos, então, com nossos corpos visíveis, nem viveremos neles eternamente?

— Quando o mundo visível passar, passará também tudo o que foi exterior e dele provém.

Do mundo restarão apenas o modo e a forma celestes, cristalinos.

Do homem, restará apenas a terra espiritual.

Pois o homem será inteiramente semelhante ao mundo espiritual que agora ainda está oculto.

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— Na vida espiritual, haverá homem e mulher, filhos e parentes? Haverá laços como os de agora?

— Como podes pensar de modo tão carnal?

Não haverá homem nem mulher, mas todos serão como os anjos de Deus, virgens viris. Nem filho, nem filha, nem irmão, nem irmã – todos serão de um mesmo sexo em Cristo.

Todos serão um, como a árvore e seus ramos. Serão criaturas distintas, mas Deus será tudo em todos.

Haverá conhecimento espiritual do que cada um foi e fez, mas não haverá complacência ou desejo nessa existência.

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— Todos desfrutarão igualmente da alegria eterna e da glorificação?

— A Escritura diz: “Como é o povo, assim é seu Deus” (Os 4:9). E também: “Com o puro, te mostrarás puro; e com o perverso, te mostrarás astuto” (Sl 18:26). E São Paulo escreve: “Há diferença entre a glória do sol, da lua e das estrelas” (1Co 15:41).

Sabe, pois, que todos desfrutarão da ação divina, mas sua força e iluminação serão muito diferentes. E isso conforme cada um, neste tempo, na angústia de sua ação, tenha sido revestido dessa força. Pois a angústia da ação da criatura agora é um advento e geração da força divina, pela qual a força de Deus se torna móvel e ativa.

Aqueles que agora agiram com Cristo, e não nos prazeres da carne, terão grande força e glorificação.

Mas outros, que apenas esperaram recompensa e serviram ao deus de seus ventres, mas no fim se converteram, não terão tanta força e iluminação.

Por isso haverá entre eles diferença como entre o sol, a lua e as estrelas – e como entre as flores do campo, em beleza, força e virtude.

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