Gorceix (BGFA) – Angelus Silesius, querubismo e serafismo
BGFA
Se a crítica scheffleriana tropeçou em questões fundamentais como a conversão, a data de redação e as fontes, e se não conseguiu, nesse campo, trazer respostas definitivas, parece-nos que em um segundo momento ela cometeu um erro compreensível, mas também pesado em suas consequências. Ela se dedicou, sobretudo, ao estudo de uma obra, o “Peregrino Querubínico”, que dissecou, exaltou e interpretou, esquecendo completamente os dois outros grandes escritos: a “Santa Alegria ou Éclogas Espirituais” e a “Descrição Sensível das Quatro Últimas Coisas”. Se não os omite totalmente, contenta-se em citá-los, no máximo em resumi-los. Com o passar dos anos, o desprezo foi crescendo. Tudo se passa como se, no caso de Hölderlin, se evitassem “Hipérion” ou “A Morte de Empédocles”, para se dedicar apenas aos poemas, julgados os únicos dignos de interesse. Certamente, e de longe, os dísticos formam a parte da obra mais profunda e duradoura. A espiritualidade que eles ilustram ainda pode ser compreendida e aceita por um leitor moderno que ainda não sacrificou a espiritualidade aos ecos da sociologia. Os pontos de doutrina cedem, pelo menos nos primeiros livros, diante de uma interrogação e uma inquietude que negligenciam o lixo teológico. A teologia não sobrecarrega a metafísica, a sacristia o coro. Se o moderno ainda deve participar da religião, é a uma religião semelhante, despojada de badulaques, que ele ainda aderirá. Entre a Idade Média e o Iluminismo, o Peregrino é, com João da Cruz e Pascal, um desses grandes e raros testemunhos que elevam a vida da fé ao nível dos universais. A Santa Alegria… e a Descrição, ao contrário — um conjunto relativamente importante em termos de volume, quase o dobro do Peregrino, na edição Held, 449 páginas para 264 — podem e têm repelido. A primeira coletânea trata de um assunto que saiu de moda: os amores da alma e de Jesus, ilustrados em uma série de quadros onde Cristo aparece sob cinco aspectos sucessivos: o noivo, amado da alma chamada Psique, o menino do presépio, o crucificado, o ressuscitado em glória, o Cristo da Eucaristia. O autor segue um plano familiar às coletâneas de hinos, notadamente as do pregador muniquense Johann Khuen. Os três primeiros livros — Georg Ellinger fala de “epopeia lírica” — ilustram as diferentes relações religiosas seguindo o ano litúrgico, do Advento à Páscoa, depois à Ascensão. Os outros dois consolidam a construção já concluída, trazendo apenas detalhes complementares e ornamentos em excesso: o edifício manca. O segundo texto, mais ainda, está datado. As quatro partes são intituladas: a morte, o juízo final, os suplícios eternos dos condenados e, finalmente, as alegrias eternas dos bem-aventurados. Os anátemas dos críticos foram terríveis: após os deleites metafísicos do Peregrino, classificados ao lado das “frases mais profundas dos Evangelhos… dos ensinamentos mais audaciosos das Upanishads e dos últimos mistérios do Nirvana budista” (!), os 309 oitavas iâmbicas de 4 acentos parecem o fruto das piores “loucuras do século da inquisição e da perseguição às bruxas”. Alguns viram nelas o “terrível espectro da demência religiosa” ]. Os críticos modernos mais sérios, tanto mais que mal ou pouco leram a Descrição…, nadam nas mesmas águas, com exceção de Richard Newald. A redução de uma obra aos textos que despertam em seus leitores ou em seus críticos ecos fecundos é perigosa, beirando a desonestidade. Isso é ainda mais grave quando o autor — e é justamente o caso de Johannes Scheffler — atribuiu aos textos considerados secundários uma importância pelo menos tão grande quanto aos escritos julgados geniais. Certamente, pôde-se alegar que a conversão ao catolicismo militante e o abandono dos temas do Peregrino, a orientação para uma nova linguagem mística, rebaixaram de repente ao nível da banalidade o pensamento extraordinariamente sutil do espiritual protestante que se tornou católico. Esse julgamento, muito fácil e formulado rapidamente, é ademais inexato: se admitirmos uma forma e meios literários muito distantes de nós, mas totalmente próprios do século XVII, as duas obras, sem a riqueza e a beleza dos dísticos, merecem o maior interesse e são, além disso, muito legíveis. E, sobretudo: são fundamentais para a compreensão da mística de Angelus Silesius, da qual completam uma imagem, afinal, muito monolítica. A mística, que ele chama de “querubínica”, retomando uma distinção de Boaventura ], é, para nosso autor, apenas uma parte, uma primeira parte, uma maneira, uma primeira maneira de abordar Deus. “Intelectual”, baseada em uma contemplação que se enraíza na especulação, ela se diferencia claramente de uma segunda forma, à qual ele dá o nome de seráfica, e que ele nos apresenta justamente na Santa Alegria. Esta última é toda amor, todo sentimento, todo abandono. O aviso ao leitor da segunda edição do Peregrino nos mostra claramente que ele atribui rigorosamente a mesma importância a uma e outra no itinerário místico. Pelos aforismos espirituais e as sentenças rimadas, o que ele quer é “servir de companheiro, a fim de guiar e elevar… mais uma vez os olhos da alma à contemplação divina”. Pela Santa Alegria, ao contrário, ele quer “inflamar o coração de um bem-aventurado desejo de amor divino”, e pela Descrição, “incitar até mesmo a amar a Deus com fervor” ]. A obra não se divide, como a crítica diz com demasiada frequência, entre um texto bem-sucedido e dois apêndices medíocres, que, sacrificando ao gosto da época, repercutiriam as piores superstições. Ela se compõe de duas partes de igual importância, nascidas de um vasto projeto, espiritual e literário, cuja ideia remonta, sem dúvida, muito longe na vida do autor: figurar o itinerário espiritual e contemplativo de duas maneiras, sob dois aspectos, segundo dois estilos, o querubínico e o seráfico, conhecimento e amor, especulação e paixão, deidade e Cristo, sábio e amante. Mesmo que a segunda forma nos parecesse estranha, o interesse que a época lhe manifestou, a grande influência que teve no final do século XVII e início do século seguinte, sobre o movimento pietista, e por ele sobre toda a espiritualidade alemã, tornaria impossível que a desconsiderássemos como foi feito ]. A causa desse lamentável deslocamento dos acentos, de onde nasce uma apreciação truncada da espiritualidade scheffleriana, deve ser buscada no esquecimento das diferenças entre as duas partes do díptico, a parte querubínica e a parte seráfica, tanto no que diz respeito ao discurso quanto ao interlocutor. Johannes Scheffler, de repente, não perdeu seu gênio nem afundou na banalidade. Pelo contrário, ele demonstra um grande talento, o de saber mudar de método ao mesmo tempo que de leitores. A Santa Alegria, de fato, não se dirige mais, como o Peregrino, a um círculo de espirituais instruídos e cultos, mas a uma comunidade religiosa popular. Trata-se de uma coletânea de hinos cujas melodias estão, infelizmente, ausentes nas edições modernas. A metafísica não se esvai por trás da cristologia porque o silesiano teria renunciado a uma para se apegar apenas à outra, mas porque o espiritual em breve católico quis dar sua contribuição para a história do hino alemão. Este último havia seduzido sobretudo as almas da época, quando falava de Cristo (o século XVI luterano preferia falar de Deus): como Friedrich Spee, Johannes Scheffler se baseia para isso em uma dupla tradição fortemente representada, a pastoral e a contrafatura, paródia dos cantos de amor profanos ilustrada muito particularmente por um livro muito famoso na época, o Jardim de Vênus, o Venusgärtlein de 1656. Quanto à Descrição Sensível das Quatro Últimas Coisas, é um livro escrito para o povo, na tradição ainda muito apreciada do Volksbuch, destinado a acompanhar o sermão, tal como se praticava nas paróquias populares. A descrição dos horrores do inferno e das alegrias do paraíso, para atrair as almas simples para o seio da Igreja, perde seu lado escandaloso, bastando pensar nas dragonnades. A evocação scheffleriana retoma as representações escatológicas ainda muito presentes nas consciências no século da idade das luzes. Nosso autor não exagera: o Theatrum diabolorum de Aegidius Albertinus no início do século barroco, os textos paralelos dos modelos jesuítas que Hans Ludwig Held cita, as coletâneas de hinos de Leisentritt e Corner, notadamente, de 1575 e 1631, também se comprazem na evocação dos corpos podres que se recompõem no juízo final, ou da sede dos condenados, embora seja verdade que nosso autor tem um verdadeiro prazer de escritor na invenção de certos quadros, totalmente inócuos, claro, em comparação com Bosch ou Sade ]. O conjunto é concebido como um afresco, que sabe habilmente graduar, e depois forçar as oposições, para melhor atrair o espectador: apenas 72 estrofes para o inferno, 157 para o céu. A delicadeza e a discrição às quais o Peregrino nos havia habituado, e que o autor ainda compartilha, dezoito anos após os dísticos, apesar dos acirramentos do período polêmico intermediário, aparecem na evocação da Jerusalém celeste: os temas do relato utópico (moradas suntuosas, jardins, flores e frutos, bestiários, primavera e outono eternos, beleza dos corpos e vida ociosa) complementam as descrições do vigésimo primeiro capítulo do Apocalipse. O conjunto culmina em dois quadros: um imóvel (os eleitos agrupados em torno do trono de Jesus), o outro em movimento (um banquete para a celebração das núpcias celestes). As alusões políticas pouco veladas confirmam o tom propagandista: o desaparecimento das hierarquias e das classes sociais está longe de ser efetivo, apesar da influência do tema igualitário evangélico e do que se chamou apressadamente de “comunismo” utópico. Na Jerusalém celeste, os príncipes, os nobres são certamente de uma virtuosa mansidão, mas não deixam de estar lá, vestidos com suntuosos uniformes. No cortejo do banquete, eles seguem os anjos e os arcanjos, portadores de coroas de ouro, em sinal de que “Deus neles costuma repousar e habitar” ] e que se pode ser rico e circuncidado (!). Um sermão popular em versos, que chega mesmo a práticas de instrução cívica, poderia ter rebaixado o tema místico. É tanto mais surpreendente que, nessa Descrição Sensível das Quatro Últimas Coisas, a união seja considerada não apenas um, mas o apanágio essencial de nosso estado de glória. Os eleitos não vivem apenas em uma felicidade feita de louvor e luxo, eles também participam de um banquete, chamado “banquete de núpcias” ]. Na última parte da quarta seção, e antes do epílogo clássico — “Peregrino, se queres chegar a esta cidade, pratica as virtudes” — (33), o autor desenvolve a equação contemplativa: “A felicidade é Cristo”. Os eleitos provam, em primeiro lugar, uma embriaguez devida a um vinho jorrado da fonte do Espírito Santo. Essa embriaguez os conduz ao leito eterno, que é também o seio do Pai celestial. Eles nadam então em voluptuosidades eternas, como os peixes no oceano, e arrebatados, engolidos, arrancados, atraídos,
Eles se tornam então um Deus em Deus, Uma essência, uma voluptuosidade. O inefável enfim é realidade (33).
