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Loyola Exercicios Semana 1

INÁCIO DE LOYOLA — EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS — A PRIMEIRA SEMANA

A primeira semana é inaugurada por uma espécie de declaração solene chamada Princípio e Fundamento:

“O homem é criado para louvar, reverenciar e servir a Deus Nosso Senhor e por meio disto salvar sua alma, e as outras coisas sobre a face da Terra são criadas para o homem e que o ajudem na procura do fim para o qual foi criado. Daí se segue que o homem deve usar dessas coisas na medida em que o ajudam para seu fim, e deve afastar-se delas na medida em que o entravam para este fim. É necessário nos tornemos indiferentes a todas as coisas criadas, em tudo o que é concedido ao nosso livre arbítrio e não lhe é proibido, de modo que não queiramos, por nossa própria vontade, mais a saúde do que a doença, a riqueza do que a pobreza, a honra do que o opróbrio, a vida longa do que a vida curta, e assim por diante em tudo mais; mas que desejemos somente e escolhamos o que melhor nos conduz ao fim para o qual fomos criados.”

Por essas frases, redigidas sob uma forma vigorosa, Santo Inácio definiu “o homem em situação” — poder-se-ia dizer usando a terminologia moderna — tal como Deus o instalou no Universo criado. As relações entre o homem e as coisas são reguladas por uma lei rigorosa. Esta lei, os exegetas da Companhia a simbolizaram pela locução adverbial latina tantum quantum — de ressonâncias imediatas e muito ricas no espírito de todo jesuíta.

À noção de tantum quantum se une, por uma ligação necessária, a de indiferença: a partir do momento em que o uso do mundo criado está determinado pela estrita lei do tantum quantum, como guardar no fundo de si o capricho de uma inclinação?

Na direção das almas, Santo Inácio punha a “completa indiferença” como fim de toda ascese da vontade. Não que ele próprio negligenciasse — ou aconselhasse aos superiores negligenciar — as inclinações pessoais de cada um. Pelo contrário, fazia questão disto, e queria que levassem isto em conta, de uma maneira especial. Mas ele propunha a seus discípulos não ter outra inclinação senão obedecer. E se um deles mereceu um dia seu elogio, foi Jerônimo Nadai, no dia em que, solicitado a dizer se aceitava ou não ser nomeado superior da casa de Loreto, respondeu que não se inclinava a nada senão a se inclinar a nada.

Enfim começam os Exercícios propriamente ditos da primeira semana: dois exames de consciência, um particular, outro geral. Santo Inácio, que tinha selado sua conversão com uma longa confissão escrita, em Montserrat, conhecia o valor desse gênero de confissão circunstanciada, procedimento necessário a quem se engaja na vida dita “purgativa”. Toda a primeira semana, de fato, é consagrada a uma meditação prolongada sobre o pecado: o penitente, tendo tomado conhecimento do Princípio e Fundamento, descobre em que ponto a vida que levou até o presente foi desordenada.

Para restabelecer a ordem em sua conduta, é preciso que se corrija de seus defeitos e principalmente daqueles em que costuma cair. Para levar a bom termo esta luta Santo Inácio sugere utilizar um auxiliar curioso, sob a forma de um quadro composto de sete fileiras de linhas duplas. Cada fileira corresponde a um dia da semana; a linha superior ao primeiro exame do dia, a linha inferior ao segundo. O retirante marcará nessas linhas um pontinho indicando se recaiu no pecado que quer corrigir. De um exame ao outro, de um dia a outro, de uma semana a outra, observará se houve ou não progresso.

O processo lembra os métodos de devoção moderna. É de grande sutileza psicológica. Se duvidássemos, seríamos contraditos pelo testemunho inesperado de. . . Benjamin Franklin. De fato, o sábio homem de Estado conta em suas Memórias como decidiu, sem mais nem menos, um belo dia, chegar à “perfeição moral”. Meditou sobre as virtudes que desejava adquirir: temperança, silêncio, ordem, etc. . . — há 13 até a castidade e a humildade. Depois, dócil a um conselho que lera em Pitágoras, resolveu praticar um “exame diário”. Fez, nesse desejo, um livrinho onde escreveu, no alto, os dias da semana, numa linha horizontal, e à esquerda, de alto a baixo, as virtudes. Continuando os traços, obteve um quadriculado; nos quadrados poria um ponto negro para cada falta cometida. Guardou-se este caderno. Traz a data de 1 de julho de 1733.

Inácio de Loyola acrescenta um outro meio prático: cada vez que se cair no pecado habitual, levar-se-á a mão ao peito, com um vivo sentimento de arrependimento, coisa que se pode fazer mesmo diante de muitas pessoas, sem que percebam o que se faz.

Esta contrição atenta, Santo Inácio quer que se renove sempre e até aconselha que se peça conta a sua alma de hora em hora. A plena lucidez sobre as faltas que se cometem, sente-se que Inácio gostaria de aplicá-la a todos os momentos da duração, se fosse possível, de tal modo que o controle sobre si mesmo permanecesse constante. Nisto o autor dos Exercícios Espirituais mostrava-se o herdeiro de uma longa tradição monástica que, antes da devoção moderna, remontava' aos primeiros cenobitas, tal como São Doroteo de Gaza, monge do século VI, que recomendava um exame de consciência cada seis horas.

Para ajudar a contrição, ainda é oferecido um outro meio, no decurso desta primeira semana: uma meditação, sobre os três pecados tipos, se assim podemos dizer, o dos Anjos, o de Adão e Eva, enfim, o de um homem qualquer caído no Inferno — a saber, o pecado mortal.

Aqui aparece pela primeira vez a célebre fórmula composição de lugar, ou, como escreve Santo Inácio, la composición viendo el lugar, isto é, a composição vendo o lugar. Trata-se de um esforço da imaginação que se representa de maneira concreta uma paisagem, um local histórico, uma cena — por exemplo esta (segunda contemplação da segunda semana): Como Nossa Senhora grávida mais ou menos de nove meses — como se pode meditar piedosamente (este parêntese foi acrescentado por Santo Inácio sobre o manuscrito autógrafo, tardiamente, como para responder a qualquer crítica que se relacionasse com uma representação desta espécie) — montada num jumento, José e uma serva, esta puxando um boi, deixaram Nazaré para ir a Belém pagar o tributo imposto por César a todas essas regiões. Ou então esta (primeira contemplação do primeiro dia da terceira semana): Considerar o caminho de Betânia a Jerusalém: será largo, estreito, plano? …page… Nem sempre há, nos Exercícios, evocações tão fáceis quanto estas. Outras composições de lugar, ditas invisíveis, porque se relacionam com objetos que se têm que imaginar inteiramente, são mais difíceis para realizar, como precisamente na meditação sobre os pecados, a operação que consiste em considerar minha alma encarcerada neste corpo corruptível e todo o composto (o composto alma e corpo) neste rale, como exilado no meio de animais selvagens.

Muito se escreveu sobre a composição de lugar e mostrou-se que Santo Inácio, recomendando-a, inseria-se aqui ainda numa tradição que vai até a época da alta Idade Média, a do bem-aventurado Aelred, abade cisterciense de Rievaux, na Inglaterra, no século XII, e que continua com o pseudo-Boaventura e Lindolfo o Cartuxo, até João Mombaer e os místicos da escola flamenga. Mas Santo Inácio conserva a originalidade de ter elevado a composição de lugar à dignidade de um prelúdio preparatório à meditação.

Entretanto, este processo não foi universalmente ratificado. Santa Teresa de Ávila, por exemplo, declarava-se incapaz de fazer trabalhar desse modo sua imaginação. Diz-se igualmente que os verdadeiros místicos se dispensavam facilmente desses meios subalternos. Em compensação, na Companhia de Jesus o processo foi conservado constantemente com destaque. Mesmo para vir em socorro das imaginações um pouco fracas, Inácio de Loyola em pessoa, no fim da vida, decidiu publicar um livro onde as composições de lugar, se assim podemos dizer, estariam já feitas. Ele encarregou o padre Jerônimo Nadal de preparar um volume de estampas representando as cenas do Evangelho. Esta coleção só foi editada muito tempo após a morte do Fundador, a saber, em 1593, em Antuérpia, sob a forma de um grande in-fólio, onde as meditações evangélicas estão acompanhadas de 153 gravuras feitas por artistas flamengos de valor, especialmente Wierx e Collaert.

No século XVII, quando se publicavam tantos volumes de devoção enfeitados de estampas, os Exercícios Espirituais foram abundantemente ilustrados.

Parece que o emprego de imagens não tenha correspondido somente à preocupação de ajudar ao esforço da imaginação e de orientá-la em perspectivas dogmaticamente seguras, mas ainda de criar no espírito um tipo de esquemas análogos às lembranças de paisagens ou de espetáculos realmente observados e que a memória registra. Assim, a imaginação fica encerrada em limites estreitos e não vaga mais. Melhor ainda, a meditação se desenvolve a partir de reminiscências afetivas que representam, em tela de fundo, o mesmo papel de um álbum de família quando se evocam recordações preciosas.

No fim da primeira semana são inseridas adições. Notar-se-á, de passagem, que as recomendações suplementares ocupam o mesmo lugar neste livrinho quanto as próprias meditações.

Essas adições se referem a certas atitudes e procedimentos corporais que o retirante deverá adotar. Esta, por exemplo, que é curiosa: antes de começar sua meditação, ele ficará a um ou dois passos do lugar onde a meditação será feita e ficará em pé durante o tempo de um Pai Nosso, elevando seu pensamento para o céu. Dir-se-ia, a curta parada que um fiel, entrando numa igreja, faz perto da pia de água benta, antes de ir para o seu lugar.

A contemplação se fará ora de joelhos, ora prostrado no chão, ora em pé, da maneira mais favorável ao resultado a obter.

Outras recomendações dizem respeito ao regime do sono e da alimentação, bem como às penitências corporais que o retirante se infligirá. Inácio de Loyola não negligencia nenhum pormenor no momento em que toma a seu cargo um discípulo para 30 dias de ascese.

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