Gorceix (BGFA) – Angelus Silesius, Tradição
BGFA
A terceira objeção pode ser formulada como uma pergunta: por que se nega ao místico silesiano da segunda metade do século XVII o que se concede sem dificuldade ao dominicano do século XIV? Para este último, de fato, quase nenhum comentador nos pede para cometer o erro de João XXII em sua bula de 27 de março de 1329: isolar as palavras do pregador de seu contexto para erigi-las em proposições e, em seguida, acusar o autor de incoerência, ou até de heresia. Lembremo-nos aqui apenas de três fórmulas que lembram diretamente as fórmulas silesianas: II: Da mesma forma, pode-se conceder que o mundo existiu desde toda a eternidade. III: Da mesma forma, ao mesmo tempo e de uma só vez, desde o instante em que Deus foi e gerou seu Filho, Deus eterno e coigual em todas as coisas, também criou o mundo. XX: O homem bom é o Filho unigênito de Deus. Para Mestre Eckhart, parece que sua intenção não era de forma alguma fundar uma nova economia das relações do homem e de Deus; suas fórmulas eram, e queriam ser apenas especulação, no sentido próprio, uma tentativa sempre renovada de apreender o dinamismo transformador do nascimento de Deus no homem. A atitude de Johannes Scheffler se inscreve na mesma tradição. Ela pode parecer a muitos negativa, já que leva à negação e à abdicação da razão diante das certezas paradoxais, aos olhos desta última, de um cristianismo vivido. Não queremos de forma alguma diluir as aporias, referindo-nos a uma misteriomania que só tem sido prejudicial à apreciação da mística, e recusar uma apreciação rigorosa das contradições internas da obra. Não podemos, no entanto, negar que é preciso ter uma real consciência do plano em que o místico pensa. O que ele deseja, afinal, Johannes Scheffler sobretudo, é sugerir a seus leitores, e também a si mesmo, o puro nada do entendimento humano em relação à plenitude do nada divino. O que ele quer nos incutir é isto: quanto mais uma fórmula é paradoxal, mais inverossímil ela é, mais tomamos consciência de seu paradoxo e de sua inverossimilhança, mais ela mostra a vaidade de nossos esforços, mais ela nos convence de que é preciso buscar em outro lugar. O sacrificium intellectus tem tanto mais valor para o místico quanto o intellectus que o aceita penetra mais profundamente nas contradições do mundo. As causas da criação são insondáveis, porque a razão sozinha sonda, enquanto a fé se perde no abismo. O mundo e os dísticos levam ao ilogismo, o absoluto é o próprio ilogismo. Certamente, e ao contrário do que se passa com Mestre Eckhart, nem tudo é tão simples no quase contemporâneo da crise da consciência europeia que Paul Hazard faz começar em 1680. Mestre Eckhart tentava sobretudo convencer seus ouvintes. Parece que Johannes Scheffler tenta tanto se convencer a si mesmo, mais consciente da abdicação dolorosa que representa o renunciar à razão imposto pelo cristianismo.
