Gorceix (BGFA) – Angelus Silesius, Psique e Jesus
BGFA
A permanência do tema único — as relações de Psique e de Jesus —, a riqueza da linguagem e a tensão interna que aparecem na temática do chamado, a utilização dos motivos dominantes da temática do lugar fechado e da ignição-imersão não devem nos permitir concluir muito rapidamente. O que nos surpreende igualmente é a raridade da descrição do que os prolegômenos enunciados precedem na maioria dos testemunhos da mística nupcial, ou seja, a união realizada, a fusão vivida. Vimos com que cuidado com os detalhes o poeta representa os deleites da contemplação. Mas esses deleites nunca são descritos de facto: trata-se sempre, não do relato de uma experiência, mas da representação da volúpia que o homem conhecerá, da perfeição que o homem alcançará, quando Jesus finalmente tiver respondido. Ora, ele não responde, ou apenas responde um pouco. Os textos que registram um encontro efetivo de Psique e de seu amado podem ser contados nos dedos e são muito ambíguos, muito mais do que no Trutz-Nachtigal. No primeiro livro, há apenas um poema que atesta a união realizada, com o título: “Ela encontrou aquele a quem sua alma ama” (I, 34, p. 49). A alma finalmente possui seu noivo, ele está “aqui”, ele traz um repouso delicioso, ele é mel, ele é bálsamo; o coração de Psique se torna na terra o céu de Jesus, e, no entanto: a economia da coletânea não parece de forma alguma abalada por essas revelações. Nos poemas seguintes, o chamado recomeça, tão intenso quanto, como se a graça fugaz não tivesse de forma alguma abalado a atitude espiritual, como se tivesse sido apenas imaginada. No livro II, nenhum testemunho; no livro III, dois testemunhos equívocos. Primeiro, um texto, poema-drama de 19 estrofes (III, 106): Psique se sabe amada; os pastores a encorajam a celebrar o culto das chagas; é preciso beber até a embriaguez, até o silêncio; na estrofe 14, finalmente, Psique ouve a voz de Jesus, ela lhe pede para envolvê-la e tomá-la. O que faz Jesus? Ele a pede para ter paciência, até que possa lhe dar a “fruição” total, até que a transforme em rainha. Nenhuma união, portanto, apenas uma promessa de união, e de uma união beatífica. Quanto aos poemas que celebram a eucaristia, eles mal são mais claros. Certamente, parece evidente que é possível, explica o poeta, estar unido ao noivo aqui embaixo (III, 96, p. 129). Para isso, Psique invoca todas as potências que cercam o trono de Jesus: Maria, os serafins, os querubins, os profetas, os apóstolos, os patriarcas, os mártires; ela o suplica para vir à caverna da alma, e na boca, e para prolongar o instante: “Faze”, suplica ela, “que meu coração e meu corpo permaneçam totalmente unidos a ti” (III, 96, p. 132). Ela se admira de que lhe seja reservada uma felicidade que nem os serafins nem os querubins conhecem, e ela agradece. É tudo. Não obtemos a menor precisão: união efetiva, arrebatamento transitório? O livro IV, da mesma forma, não ultrapassa a promessa de união. Psique deixa os apriscos e as pastoras. Ela descreve onde procurar Jesus, ela nos diz como é seu amigo (poemas 7 e 8). Jesus, por sua vez, disfarçado de pastor, procura Psique, que ele encontra adormecida, e a toca com seu amor. A dita Psique o saúda, diz que o conhece e lhe pede que a tome (poema 9). Ora, o que faz Jesus no poema 10? Ele lhe explica que é bom que ela sofra, que ele se esconde intencionalmente aos olhares da alma. Então, ele conclui: “Tu desfrutarás de mim quando eu te conduzir ao salão” (p. 199). Psique é consolada, mas não satisfeita. Ela o suplica mais uma vez para não partir, e depois se resigna. Apenas o livro V, que sabemos ser bem posterior aos quatro primeiros, registra um encontro efetivo. A écloga 166 anuncia a vinda de Jesus. A alma já vê “o carro e o trono de marfim que carrega Jesus, o Filho de Deus”. A écloga 180 descreve Psique que “se lança inteira para os salões celestes”, “encontrando o amado de sua alma na própria caverna de seu coração”. Esse coração está um pouco mais adiante (V, 182, p. 272) ferido pela flecha do amor, e ele envolve o de Jesus. Um fato, no entanto, nos impressiona: a vida de Psique após a união não é de forma alguma transformada. Tudo se passa como se nada tivesse acontecido. A vida que ela leva, o poeta a chama de “moribunda”. Ela ainda definha de amor, e seu destino é uma mistura de felicidade muito difusa e de uma amargura muito violenta.
