Imortalidade da alma (COP)
//Henri Crouzel – Orígenes e Plotino (COP)//
Capítulo IV: A Humanidade
8. Imortalidade da alma
Orígenes distingue dois tipos de imortalidade, uma imortalidade de natureza que suprime a morte natural, uma imortalidade de graça, que se poderia chamar de impecabilidade, removendo a morte do pecado. É claro que apenas a primeira pode ser comparada com o que diz Plotino. Mas é preciso notar primeiro que, como Orígenes não partilha do panpsiquismo de Plotino, esta imortalidade diz respeito apenas à alma dos seres racionais, anjos (e demônios) e homens, não às almas dos animais. Por outro lado, os seres racionais tiveram um começo: não há neles eternidade, mesmo concebida como um tempo sem começo nem fim.
Várias razões são dadas para a sua imortalidade, todas diferentes das de Plotino. Primeiro, a necessidade de uma retribuição final pelos atos feitos nesta vida. Outras razões se encontram no Tratado dos Princípios. Não conhecemos a maneira como foram realizadas as obras de Deus e, no entanto, desejamos conhecê-la, como é o caso dos objetos fabricados por um artesão humano: “muito mais e sem comparação possível ardemos com o desejo inefável de conhecer a razão das obras de Deus que vemos”. A razão, ou seja, no sentido estoico, um princípio dinâmico de desenvolvimento: é o que incita o homem a compreender cada vez melhor a maneira como o universo funciona. Ora, “este desejo, este amor, cremos que, sem qualquer dúvida, foram postos em nós por Deus. Como o olho deseja por natureza a luz e a visão, como o nosso corpo deseja por natureza alimento e bebida, do mesmo modo a nossa inteligência traz em si um desejo que lhe é próprio e natural de conhecer a verdade divina e as causas das coisas”. E Orígenes antecipa o adágio medieval: desiderium naturae nequit esse inane, um desejo natural não pode ser em vão, sob pena de fazer do homem um ser absurdo: “Este desejo, não o recebemos de Deus para que nunca deva nem possa receber satisfação: de outro modo, o amor da verdade pareceria ter sido posto em vão na nossa inteligência pelo Deus criador, se ele nunca pudesse obter o que deseja”. Orígenes continua mostrando que só podemos obter aqui na terra pouca coisa do que desejamos saber. “É, portanto, claro que àqueles que já tiveram nesta vida um certo esboço da verdade e do conhecimento será acrescentada no futuro a beleza da imagem perfeita”. Todo este raciocínio supõe a sobrevivência na vida futura da faculdade humana do conhecimento.
Orígenes retoma este mesmo assunto de outra maneira na Recapitulatio que termina o Tratado dos Princípios. O seu raciocínio é baseado na ideia de participação. “Todo ser que participa de alguma realidade é, sem dúvida, de uma única substância e de uma única natureza com todo outro ser que participa da mesma realidade”. Assim, todos os olhos participam da luz, embora desigualmente: todos são de uma mesma natureza. “Toda inteligência que participa da luz intelectual deve ser, sem dúvida, de uma única natureza com toda outra inteligência que participa igualmente da luz intelectual”. Há, portanto, a mesma natureza da alma humana e das potências celestes: ora, estas últimas são incorruptas e imortais. É assim também para a alma do homem. E como “a natureza do Pai, do Filho e do Espírito Santo que é a única luz intelectual da qual toda a criação tira a sua participação é incorrupta e eterna”, é preciso concluir logicamente que a alma humana também o é. O raciocínio se desenvolve com uma amplitude da qual pudemos apenas marcar as grandes linhas.
A imortalidade da alma também é abordada na discussão com Celso e isso em várias ocasiões e Orígenes reprova Celso por manifestar um certo epicurismo a este respeito. Mas Orígenes não se prende à imortalidade e especula sobre a ressurreição final do corpo. As suas ideias a este respeito decorrem sobretudo, no que diz respeito ao corpo ressuscitado, da comparação com a semente e a planta que dela sai feita por Paulo em 1 Coríntios 15:35 e seguintes. As controvérsias nascidas das opiniões de Orígenes sobre os corpos gloriosos vêm sobretudo de um mal-entendido de Metódio de Olimpo que não compreendeu o sentido metafísico de gegedos corpóreo que assegura, segundo Orígenes, a unidade e a individualidade do corpo terrestre e tomou esta palavra no sentido corrente de aparência exterior. Mas a doutrina origeniana da ressurreição não tem que intervir numa comparação doutrinal com Plotino.
Acrescentemos que Orígenes, segundo Eusébio, teve que defender a imortalidade da alma num concílio contra cristãos que sustentavam que a alma morre com o corpo e ressuscita com ele: eles são designados pelo termo de Tanetopsiquitas. Num outro concílio cujos atos são conservados em parte pelo Entretien d'Origenes avec Héraclide, a reação espantada de um bispo chamado Demétrio: “O irmão Orígenes ensina que a alma é imortal” acarreta um desenvolvimento sobre a alma diante dos três tipos de morte dos quais Orígenes fala frequentemente: a morte para o pecado que é boa, a morte do pecado que é má, a morte física ou comum que é indiferente. Ele afirma claramente a imortalidade da alma em relação a este terceiro tipo de morte. A opinião dos Tanetopsiquitas é atestada em várias ocasiões durante os primeiros séculos, assim como a de que a alma, em vez de ir para o céu ou para outro lugar, fica junto ao corpo.
