Alma adquire corpo (COP)
//Henri Crouzel – Orígenes e Plotino (COP)//
Capítulo IV: A Humanidade
1. A alma adquire um corpo material
A respeito da “matéria espiritual” de Plotino, expusemos o que concerne os corpos “etéreos” ou “radiantes” das inteligências pré-existentes, dos anjos e dos ressuscitados, assim como dos corpos sombrios dos demônios e dos danados ressuscitados (FILHO — NOUS). Por outro lado, em antítese com os “demônios” plotinianos, falamos da pré-existência dos seres razoáveis e da queda primordial que os diversificou em anjos, homens e demônios. Mas ainda não falamos da segunda categoria destes seres, os homens. Não é exato falar a este respeito de “descida da alma no corpo”, pois os intelectos pré-existentes já têm um corpo, como acabamos de dizer. Para falar com mais exatidão, o corpo etéreo ou radiante reveste então uma qualidade terrestre.
Tudo isso está figurado alegoricamente pelos primeiros capítulos do Gênesis, os dois relatos da criação do homem (Gen 1,26 a Gen 1,29; Gen 2,6 e Gen 2,7); além disso o relato da falta no capítulo 3 com o episódio das “túnicas de pele” no versículo Gen 3,21 (vide Segundo Relato). No primeiro texto figura a criação das inteligências feitas segundo a imagem (eikon) de Deus, macho e fêmea significando o espírito (pneuma, spiritus) e a alma (psyche) (ou seja, não se referem a sexo masculino e feminino). Neste relato a ação de criar é designada na tradução grega da Bíblia denominada “LXX” pelo termo grego poiein, e no segundo relato por plassein, moldar, que se aplica a uma criação material, logo àquela do corpo (vide Orbe Cristologia). O testemunho de Procópio de Gaza, de homílias de Orígenes em Cesareia, confirma que o corpo criado em Gen 2,7 é o corpo radiante da pré-existência, sendo concomitante com a criação em Gen 1,26 a Gen 1,29. A segunda criação em Gen 2,21 é o dom de Deus das “túnicas de pele”, configurando não uma mudança de corpo mas uma modificação de “qualidade” do corpo pré-existente, esta “qualidade que, segundo as concepções habitais da física grega, se junta a uma matéria que é por si mesma sem forma.
O texto de Procópio de Gaza: “Aqueles que alegorizam (aqueles que partilham os pensamentos de Orígenes), depois das graças ditas anteriormente, dizem que o que foi criado segundo a imagem (eikon) significa a alma; o que foi moldado a partir do pó , o corpo sutil, digno de ascender ao Paraíso, que alguns nomearam de radiante; mas as túnicas de pele figuram aquilo que ele disse: 'me revestistes de pele e de carne, me inseriste em ossos e nervos'. Eles dizem que a alma era veiculada pelo primeiro corpo radiante que reveste mais tarde as túnicas de pele”. O corpo terrestre e o ressuscitado são um mesmo corpo pela ousia, o logos ou o eidos que exprimem a essência (ousia) do corpo que é sempre a mesma aqui em baixo, embora os elementos materiais seja continuamente cambiantes, e difiram somente pela qualidade que a reveste, terrestre, depois celeste.
