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Metempsicose (COP)

//Henri Crouzel – Orígenes e Plotino (COP)//

Capítulo IV: A Humanidade

9. Metempsicose

Vimos que Orígenes sustentou, como uma hipótese, mas uma hipótese favorita, a preexistência das almas. Mas isso acarreta necessariamente a metensomatose? É o termo empregado por Orígenes como por Plotino: ele pode significar a passagem de um corpo de homem para outro corpo de homem, ou de um corpo de homem para um corpo de animal.

Segundo Jerônimo e Justiniano, teria havido no Tratado dos Princípios um longo desenvolvimento sobre a metensomatose, do qual resta apenas uma curta passagem no latim de Rufino. Segundo Rufino, Orígenes recusa completamente esta doutrina. Segundo Jerônimo, ele expôs isso muito longamente, mas “no final, para não ser acusado de professar a doutrina pitagórica que afirma a metempsicose, após uma discussão tão nefasta que feriu a alma de seu leitor: ‘Que estas não sejam, diz ele, doutrinas, mas pontos que pesquisamos e rejeitamos, para não os deixar totalmente sem exame’”. Este final coincide mais ou menos com o de Rufino em sua tradução da Apologia por Orígenes de Pânfilo, que ele mudou, não se sabe bem por que, naquela do Peri Archon. Jerônimo apresenta, portanto, esta discussão como sustentando a metempsicose, mas recusando-a hipocritamente no final para não ser acusado disso. O fragmento de Justiniano não relata este desmentido final, mas pode-se perguntar em que medida ele não viu a metempsicose em expressões que se referem ao tema das “imagens bestiais”, ou seja, da semelhança moral com animais que o pecado dá ao homem: tema bastante frequente em Orígenes — falou-se a este respeito de “menagerie teológica” — mas que jamais passa de uma semelhança moral a uma semelhança física. Apresentemos finalmente uma última testemunha, Pânfilo de Cesareia, em sua Apologia de Orígenes. Ele declara que os acusadores de Orígenes não entenderam por que ele havia redigido esta discussão. Eles lhe atribuem esta opinião porque não se dão conta de que Orígenes desenvolveu, sem as partilhar, os argumentos que os partidários da transmigração das almas sustentam e ele cita o desmentido final, como vimos, mais ou menos nos mesmos termos que Jerônimo. Mas, diz Pânfilo, esta passagem tinha por assunto as almas dos animais, não diretamente a metempsicose. Sobre esta última, ele cita a recusa formal que Orígenes lhe opõe em quatro passagens do Comentário sobre Mateus e em um do Comentário sobre os Provérbios. Se, portanto, é preciso aceitar o testemunho de Pânfilo, Orígenes, dado o caráter de seu Tratado dos Princípios, que tinha por objetivo dar uma resposta cristã aos problemas que os cristãos instruídos de sua época se colocavam, sem falar dos hereges e dos pagãos, problemas que eram os da filosofia grega, não podia se dispensar de tratar desta doutrina, sustentada por muitos filósofos gregos e que devia também inquietar cristãos. E ele devia fazê-lo lealmente, dando aos argumentos dos partidários da metensomatose todo o seu valor para que sua própria crítica fosse levada a sério. É justamente isso que escandaliza Jerônimo, que já não dava muita importância à conversão da filosofia e via nela um perigo para os crentes.

De que Orígenes não está entre os partidários da metensomatose, estamos assegurados por numerosas passagens, na maioria conservadas em obras de autenticidade indiscutível que possuímos em grego. Não se pode nem mesmo falar de uma evolução de seu pensamento sobre este ponto, já que se lê a mesma recusa em um de seus primeiros escritos, conservado, é verdade, em latim, citado também por Pânfilo, uma passagem do Tratado da ressurreição. Em grego, possuímos um bom número de recusas da reencarnação. Mateus 11:14 não deve ser entendido no sentido de que João Batista seria Elias reencarnado, portanto, recusa de reencarnação da alma humana em outro homem: isto no Comentário sobre João. No Comentário sobre Mateus: um fragmento do livro VII conservado apenas em latim por Pânfilo sobre Mateus 11:14. Os outros existem em grego: Herodes Antipas acreditando que Jesus é João ressuscitado; a crença de alguns na passagem de homens para corpos de animais; ainda sobre Elias e João. Várias passagens do Contra Celso onde Orígenes fala da “estupidez” (anoia) da metensomatose, da qual é preciso curar os filósofos que acreditam em uma reencarnação até em seres privados de representações, ou seja, nas plantas; onde é censurada a “teoria platônica da metensomatose”; onde Orígenes distingue a sua própria teoria da descida das almas em corpos terrestres; onde é dito que os Pitagóricos se abstêm de carne “por causa do mito da metensomatose da alma”, enquanto os cristãos o fazem para dominar o corpo. Poderíamos ainda citar o Comentário sobre Romanos em várias ocasiões, o Comentário sobre o Cântico dos Cânticos, um fragmento grego correspondente a uma homilia sobre Lucas, sempre a propósito de Elias e de João Batista, um fragmento, citado por Pânfilo, do Comentário sobre Provérbios. Diante desta avalanche de textos que atingem todas as formas possíveis de metensomatose, de homem para homem, de homem para animal e até de homem para vegetal, só se pode subscrever a esta frase de Pierre Daniel Huet: “Agora, cabe ao leitor justo julgar se não se deve dar mais fé a tantos testemunhos claros que suprimem a metensomatose do que às alegações de Jerônimo e de Justiniano que pretendem estabelecê-la”. Um argumento suplementar é trazido pela consideração de que para Orígenes os animais são seres secundários, de todo inferiores aos homens, que são os seres principais cujas almas são da mesma natureza que os anjos, segundo o próprio Tratado dos Princípios.

A doutrina plotiniana da metensomatose inclui um julgamento das almas, levado a cabo, como vimos, por uma espécie de lei da natureza. Orígenes fala várias vezes do Juízo Final, diante de Deus e de Cristo, ao qual serão submetidos não apenas os homens, mas até mesmo os anjos, e também de um julgamento precedente ao nascimento, fixando a condição em que o homem nascerá segundo a profundidade da queda pré-cósmica. O papel de castigo que Plotino atribui à metensomatose tem como correspondentes em Orígenes, como em toda a tradição cristã, as noções de Hades e Gehenna.

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