Jerônimo Bosch: Ernst Merten, “Hieronymus Bosch”

Toda carne é como o feno e a glória se assemelha à planta dos campos“. Estas palavras do profeta Isaías poderiam servir de leit-motiv temático para este tríptico.

Existem duas versões desta obra, uma no mosteiro de Escoril, outra no Museu do Prado. Ignora-se qual teria sido a primeira versão e senão se trata apenas de cópias. Nos dois casos o painel central representa uma carroça de feno cercada dos mesmos personagens, os mais significativos, que aparte certos detalhes, se assemelham quanto ao lugar que ocupam, seus gestos e suas vestimentas. As duas abas do retábulo são igualmente idênticas, à esquerda a Queda devido ao pecado original e à direita o Inferno. Aqui também, há identidade rigorosa sobre personagens e objetos. Em resumo a única diferença entre estas duas versões é o grau de conservação, ou talvez de restauração.

Neste tríptico Bosch apresenta os pecados terrestres postos em evidência tanto quanto suas origens quanto suas consequências. Vê-se menos demônios e mais personagens vestidos à moda de seu tempo, tornando a cena mais próxima da sociedade contemporânea.

Na aba esquerda se retrata a Queda.

No centro se representa a carroça de feno com múltiplas cenas pecaminosas (Pecado).

A porta esquerda do retábulo encena o Inferno.

Este retábulo trata da caminhada do homem por este mundo pecaminoso, suas duas portinholas apresentam o PECADO ORGINAL à esquerda e o INFERNO à direita. Estas portinholas fechadas figuram o caminhante, um símbolo da humanidade (O CAMINHANTE).

A multiplicidade das cenas particulares que enchem literalmente a parte central do retábulo não deve distrair nosso olhar a ponto de esquecer que os grupos de pessoas não são de fato senão símbolos da humanidade inteira. Os temas principais evocados por esta obra de altar insistem no caráter efêmero da vida e no fato que a humanidade vive em estado de pecado e de ofensa a Deus. A representação de carroças alegórica, acentuando em temas ou objetivos bem precisos, era habitual no século XV. Bosch se contentou em respeitar esta tradição para criar uma espécie de “cortejo triunfal do pendor da humanidade para o pecado”.

O tema principal desta obra é portanto o feno que no século XV e XVI era ao mesmo tempo o símbolo da cupidez e do caráter efêmero das coisas. E estas duas atribuições simbólicas constituem evidentemente uma base ideal para dotar este retábulo de dois sentidos precisos: o tema principal sendo os bens terrestres, ele acentua o caráter ávido que instiga tudo que pode encontrar na terra… mas esta cupidez se revela absolutamente fútil pois os bens que consegue reunir são efêmeros e não servem para nada quando comparados com os valores celestes.

Bosch utiliza esta metáfora e a apresenta em relação com os pecados dos homens, sem todavia desenvolver a fundo este tema como o fez para tampa de mesa SETE PECADOS CAPITAIS. Neste retábulo Bosch deixa claro o total absurdo do pecado o rebaixando ao feno e a seu valor simbólico de coisa muito efêmera que tinha a esta época. Cada pessoa deste quadro comete o pecado só considerando a vantagem imediata que dela retira, mesmo se este é consumível. Deixando livre curso a seu temperamento e em função de seu estado social, cada um revolve-se no vício não realizando toda a inanidade efêmera de tal conduta… posto que os diabos continuam a levar esta carroça diretamente ao INFERNO. Algumas cenas pintadas em primeiro plano devem chamar especialmente atenção: a cupidez leva a se cometer um crime; a corrupção do clero é posta em evidência por estes monges e estas freiras ávidos; uma destas freiras, cedendo a seus instintos lúbricos estende um pouco deste feno simbólico a um jovem que ela espera assim desviar; a cupidez leva pessoas a se jogar sob as rodas da carroça, símbolo do tempo que se escoa esmagando todos sob ele; por último, avança a procissão solene dos altos dignatários, o papa e o príncipe. Eles se nutrem da ilusão que todos os bens desta terra lhes pertencem a ponto que seu séquito impede um mendigo de se aproximar para disto recolher migalhas.