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Henri le Saux – Deus

Saux1991

O nome misterioso que Yahweh havia revelado ultrapassava toda compreensão humana. Chegou o dia em que os judeus não mais ousaram pronunciar o tetragrama sagrado. “Ehieh asher ehieh” era de um lado como uma recusa, “Eu sou aquele que sou”, escondendo para sempre o Nome da inteligência meramente curiosa. Mas, ao mesmo tempo, para aqueles que o amor impulsiona a conhecer, era o convite insistente para penetrar no fundo dessa “palavra substancial” até o próprio mistério d'Aquele-que-é-essencialmente. (SHMC, p. 36-37.)

Para o cristão, não é porque Deus ultrapassa sua razão que ele O adora como o Além-de-tudo, o Além de toda palavra e pensamento; esta atitude é, nele, um ato de fé n'Aquele que se revelou como “habitando uma luz inacessível que nenhum homem viu nem pode ver”. (SHMC, p. 38.)

Toda aproximação verdadeira de Deus, qualquer que seja seu clima espiritual, só pode terminar no “Ah, ah, ah!” de Jeremias: “Ah! Ah! Senhor Deus, não sei falar, nescio loqui”. (SHMC, p. 40.)

Este é o paradoxo da revelação bíblica: o encontro não apenas possível, mas obrigatório, com o inacessível, a Aliança com Aquele que só pode estar Sozinho. Para a inteligência do homem, isso só podia ser absurdo. Assim pensava o grego antigo, assim pensa ainda hoje o hindu. (SHMC, p. 42.)

Quando o homem tenta seriamente pensar em Deus, por exemplo segundo as noções de ser ou eternidade, logo sente sua inteligência como que lhe escapar, seu pensamento como que o trair. Chega um momento em que o pensamento já não consegue se reconhecer nessa claridade que o invade. (SHMC, p. 154.)

Deus em sua misericórdia, envia seus mensageiros: a noite, as trevas, o sofrimento, a incapacidade, o insucesso aos olhos do mundo. Ele faz “sinal” ao homem e espera. (O Encontro do Hinduísmo e do Cristianismo, p. 117.)

É o mistério do Deus Criador e do Deus Amor sem dúvida, de Deus como aparece ao homem em sua maravilhosa epifania do cosmos e da história da salvação, mas mais ainda, além de tudo que o homem pode dizer, saber ou sentir de Deus, além de seu próprio olhar para Deus, além de toda “lembrança” mesmo de si, é o mistério propriamente dito de Deus em si mesmo, em sua deidade, sua aseidade, sua suprema inefabilidade, que nenhum verbo emanado do intelecto poderia exprimir, que nenhum som capaz de ferir o ouvido poderia pronunciar, que nenhuma forma visível aos olhos do homem poderia revelar. (Gnanananda, p. 76.)

O encontro definitivo do homem com Deus é nascimento além da morte. O homem não pode ver Deus sem morrer para si. Também não pode alcançar a si mesmo em sua verdade suprema e definitiva sem morrer e portanto sem renascer — na própria esfera de Deus. (Gnanananda, p. 77.)

Deus é ao mesmo tempo o objeto do olhar e o mistério do não-olhar. Em verdade porém, nem o olhar do homem O alcança, nem seu não-olhar, nem seu agir, nem seu cessar de agir. Deus é o Além. (Gnanananda, p. 81.)

O próprio mistério do mundo, de tudo que meus sentidos alcançam, de tudo que meu pensamento liberta — meu mistério para mim mesmo no que há em mim de mais íntimo e pessoal: este não-manifestado e não-manifestável de mim e de todas as coisas, este inalcançável para minha consciência e que é consciência mesma em sua fonte. (Ibid.)

A transcendência de Deus é a própria fonte de sua imanência, transcendência e imanência sendo no fim apenas duas palavras do homem para tentar significar ao mesmo tempo o além e o dentro do mistério supremo. (Gnanananda, p. 83.)

Se Deus está oculto, é porque Ele é, por si mesmo, além de todas nossas percepções, mesmo mentais. Se não o fosse, seria simplesmente um dos objetos possíveis de nosso conhecimento, à maneira das coisas do universo, como supunham os pensadores da Grécia. Isto não foi aceito nem pelo pensamento judeu nem pelo pensamento hindu. Deus não pertence de modo algum a esse mundo objetivo no qual se move o pensamento do homem. (ESED, p. 31.)

Não se pode falar de Deus propriamente na terceira pessoa, apesar das necessárias convenções gramaticais e linguísticas. Deus é primeiro. Eu só sou eu mesmo no tu que Deus me diz. Só Deus é primeira pessoa, em toda propriedade do termo, pois Ele é a origem de todo discurso. A experiência real da Presença exige que Deus seja alcançado como primeira pessoa, como Eu. (ESED, p. 95.)

No ser só há a Presença de Deus a Si mesmo em seu mistério inefável. (ESED, p. 140.)

O cristão não se serve de Deus, ele serve a Deus. De fato, assim que se busca usar Deus, Deus já não está lá. Encontramo-nos sós, sobrecarregados com nossas técnicas, perfeitas humanamente talvez, mas vazias agora de poder divino e eficácia espiritual. (ESED, p. 150.)

O homem debate-se na busca de Deus e de si. E demasiadas vezes, ai! o homem falha tanto a Deus como a si.

Ele busca Deus num canto do espaço. E Deus preenche todo o espaço e está fora de todo espaço.

Ele busca Deus num ponto do tempo, num passado que foi, num futuro que será. E Deus está fora de todo tempo. E a eternidade está presente a cada momento do tempo. (Iniciação à Espiritualidade dos Upanishads, p. 32.)

Deus está muito próximo. É por isso que o homem constantemente Dele sente falta.

Ele faz Dele objeto, e Deus lhe escapa.

Ele faz Dele pensamento. Mas o pensamento passa ao lado de Deus. (Iniciação à Espiritualidade dos Upanishads, p. 32.)

Deus nunca pode ser alcançado como objeto, pois o objeto é sempre projeção do pensamento. Deus não é um Ele sobre quem o homem poderia falar ou discutir pensadores e teólogos. Deus é um Tu, mas um Tu que aspira a si e como que aniquila o “eu” que se coloca diante para tentar dizê-Lo, pois Deus é antes de tudo um Eu diante de quem todo “eu” só pode calar-se. (Iniciação à Espiritualidade dos Upanishads, p. 50.)

a eternidade, a absolutez, a aseidade, a soberania de Deus não são mais noções que o homem tenta desesperadamente compreender pela via da analogia ou da negação; sua própria verdade é realizada na descoberta de que se é, além de todo condicionamento. Então Deus não é mais um Ele sobre quem os homens ousam falar entre si. Ele não é mesmo apenas um Tu cuja presença o homem realiza diante de si, mas antes, partindo da percepção de si mesmo, Deus é aqui descoberto e realizado como um Eu, o Eu sou: aham asmi dos Upanishads, o ehieh asher ehieh da Sarça Ardente, . (Iniciação à Espiritualidade dos Upanishads, p. 86.)

“Onde estaria teu amor se eu não existisse?” cantava Tagore, o grande poeta bengali. É todo o mistério do Amor, do Dom de si, do Bonum diffusivum sui, onde Deus se engaja — na manifestação de seu próprio ser, na eterna emergência do ser no seio do Não-manifestado primordial — com esse parceiro que é o homem. Deus não precisa do homem. Deus escolheu livremente precisar do homem, não ser sem o homem. (Interioridade e Revelação, p. 78.)

Enquanto Deus é considerado como “um outro”, diz-se-Lhe “Tu”, diz-se-Lhe “Vós”, trata-se-O com mais ou menos honestidade, com mais ou menos respeito, até mesmo reverência. Para uns, Ele faz parte de sua domesticidade, para outros, de suas relações de negócios, negócios deste mundo ou negócios do outro conforme os casos. Ele é encarregado de prover saúde, sucesso, fortuna — era a razão de ser do sacrifício védico; os cristãos continuam a mandar dizer missas com as mesmas intenções — no melhor dos casos mediante alguns arranjos feitos aqui, dando dando, assegurar ao homem uma eternidade suficientemente confortável. (Interioridade e Revelação, p. 91.)

Pois Deus é totalmente outro que um outro. É o mistério do kevala, o isolamento absoluto, a solidão e unidade divina absoluta, o mistério do Parama-Brahman, que canta e ao qual busca conduzir a mesma Mundaka-Upanishad, do Brahman supremo e essencialmente além, Aquele de quem o homem não sabe mais o que dizer: OM neti… neti, “nem isto, nem aquilo”. (Interioridade e Revelação, p. 92.)

O homem deve resignar-se a calar-se diante de Deus, a não mais falar-Lhe, a não mais rezá-Lo, a não mais adorá-Lo; só então sua adoração e sua oração serão puras. Deus é puro kevala. Só o silêncio O louva, o silêncio que não é mais sequer um olhar, mas a suprema shunyata, “a Vacuidão essencial”. (Interioridade e Revelação, p. 93.)

Não é do exterior que Deus vem à alma. É no mais profundo do centro da alma, nos recessos mais essenciais de seu ser, lá mesmo onde Deus por direito de Ser reside, que se origina Sua vinda. (Interioridade e Revelação, p. 151.)

Há duas abordagens de facto de Deus, Deus em si mesmo e Deus em sua manifestação. (Interioridade e Revelação, p. 218.)

A Palavra de Deus é uma realidade viva; ela é uma interpelação do homem que não lhe deixa repouso (cf. Abraão, Moisés, Amós). Só se pode responder-lhe pela fé e pela conversão. (Interioridade e Revelação, p. 255.)

A presença de Deus ao homem não é uma presença exterior, mas uma presença no mais íntimo do ser, na própria origem desse ser, uma origem não temporal mas ontológica, uma origem que sustenta como do mais interior desse ser, uma presença da qual o ser do homem é indissociável, tanto ela penetra esse ser tanto em si como em todas suas atividades. (Interioridade e Revelação, p. 277.)

Pois nós homens fabricamos categorias e queremos fazer Deus caber nelas. Não conseguimos aceitar que Deus ultrapasse nossas categorias. A Encarnação foi contudo uma dura lição. Que desprezo soberano de nossas convenções proletárias tanto quanto burguesas. Deus não é um problema. Deus não põe problemas. Somos nós que, caolhos e complexos, pomos Deus como problema. (1.6.52; A Subida ao Fundo do Coração, p. 60.)

A primeira obra do homem é entrar para dentro, encontrar-se a si mesmo. Quem não se encontrou a si mesmo, como poderia encontrar Deus? Não se encontra a si independentemente de Deus. Não se encontra Deus independentemente de si.

Enquanto não se encontrou a si mesmo, em sua nudez do interior, mais crua ainda que sua nudez do exterior, vive-se no mundo de sua fabricação, de sua imaginação, de seu mind . Si, o mundo e Deus, é o sonho que se sonha deles, e não a realidade. Quem não se viu nu, crerá que todo mundo veio ao mundo com uma cueca e um par de meias.

O Deus que adora quem não se encontrou nu, é um ídolo.

O próximo para quem vai aquele que ainda não se encontrou, é uma projeção de seu si exterior, ahamkarico . (4.12.53; A Subida ao Fundo do Coração, p. 104.)

O Deus vivo só se encontra realmente no fundo de si, no recolhimento no fundo de si, no fundo de sua própria vida, no fundo daquilo pelo qual nós — não cada um dos eus — somos vivos. (6.5.54; A Subida ao Fundo do Coração, p. 121.)

Não se pode pensar Deus mais do que se pode pensar a si mesmo. Pensar-se, é perder-se, é tomar por si uma imagem refletida e construída. (5.6.55; A Subida ao Fundo do Coração, p. 133.)

Deus é para o homem essencialmente um chamado, o chamado desde as profundezas de si, do si. O homem caricatura Deus, a dar náusea de todo nome e ideia de Deus que os homens proferem. (22.9.55; A Subida ao Fundo do Coração, p. 161.)

O Deus outro é para a maioria dos homens apenas a impossibilidade de se portar a si mesmos. O medo de ser. O vertigem do ser. Então exorciza-se essa fraqueza e faz-se dela o apoio sólido e eterno manter-se no ser. Sem ter a si mesmo que assumir a responsabilidade de ser. Como o nome divino é blasfemado. O judeu tinha razão em não querer pronunciá-lo. Só se pode pensar substitutos de Deus. (21.11.56; A Subida ao Fundo do Coração, p. 208.)

Não há falsos deuses, há apenas falsas ideias de Deus… Toda ideia de Deus é falsa em sua imperfeição, e não há nenhuma ideia mesmo falsa de Deus que não expresse Deus, um pouquinho ao menos. (26.5.58; A Subida ao Fundo do Coração, p. 262.)

Como é duro não ter “ninguém” a quem se possa dizer “meu Deus”. Ter purificado seu “sentido” de Deus dessa “necessidade do pai” com a qual ele se identifica demasiadas vezes.

Não mais poder pensar nada a modo de Deus. Não é que se diga: non est Deus , mas nenhuma palavra e nenhum conceito tem sabor de Deus, e deixa o ser insatisfeito, pois no fundo de si, ele tem, desconhecido de seu pensamento, um sentido de Deus que não sabe exprimir. (21.11.58; A Subida ao Fundo do Coração, p. 265.)

Quem encontrou verdadeiramente Deus, pode ainda falar de Deus? (7.2.60; A Subida ao Fundo do Coração, p. 280.)

Quem pode compreender, aceitar e suportar a grande solidão, a solidão com Deus — a solidão de Deus, fora do Eu-Tu superficial que o homem diz a Deus, o mundo Mahwit da tradição sufi, do silêncio absoluto, além do mundo Mallakut onde tudo é negado e nada existe senão Deus?

Para não ter necessidade senão de Deus só, é preciso primeiro estar desligado da necessidade da ideia de Deus, isso, o significado essencial do real sannyasa hindu, em sua solidão drástica, nu e sem nenhuma possessão material, sem lugar próprio, sem amigo, nem ninguém em quem seu coração possa repousar; e livre no interior também de todo belo pensamento onde possa se agarrar. (31.8.63; A Subida ao Fundo do Coração, p. 316.)

O pensamento pode descobrir Deus? Deus está além. O pensamento não O pode abraçar. Pode no máximo dizer que há um além de si mesmo. (12.4.64; A Subida ao Fundo do Coração, p. 329.)

Tudo que se sabe ou crê saber de Deus é falso. Só há uma coisa a saber de Deus — e isso ultrapassa a inteligência, isso se passa nas fontes do ser -, é que esse conhecimento é um total commitment . É no renunciar a apoiar-se em si que se conhece Deus, existencialmente. É isso a fé, e a brahmavidya (conhecimento de Brahman). (9.7.68; A Subida ao Fundo do Coração, p. 366.)

O Deus-deva é a projeção de mim, meu “outro”, meu “duplo” meu dhata: meu Criador. O primeiro artigo do Credo só conhece Deus “por” a criatura. É a esse nível dos devas que Deus é Trino, e que o Filho de Deus pode descer à terra, reparar a falta do homem, etc. (1.1.69; A Subida ao Fundo do Coração, p. 372.)

Após a morte do “deus” do conceito e do mito, só resplandece o único e verdadeiro Deus vivo da experiência de fundo. Não há dúvida que através dos mitos e conceitos, o “fundo” seja por vezes alcançado, i.e. a coincidência entre o homem da consciência fenomênica e o “si”. Isso é o essencial de toda missão espiritual, o objetivo de toda mensagem religiosa. (14.5.70; A Subida ao Fundo do Coração, p. 385.)

A comparação entre a manifestação de Deus em Jesus e em Buda por exemplo só pode ser fútil. Pode-se comparar o valor moral de um Jesus e de um Gautama, ou de um rishi hindu (pois as manifestações dessa experiência são estreitamente condicionadas pelo meio cultural e “religioso” onde ela se desdobra ).

A unicidade da Encarnação é um falso problema. (9.7.70; A Subida ao Fundo do Coração, p. 385.)

Nada mais de Deus em quem buscar refúgio: buscar-se. Nada mais que faça sombra sobre a pureza cristalina de Deus. Só então Deus é encontrado! Ele brilha de sua própria luz. Até então eram apenas sombras de si projetadas sobre a claridade infinita. (30.5.72; A Subida ao Fundo do Coração, p. 431.)

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