Henri le Saux – Espírito
Saux1991
Quando o cristão, em vez de simplesmente seguir a lenta progressão do homem em direção à consciência muito pura de si, ouvir o discreto chamado que o Espírito lhe murmura pelo intermédio dos antigos Sábios do Oriente e deixar esse mesmo Espírito desvendar, senão dilacerar nele as profundezas verdadeiras e últimas de seu ser, então Deus poderá operar nele a partir desse fundo mesmo que comanda tudo, e não mais apenas no nível dos sentidos e das faculdades que o homem, sempre de forma demasiado parcimoniosa, entreabre à sua ação. (SHMC, p. 117.) O chamado do Espírito é irrevogável; nada mais tem sentido nem valor para aquele sobre quem o Espírito desce. Ele não tem mais nem passado nem futuro, todos os projetos feitos por ele ou para ele, humanos como religiosos, mesmo os mais elevados caem como folhas mortas ao vento. É como a morte que ceifa o adolescente cheio de promessas e de quem o mundo esperava tanto. O túmulo do silêncio não se reabre, pois é selado por dentro. (Initiation à la spiritualité des Upanishads, p. 209-210.) O Espírito é o próprio mistério da graça que me envolve, se olho para fora, que me penetra se olho para dentro, mistério que me vem do mais íntimo do meu ser, da minha guha; que brota do que há de mais escondido em mim, que me revela esse pada escondido em mim que é o próprio mistério da inacessibilidade de Deus e de mim: «Deus escondido», Deus absconditus (Isaías 45,15). (Intériorité et révélation, p. 231.) Numerosos são aqueles que, percebendo que há crentes sinceros em todas as denominações cristãs, baseiam sua reflexão não mais nas definições teológicas e canônicas da Igreja, tais como são dadas pela hierarquia de cada confissão, mas sim no fato da Presença universal do Espírito que transcende as barreiras institucionais. (Intériorité et révélation, p. 268.) Mais profundamente meu guru vive em mim por seu Espírito. Seu Espírito, ele me transmitiu seu paramatman, o atman do meu guru é o meu. Mas tomar primeiro o tema «Espírito» no sentido ocidental, espírito de filiação, de piedade, de sabedoria, etc. Ele está em mim na medida em que me transmite sua «maneira» de viver, de conceber Deus, de realizar Deus, etc. Ele está em mim na medida em que me comunica seus santam, sivam, advaitam . Ele nada conservou para si do que o Pai lhe deu, ele tudo repetiu, ele tudo deu. E finalmente ele se deu a si mesmo. (3.4.52; La Montée au fond du coeur, p. 51.) O Espírito desdobra livremente sua lila em mim como em cada criatura. O Espírito, a misteriosa Pessoa impessoal, em quem meu ego se perde. Aceitar a realidade, isto é, que meu ego está imerso no Espírito! E o Espírito fará a seu tempo erguer-se no Oriente da minha alma o Ego supremo, o Brahma aham asmi, o verdadeiro aham . É falso dizer TU ao Espírito, pois o Espírito não é outro senão eu. O aham que se elevará em mim será o aham do Filho. E o diálogo se trocará — troca-se eternamente — reciprocamente entre o Filho e o Pai. (1.6.52; La Montée au fond du coeur, p. 59.) Desde que o homem é espírito, Deus é — alcançável, encontrável — no fundo dele. Basta ao homem voltar-se sobre si mesmo, remontar ao seu próprio Ser, para encontrar Deus no centro mesmo desse Ser. E é neste lugar fora do espaço (ver as Upanishads), neste instante fora do tempo que se produz o misterioso, criativo e vital encontro, o análogo, a participação do encontro originador do Pai e do Espírito, de Deus e do anjo, o próprio cumprimento em que é criado o universo material. Então jorra o Espírito, e no eternamente presente jorrar do Espírito, o próprio Pai, a Fonte é — e o Filho que Dele procede — a partir do impensável sunyata. (12.6.52; La Montée au fond du coeur, p. 68.) O Espírito é essa presença interior de Deus a todas as coisas, e primeiro a mim. Pois é na minha experiência de pneuma em mim que eu descubro o atman em tudo, o prâna (sopro) em tudo. Agni em tudo. É nesta experiência interior do Espírito que me torno pneumatikos, âtmavân, o Purusha, o «Filho do homem», Filius Dei, que me descubro agre san (agre: no começo, na origem, san: estava), brahmayânah da «natureza» de Brahman. E no entanto na experiência cristã jamais o eu-em-frente desaparece. Ao mesmo tempo um e não-um com a Fonte. O Pai é o Brahman de quem nada pode ser dito. (5.67; La Montée au fond du coeur, p. 358.) O Espírito é essa presença cósmica, universal, impalpável. Ela toma rosto em cada rosto de homem que reflete uma consciência. A Presença está lá, aqui, deslumbrante. O santo é aquele que assume essa Presença. O homem comum vive imerso nela, mas não mais do que a planta ou o animal a integrou à sua consciência. O homem é o ser capaz do mistério — capax mysterii. Capaz de reconhecer essa Presença, de integrá-la à sua consciência de ser, e por isso mesmo capaz de dar à sua consciência sua dimensão definitiva. (15.6.71; La Montée au fond du coeur, p. 401.)
