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gnosticos:ofitas-occ

Ofitas (OCC)

24. Uma vez exposto seu exemplo tirado dos mistérios mitríacos, Celso declara: Se quiséssemos colocar em paralelo a iniciação dos persas que ele acaba de citar e certa iniciação dos cristãos, comparando uma e outra, e pondo às claras os mistérios dos cristãos, veríamos as suas diferenças. Onde ele sabe indicar o nome das seitas, não hesita em propor as que ele acredita conhecer, mas onde seria necessário dar este nome, se porventura o sabe, e indicar a seita que utiliza o diagrama descrito, não o faz.

Julgando por estas palavras, creio poder conjeturar que ele em parte tirou sua descrição do diagrama das doutrinas mal compreendidas da seita bem obscura dos ofitas. Em minha avidez por saber, acabei descobrindo este diagrama. Encontramos as invenções destes homens que, nas palavras de Paulo: “Entre estes se encontram os que se introduzem nas casas e conseguem cativar mulherzinhas carregadas de pecado, possuídas de toda sorte de desejos, sempre aprendendo, mas sem jamais poder atingir o conhecimento da verdade” (2Tm 3,6-7). Mas esse diagrama comporta tanta inverossimilhança que ele não obtém o assentimento nem das mulherzinhas fáceis de enganar, nem dos mais rudes prontos a serem convencidos pela menor verossimilhança. Apesar de eu ter percorrido muitas regiões da terra, procurando por toda parte os que dizem saber a verdade, jamais encontrei alguém que levasse a sério o ensinamento deste diagrama.

25. Ele tinha um desenho de dez círculos, separados uns dos outros, mas reunidos por um outro círculo, que diziam ser a alma do mundo e chamavam de Leviatã. As escrituras judaicas, qualquer que seja o sentido que elas sugiram, dizem que este Leviatã foi criado por Deus como um brinquedo. Pois encontramos no salmo: “Quão numerosas são tuas obras, Senhor, e todas fizeste com sabedoria! A terra está repleta de tuas criaturas. Eis o vasto mar, com braços imensos, onde se movem, inumeráveis, animais pequenos e grandes; ali circulam os navios, e este dragão, que formaste para com ele brincar” (Sl 103,24-26). Em vez de “dragão”, havia em hebraico “Leviatã”. Ora, o diagrama ímpio dizia que o Leviatã assim abertamente questionado pelo profeta é a alma derramada em todo o universo. Encontrei também o nome Beemot, representando um ser colocado abaixo do círculo mais baixo. E o autor deste horrível diagrama desenhou o Leviatã sobre o círculo e em seu centro, escrevendo duas vezes seu nome.

Celso ainda diz: O diagrama é dividido por uma espessa linha preta; e afirma que lhe tinham dito que era a Geena ou o Tártaro. Tendo encontrado no evangelho a Geena descrita como o lugar dos castigos, procurei saber se ela é citada em alguma passagem das antigas escrituras, já porque os judeus empregam este nome. Encontrei uma passagem nas escritura em que é citado o vale “do filho de Enom”, mas soube que em hebraico, em vez de vale, se dizia no mesmo sentido “o vale de Enom e a Geena” (Jr 7,31s; 32,35). Por uma observação atenta das lições do texto encontro também mencionada, no quinhão destinado à tribo de Benjamim, a Geena ou o vale de Enom, onde estava igualmente Jerusalém. Procurando saber que conclusão tirar do fato de que a Jerusalém celeste era o quinhão de Benjamim bem como o vale de Enom, encontro uma alusão ao lugar dos castigos que certas almas sofrem para serem purificadas pela provação. Pois está escrito: “Porque ele é como o fogo do fundidor e como a lixívia dos lavadeiros. E se assentará aquele que funde e que purifica” (Ml 3,2-3).

28. Este me parece ter sido o objetivo de Celso, quando alega que os cristãos chamam o criador de Deus maldito: ele queria que dando fé a estes ataques contra nós, as pessoas fossem levadas, se possível, a destruir os cristãos como os mais ímpios dentre os homens. Confunde os assuntos e pretende explicar a razão por que o Deus da criação mosaica é chamado maldito, afirmando: Este Deus é verdadeiramente digno de maldição no juízo daqueles que o consideram como tal, pois amaldiçoou a serpente que trazia o conhecimento do bem e do mal aos primeiros homens.

Celso deveria saber disto: os que passaram para o lado da serpente, como se dessem um bom conselho aos primeiros homens, e que sobrepujaram os gigantes e os titãs da fábula, de onde lhes adveio o nome de ofitas, tão longe estão de serem cristãos que não são menos acusadores de Jesus do que ele, e que ninguém é admitido em sua assembleia sem previamente ter amaldiçoado a Jesus. Eis o cúmulo do ilogismo de Celso em seu Discurso contra os cristãos: tomar como cristãos aqueles que não aceitam sequer ouvir o nome de Jesus, nem mesmo como um sábio virtuoso! Acaso encontramos tolice mais delirante que a deles de se prevalecerem do nome da serpente como chefe das pessoas honestas como eles fazem, e mesmo a tolice de Celso ao pensar que suas acusações contra os ofitas valiam contra os cristãos? Outrora o filósofo grego que amou a pobreza e deu o exemplo de uma vida virtuosa para provar que a extrema pobreza não impede a felicidade se proclamou a si mesmo cínico. Mas estes ímpios colocam sua glória em serem chamados ofitas, derivando seu nome da serpente, o inimigo mais terrível dos homens; é de se acreditar que eles não são homens de quem a serpente seja inimiga, mas que eles mesmo são serpentes; e celebram um certo Eufrates como o iniciador de suas doutrinas sacrílegas.

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