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Gorceix (BGFA) – Angelus Silesius, estrutura antitética

BGFA

O uso dessas fórmulas-limite, que é um dos maiores atrativos do Peregrino Querubínico, ganha toda a sua força graças à presença de uma estrutura original que tem sido objeto de estudos e que convém também recordar claramente: a estrutura antitética (34), à qual o poeta retorna incessantemente, que ele nunca abandona, mesmo no livro VI. É de fato através de uma oposição permanente no discurso que os temas e as imagens se revelam, se organizam, se encadeiam, se prolongam. Essa estrutura utiliza um número limitado de esquemas, dos quais os dois principais são: o reversão e a oposição. No primeiro caso, a relação da alma e de Deus, de Deus e do homem, das duas funções, enunciada em um primeiro momento, encontra-se invertida no segundo. O sujeito do primeiro torna-se então predicado do segundo, e reciprocamente. Metáforas frequentemente permitem tornar mais verossímil o intercâmbio retórico:

I, 100 Deus tanto me preza quanto Ele me é precioso; Ele ajuda no meu sustento, eu ajudo no de Deus.

e

I, 11 Em Deus, sou o brilho, Ele é em mim o fogo: Não estamos intimamente unidos os dois?

Na oposição, a primeira proposição é negada, logo após ter sido sustentada. Essa negação pode assumir várias formas: seja a posição de um contraditório, seja a de um contrário, seja mais simplesmente a de uma variante. Tomemos um exemplo do primeiro caso:

I, 45 Sem vontade, desejo, amor, saber e nada Eu tenho, desejo, e amo e conheço ainda bem.

Às vezes, a inversão e a oposição se seguem em uma arabesco complexo que chega ao jogo de palavras:

IV, 77 Morre antes de morrer, para não ser morto Quando a morte vier, quão triste é teu fado.

Mas esses esquemas antitéticos não presidem apenas à construção interna dos dísticos. Eles reaparecem em um nível superior, de dístico a dístico, de grupo de dísticos a grupo de dísticos. O leitor finalmente retém do Peregrino a impressão de um cintilar, de uma irisação, pela multiplicidade de brilhos intermitentes, por um lado, e pela decomposição extrema do pensamento, por outro, que lembra a luz ao sair do prisma. Estamos no oposto de todo sistema, de toda construção fechada, de todo conjunto rigoroso, progressivo. Em algumas páginas, o pensamento pode virar-se completamente, inclusive sobre os temas mais difíceis: as relações do homem e de Deus:

I, 14 De Deus, tenho a riqueza; não há pequeno grão Que não tenhamos, creia, ambos em comum.

e

II, 180 O homem é nada, Deus é tudo. O problema da eternidade do mundo e das criaturas:

II, 30 O acidente e a essência. Torna-te essencial! Que o mundo morra, O acidente desaparece; a essência, ela, permanece.

e

V, 146 O mundo é de toda a eternidade. Se Deus o Eterno fez o mundo fora do tempo, Que seja de eternidade, não duvido um instante.

Mas as questões mais cotidianas da vida cristã, por exemplo da passividade e da ação, ou do repouso e do combate, também não são poupadas. III, 58, por exemplo, nos grita: “É preciso lutar.” III, 220 nos explica que o repouso de todos os sentidos é o estado mais elevado da alma.

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