Deus e o ser (COP)
//Henri Crouzel – Orígenes e Plotino (COP)//
Capítulo I: O Pai em Orígenes e o Uno em Plotino
Deus e o ser
PLOTINO
Diferente de todos os seres, diferente até da Inteligência, o Um está além do ser, como diz Platão. A inteligência, ao contrário, é ser. O Um não o é porque não se pode dar-lhe nenhum atributo, nem mesmo esse: nenhum nome lhe convém. A referência a Platão é explícita em Plotino, assim como a identificação entre Inteligência e ser é atribuída a Parmênides. Como ele é sem forma (aneideon), o Um não é ousia, não é ser, pois um ser supõe uma determinação, um ser é um “isto”, o que não é o Um. Se ele fosse um “isto”, um “algo” ele não seria mais o princípio. Todos os seres se encontram no ser que ele gera, a Inteligência, mas ele não é nenhum desses seres, ele está além de todos. Mas ele é aquele que faz ser toda coisa, aquilo de que tudo participa, sem se confundir, no entanto, com ele.
Pois o Um domina o ser, ele é a fonte do ser. No contexto de uma reflexão sobre a matéria, Plotino opõe esta última, por causa de seu caráter deficiente, ao que é o ser em sua perfeição, que confere a tudo o que parece ser esta aparência de ser. Este ser perfeito que está na vida, e a vida perfeita, sem deficiência, é apresentado como Inteligência e Prudência ou Sabedoria (phronesis) e tudo o que existe existe por ele. Ele é perfeitamente ser: tudo vem dele e ele tem tudo em seu ser e todas as coisas são um único ser nele. Mas é o que está antes do ser, ou seja, o Um, que fornece tudo isso ao ser, sem ter necessidade dele para si mesmo. A conclusão é que este ser perfeito não deve ser corpo nem substrato de corpo, mas ele é o ser em oposição ao que é realmente apenas o não-ser, a matéria. É o Um, o grande Rei que figura como o mais venerável no final do cortejo real que começa com personalidades de menor nível e continua progressivamente pelas mais elevadas. Ele é o Rei do Rei, sendo este segundo rei a Inteligência, e o Pai dos deuses. É ele que Zeus, a Alma do Mundo, imita, sem se deter na contemplação de seu pai, Cronos, a Inteligência, mas indo até seu avô, Urano, o Um, para fazer subsistir os seres.
Não se deve, portanto, estranhar se Plotino chega a dizer que o Um é um não-ser, mas de uma maneira inversa à da matéria: esta última o é por indigência, o Um por superação do ser, ao mesmo tempo que é fonte do ser. Já é difícil perceber o ser ou a ideia, como atingir o que é sem forma nem ideia (aneideon). Tudo o que está antes da Inteligência, melhor, aquele que está antes da Inteligência, é mais puro e mais simples que ela. A Inteligência é um dos seres: o que está antes dela está antes de todas as coisas e não é um ser. O ser tem a forma (morphe) do ser, mas o Um não tem forma, nem mesmo forma inteligível. Ele não é nada do que ele gera, nem algo, nem quantidade, nem qualidade, nem alma, etc. O Um não é ser a fim de não ser o atributo de outra coisa. Com efeito, quer dizer Plotino, se o Um fosse ser, ele seria um e ser, mas esta dualidade não convém à sua unidade absoluta: ele não é “outra coisa, depois um”, expressão que se encontra várias vezes nas Enéadas. Ou ainda: “O Um é tudo e nenhuma coisa; pois o princípio de tudo não é todas as coisas, mas, enquanto princípio, ele é todas as coisas. Lá em cima todas as coisas se encontram por assim dizer nele; ou melhor, elas ainda não estão lá, mas estarão… Porque nada está nele, por isso tudo vem dele e para que o ser exista, ele não é o ser, mas o seu gerador”.
ORÍGENES
Sobre este ponto há divergência completa entre Plotino e Orígenes. Certamente, alguns textos de Orígenes, sobretudo no Contra Celso, poderiam aproximá-lo de Plotino. Deus está “além da inteligência e do ser (epekeina nou kai ousias)”.
Mas quando Celso afirma, quase dois séculos antes de Plotino, que “Deus não participa do ser (oud'ousias metéchei)”, Orígenes corrige: “ele é participado em vez de participar (metechetai mallon ē metechei)”, e ele é participado por aqueles que têm o Espírito de Deus”. Este último membro de frase manifesta o caráter mais “sobrenatural” que “natural” que o conceito de ser tem frequentemente em Orígenes. Pois a resposta de Javé a Moisés na Sarça Ardente, tal como ele a lê na Septuaginta: “Ego eimi ho on — Eu sou o Existente”, não lhe permite recusar a Deus o conceito de ser. A expressão “nada” ou “não ser” (ouden) é aplicada ao mal segundo uma interpretação bastante particular de João 1:3: “sem ele (o Verbo), nada foi feito — choris autou egeneto oude en”. O mal é nada porque não foi criado por Deus nem pela mediação do Verbo. Se o diabo é criatura de Deus enquanto criatura, ele não o é enquanto diabo, pois Deus não o fez diabo, mas isso é a obra de seu livre-arbítrio. “Todos aqueles que participam d'‘Aquele que é’ (tou ontos) — os santos participam dele — seriam com razão chamados ‘aqueles que são’. Quanto àqueles que repeliram esta participação d'‘Aquele que é’, sendo privados d'‘Aquele que é’, eles se tornaram ‘não-existentes’ (ouk ontes)”. Encontramos o caráter sobrenatural dado ao ser e vemos como Deus é a fonte deste ser. Isso está em outro lugar subjacente e não diretamente expresso, mas é por vezes difícil dizer em que sentido, sobrenatural ou natural, o ser é tomado. Mas o ser das criaturas não é nada em relação ao ser de Deus do qual elas dependem: “(Deus) sabia que só ele é, enquanto as criaturas receberam dele o ser”… Estas últimas “em relação à natureza de Deus não são, mas em relação à sua vontade elas são o que ele quis que elas fossem, ele que as fez”. O sentido sobrenatural é de novo aparente no fragmento seguinte, assim como o sentido natural: “se alguém participando do ser atribui a si mesmo a causa do ser e não faz subir toda a sua ação de graças para aquele que lhe concedeu, quando ele não era, ser semelhante a ele e ser à sua imagem, então o seu ser é destruído”. No sentido sobrenatural, o ser é, portanto, um dos equivalentes de Orígenes do que será chamado mais tarde graça santificante. O sentido propriamente natural de Êxodo 3:14 é marcado claramente, em contrapartida, no Tratado dos Princípios. “Esta participação do Pai chega a todos, justos ou pecadores, seres racionais e irracionais, e absolutamente a tudo o que é”. Em um texto, no entanto, a designação de Êxodo 3:14 é referida explicitamente não ao Pai, mas ao Filho, já que Orígenes, como aliás a maioria dos Padres antenicenos, vê habitualmente nas teofanias do Antigo Testamento aparições do Filho, agente ad extra da Trindade: mas no que diz respeito a Êxodo 3:14 apenas esta passagem está neste caso. Ela deverá ser levada em consideração a propósito da unidade do Pai e do Filho.
Orígenes atribui, portanto, o ser a Deus: ele é a fonte do ser. Mas este ser é entendido na maioria das vezes em um sentido sobrenatural: só o santo é. Aquele que recusa participar de Deus não é: tal é o caso do diabo e dos demônios que são não-existentes. Mas o sentido natural também é atestado, sempre em relação ao mesmo texto.
