Divisões da Filosofia (HCOP)
Abimeleque e seus dois oficiais, Ocozate e Ficol, representam respectivamente a lógica ou filosofia racional, a física ou filosofia natural, a ética ou filosofia moral: A filosofia racional é aquela que confessa Deus Pai do universo, e que é Abimeleque. A filosofia natural é aquela que é fixa e segura todas as coisas, como se ela se apoiasse sobre as forças da própria natureza: ela é professada por Ocozate, que significa: Aquele que segura. A filosofia moral é aquela que está na boca de todos, que diz respeito a todo mundo… à maneira dos preceitos gerais: Ficol a representa, que se pode interpretar: Boca de todos. A lógica parece designar aqui mais ou menos nossa metafísica. Esse texto indica as divisões da filosofia que Orígenes encontra ao redor de si. De fato, Abimeleque e seus oficiais “representam em minha opinião toda a filosofia que é dividida entre eles (os filósofos) em três partes, lógica, física e ética”.
Ligeiramente diferentes são as divisões que Orígenes dá à “divina filosofia” do cristianismo. À ética e à física o Comentário do Cântico acrescenta a enóptica que Rufino traduz por inspectiva. A lógica ou filosofia racional é citada em quarto lugar de acordo com alguns. Outros não consideram essa disciplina separadamente; mas eles a dizem estreitamente ligada às três precedentes e se inserindo em todo o corpo das doutrinas. Essa lógica ou filosofia racional compreende as maneiras de falar, os termos próprios e impróprios, ela ensina as espécies e os gêneros, assim como as figuras dos diferentes modos de linguagem: não se pode separá-la das outras, pois ela lhes é interior. A moral nos prepara costumes honestos e hábitos que favorecem a virtude. A filosofia natural discute a natureza de cada coisa, para que não se faça nada contra a natureza e que se sirva de tudo segundo a intenção do Criador. A filosofia inspectiva nos faz ultrapassar os seres visíveis para contemplar o divino e o celeste e ver por meio apenas do espírito o que ultrapassa nossos olhares corporais. Salomão é a origem dessa distinção: ele ensinou a ética em seus Provérbios, a física no Eclesiastes, a enóptica no Cântico dos Cânticos. As três ramificações são ainda figuradas — exegese de inspiração filoniana — pelos três patriarcas: a moral por Abraão e sua obediência; a física por Isaque que “cava poços e vasculha as profundezas das coisas”, esse grande símbolo origeniano do conhecimento; a inspectiva por Jacó “que foi chamado Israel porque ele contemplava as coisas divinas, via os acampamentos do céu, a casa de Deus, as idas e vindas dos anjos, e escadas estendidas entre a terra e o céu”. As explicações dadas em seguida mostram que essa “divina filosofia” é principalmente de ordem mística: a lógica é a ciência do caráter alegórico da Escritura que revela mistérios sob imagens; a moral é a ascese necessária à contemplação; a física ensina a vaidade do sensível ao qual não se deve apegar, seu papel de símbolo, de poste indicador, que coloca na direção das realidades celestes; a enóptica é a ciência suprema da união divina, a perfeição do conhecimento e do amor. Essa divisão, que não é sem análogo em Clemente, será utilizada por Evagrio Pôntico sob uma terminologia diferente e ela poderia estar na origem da doutrina das três vias, purgativa, iluminativa, unitiva.
Ela se reencontra em outros lugares em Orígenes. As diferentes vias da “Sião contemplativa” são as “doutrinas místicas, físicas e éticas, talvez também lógicas”. As “doutrinas místicas” correspondem à enóptica e a lógica tem o mesmo caráter secundário que no Comentário do Cântico. A vinha dos vinhateiros homicidas é a physiologia segundo a Escritura, o que a Bíblia ensina do mundo; ou bem o “reino de Deus e seus mistérios na Lei e nos profetas e te alle physiologia”, expressão que parece designar a ciência do mundo fora da Escritura. O fruto da vinha simboliza a vida segundo essa verdadeira physiologia, na virtude e nas boas obras, a moral. A cerca é o logikos topos e a letra da Escritura. O lagar representa o sentido profundo, a ciência dos mistérios.
