Chenique Fogo
François Chenique — O Ioga Espiritual de São Francisco de Assis FOGO E CAMINHOS O Fogo, Símbolo da Bondade
O Fogo, símbolo de amor ao próximo (quarta meditação da ação), é ainda bem mais o símbolo tradicional do amor divino que justifica e reclama o amor ao próximo. Como o fogo reaquece os membros entorpecidos e derrete o gelo, o amor de Deus estimula o ardor da alma e produz a dissolução do ego, simbolizado nas Escrituras pelo “coração endurecido”.
O coração, centro vital do ser humano, é o lugar de estada do Divino em nós], o ponto de inserção do Reino dos Céus que está em nosso interior (Luc. XVII, 21), a fonte de onde vêm os bons e os maus pensamentos, que nos salvarão ou nos condenarão (Mat. XV, 15-20). Isso explica a importância que tomaram na Igreja do Oriente práticas como a “sobriedade dos pensamentos”, a “guarda do coração”, e, sobretudo, a célebre “prece do coração” da qual o Peregrino russo testemunha os efeitos reais até a nossa época: “A partir desse momento, eu sentia, de vez em quando, diversas sensações novas no coração e no espírito. Às vezes havia como que um borborinho em meu coração, e uma leveza, uma liberdade, uma alegria, tão grandes, que por elas eu me transformava e me sentia em êxtase. Às vezes eu sentia um amor ardente por Jesus Cristo, e por toda a criação divina. Às vezes minhas lágrimas corriam por si mesmas, pelo reconhecimento ao Senhor que tinha tido piedade de mim, pecador empedernido. Às vezes meu espírito limitado de tal forma se iluminava que eu compreendia, claramente, o que antes nem mesmo teria podido conceber. Às vezes o doce calor do meu coração se espalhava por todo o meu ser, e eu sentia, com emoção, a presença expandida do Senhor. Às vezes eu sentia uma alegria profunda e poderosa à invocação do nome de Jesus Cristo, e compreendia o que significa sua palavra: O Reino de Deus está em vosso interior” ].
O Ocidente conheceu o culto do Sagrado Coração, esse coração de Cristo, ao mesmo tempo chamejante (amor) e radioso (luz) que deixou escapar sobre a cruz cósmica de seis direções o mistério da água e do sangue]. Esse mistério do amor universal de Cristo, São Paulo deseja ardentemente que os efésios compreendam: “Por esta causa dobro eu os joelhos diante do Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, do qual toda paternidade tomo o nome nos céus e na terra, para que, segundo as riquezas da sua glória, vos conceda que sejais corroborados em virtude pelo seu Espírito no homem interior, para que Cristo habite em vossos corações, pela fé. Arraigados e fundados em caridade, para que possais compreender com todos os Santos, qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade. E conhecer também a caridade de Cristo, que excede todo o entendimento, para que sejais cheios, segundo toda a plenitude de Deus” (Ef. III, 14-19)].
O Fogo, Símbolo da Luz e do Conhecimento
Na quarta meditação do caminho da devoção, o Fogo foi visto como calor e bondade. Aqui, ele é Luz e Conhecimento, o próprio coração podendo ser representado como um coração chamejante, símbolo da luz e do conhecimento]. O coração é como que um “sol espiritual”, fonte de calor, portanto de vida, e, também, fonte de luz e de vida, segundo o versículo de São João: “Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens” (João I, 4)].
O fogo que habita o centro do ser humano é, ao mesmo tempo, calor e luz, isto é, amor e conhecimento]; isso explica que os termos emprestados pela afetividade possam ser transportados, analogicamente, a uma ordem superior para descrever a experiência das realidades profundas da vida espiritual, e assim é em todas as doutrinas tradicionais].
O coração simboliza a faculdade de conhecimento direto, a intuição intelectual, quando o cérebro é o instrumento do conhecimento discursivo e racional. O cérebro tem um papel de “transmissor” ou de “transformador”] como a lua transmite e reflete a luz do sol sem ser ela própria luminosa].
“A razão, realmente, que não é senão uma faculdade mediata do conhecimento, é a forma verdadeiramente humana de conhecimento; a intuição intelectual pode ser considerada como extra-humana, pois que é uma participação direta da inteligência universal, que, habitando o coração, isto é, o próprio centro do ser, ali onde está o seu ponto de contato com o Divino, penetra esse ser pelo interior, e o ilumina com a sua resplandecência. A luz é o símbolo mais habitual do conhecimento, e é natural, portanto, que seja representado pela luz solar o conhecimento direto, isto é, intuitivo, que pertence ao intelecto puro, e pela luz lunar o conhecimento refletido, isto é, discursivo, que é o da razão.
“Assim como a lua não pode dar sua luz se ela própria não for iluminada pelo sol, a razão não pode funcionar validamente na ordem da realidade que é seu domínio próprio, senão sob a garantia de princípios que a esclareçam e dirijam, e que ela recebe do intelecto superior. O 'conhecimento do coração' é a percepção direta da luz inteligível, daquela Luz do Verbo de que fala São João no início do seu Evangelho, luz refulgente do 'Sol espiritual', que é o verdadeiro 'Coração do Mundo'”].
A “luz incriada” que os Apóstolos contemplaram no Monte Tabor fica, para a Igreja do Oriente, como promessa da visão de glória que os cristãos realizarão, coletivamente, no fim dos tempos, porque a Transfiguração é como uma antecipação da segunda vinda. Mas, enquanto essa segunda vinda é esperada, o caminho sacramentai e a experiência espiritual atentam que o Reino que virá já está “dentro de nós”].
O homem, entretanto, não possui, enquanto homem, uma faculdade capaz de ver Deus; se ele tem visão da luz divina é porque Deus comunica ao homem o conhecimento que ele tem de si próprio: “Já que essa faculdade não tem outro meio de agir, tendo deixado todos os seres, é porque ela se torna, em si própria, e inteiramente, luz, e assimila-se ao que ela vê, unindo-se sem mescla, sendo luz. Se ela contempla a si mesma, vê a luz, se ela contempla o objetivo da sua visão, é ainda a luz que vê, e se contempla a forma que emprega para ver, ainda encontra luz, e aí é que está a união. Que tudo seja um, de forma que aquele que vê não mais possa distinguir nem a forma, nem a finalidade, nem a essência, mas que tenha apenas a consciência de ser luz e de ver uma luz diferente de todas as criaturas”].
