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Gorceix (BGFA) – Angelus Silesius, "Santa Alegria"

BGFA

Ninguém pode duvidar que as 123 éclogas dos três primeiros livros da “Santa Alegria da Alma ou Éclogas Espirituais de Psique Enamorada de Seu Jesus”, as 32 do quarto livro, também publicado em 1657, e as 49 do quinto livro, editado apenas em 1668, têm como centro um debate místico: a união da alma, representada como em Friedrich Spee por Psique, e de um princípio absoluto, aqui o Filho de Deus, Jesus. Em todos os momentos da epopeia lírica dos três primeiros livros, essa união é definida como o desejo mais íntimo da criatura. Os 13 primeiros poemas evocam “como Psique aspira ao nascimento espiritual de Jesus Cristo, orando para que este se realize em seu coração” (título da écloga 13). Nas outras partes, o sujeito e o verbo transitivo permanecem. Muda apenas o objeto do chamado: o menino Jesus (poemas 14 a 40), que Psique quer, como nos diz o poema 26, “ter no céu de seu coração como a verdadeira estrela da manhã”; o Cristo crucificado (41 a 64), depois ressuscitado (65 a 90), a quem ela lembra sua promessa, a do dom místico, e cujo corpo celestial ela exalta. Após uma breve celebração da eucaristia (91 a 98), que realiza a união, o chamado recomeça, misturado, como sempre, com louvor. O título do último poema é: “Ela (Psique) aspira a afundar no abismo amável de Deus”. Certamente, o plano do quarto livro não é mais tão rigoroso; Jesus não é mais o único interlocutor, o autor também se dirige a Deus e à mãe de Deus. O louvor ocupa um lugar importante. A maioria dos textos, no entanto, descreve a impaciência de Psique, realmente insatisfeita, sua busca pelo Senhor em uma natureza estereotipada, a da pastoral. As mesmas observações se aplicam ao último livro. Alguns textos até registram a vinda do Senhor: a écloga 166, que pede às pastoras que se acalmem — “Pois ele vem, e já está aqui”; a écloga 180, na qual Psique encontra seu noivo em seu coração, “depois de muitas buscas”; as éclogas 181 e 182, que descrevem o encontro perto de uma fonte de Jesus caçador e da amante arrebatada. Nessa narrativa tradicional do século XVII, o que certamente nos impressiona é o cuidado com o detalhe, que se revela na descrição das relações amorosas da alma e de Jesus. A linguagem do Peregrino é opaca, em comparação com a diversidade de verbos e a multiplicidade de adjetivos da Santa Alegria… O empobrecimento do sujeito — a especulação desapareceu — é compensado pelo enriquecimento do vocabulário. Sem fim, o poeta borda sobre a tela do amor de Psique por Jesus, sem sequer os intermezzi do Trutz-Nachtigal, com um luxo um tanto artificial de comparações e imagens. A doçura da pastoral, por outro lado, mal atenua uma tensão que se revela até mesmo na pequena parte dedicada à ascese, que já não leva, como nos dísticos, à evocação do repouso necessário e da renúncia ataráxica. Os temas da crucificação, da dor, da morte, da cruz adquirem uma coloração patética que mal é compensada pela evocação da necessária ingenuidade da alma que deve retornar à infância. Devemos ser despidos como Jesus, provar seu suor, ser sepultados com ele, sem sequer a esperança da ressurreição. A real crueldade da experiência ascética se destaca, em um surpreendente contraste, do fundo bucólico cuja limpidez transparece nos versos rimados regularmente acentuados. Essa riqueza da linguagem e essa tensão interna se manifestam de forma muito particular, primeiramente, na temática do chamado. Como em Friedrich Spee, ela se refere ao quadro tradicional da pastoral. Psique busca Jesus como uma pomba na solidão dos prados e dos bosques, seja em um deserto apenas evocado, seja, mais frequentemente, em um cenário pastoral descrito com grande luxo de detalhes: flores e tílias, prados onde pastam as ovelhas, orvalho, rio, fontes e chafarizes, um túmulo — o do pastor, que é também o de Cristo —, até mesmo um presépio. Nem a estação — na maioria das vezes, a primavera, o mês de maio — nem a hora do dia — sobretudo a alvorada — são indiferentes. O abandono dos lugares é também o abandono do mundo pela noiva. Psique deixa seus amigos para errar longe dos caminhos frequentados, ela não quer mais ser distraída, pois só quer nutrir um único pensamento: o amado a quem deseja submeter-se e entregar-se. A amante está doente de desejo, seus suspiros a exaurem, suas forças diminuem hora a hora: “Estou consumida e vou para a sepultura” (I, 5, p. 16). Uma extrema fraqueza a domina, uma languidez atravessada por dores muito vivas e uma angústia muito forte. E, no entanto: a amante exausta e assustada é consumida por um fogo devorador. Essa paixão, no sentido próprio do termo, já estava presente no Trutz-Nachtigal, e atinge ali um máximo de intensidade. Calor (Brunst), desejo (Begihr), cuja carga erótica é muito densa. Os serafins não ousam tocar nem os lábios, nem a boca, nem os seios de Jesus; Psique, por sua vez, “acessa a boca de rosa”, louca para desfrutar da “geleia melíflua” (III, 85, p. 117). O peito do hermafrodita crístico nutre uma amante chorosa com um leite cujo sabor supera o do vinho! Ela é comparada a um pasto onde pasta uma ovelha apaixonada! Ela exclama: “Tu és para meus sentidos uma casa de prazer” (III, 104, p. 140). Não apenas a visão e o tato, mas também o olfato participam dessa celebração. O cheiro que emana do corpo de Jesus não chega a inebriar os anjos e satisfazer as amantes? (II, 56, p. 83). Em outro lugar, é ele quem “desperta o desejo”, título da écloga 87. Todo o corpo de Jesus é, de fato, evocado e descrito na perspectiva do amor sensual. O corpo crucificado retoma os elementos em negativo. Mas mesmo ele, onde não há mais do que “protuberâncias, golpes e feridas manchadas de baba e lama” (II, 45, p. 68), não repele uma garota realmente louca de amor. Pelo contrário: os desejos de Psique são apenas redobrados.

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