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Gorceix (BGFA) – Angelus Silesius, mística complexa

BGFA

A mística de Johannes Scheffler deve ser avaliada com cautela. Cautela à qual já nos convidam as flutuações e contradições que o balanço das pesquisas revela, no plano da biografia e da ergografia (conversão, redação, fontes). O silêncio em que a crítica manteve toda uma parte da especulação, que nos parece fundamental, a parte seráfica, torna ainda mais difícil um julgamento definitivo. O que é claro, no entanto, em um primeiro momento, é que o silesiano da segunda metade do século XVII, no alvorecer da crise da consciência europeia que afetaria todos os espíritos de 1680 a 1715 — dela nasceriam as luzes e o iluminismo —, prolonga, ao mesmo tempo em que enriquece, duas tradições místicas: a tradição Reno-Flamenga e a tradição da mística nupcial. É sobretudo a primeira que é renovada. A segunda já havia atingido seu apogeu em Friedrich Spee e Catharina Regina von Greiffenberg. O prolongamento da tradição eckhartiana se opera por três linhas de força: o florescimento metafórico, o gosto pelas fórmulas-limite e a estrutura antitética. As críticas filosóficas que visam a destacar no Peregrino Querubínico ou uma inversão das relações de Deus e do homem em favor deste último, ou aporias insolúveis, não podem resistir diante do ressurgimento de um método de meditação que encontra no dístico uma forma original. A esse título, a mística de Johannes Scheffler pode ser separada de seu século. Mas este século — e é isso que é importante — deve lançar seus ecos. Na primeira parte da mística, a querubínica, a nova acentuação transparece com dificuldade. O desconcerto que, no entanto, surge às vezes, uma insistência surpreendente de tempos em tempos na colocação de certas questões ou um inusitado aumento de temas isolados mostram, ainda em voz baixa, que nem tudo é mais tão simples, que a evidência deve ser mais do que nunca, mais, em todo caso, do que antes, conquistada com grande esforço. A multiplicidade dos dísticos corresponde então ao esforço sempre renovado do autor de se persuadir da realidade da união e da presença de Deus ao fim da ascese. Na parte seráfica da obra, ao contrário, o desgarramento se afirma francamente, entre a descrição sempre recomeçada das maravilhas da contemplação e a tomada de consciência da vaidade do chamado. Um muro de silêncio responde com demasiada frequência aos delírios de um amor apaixonado. Decididamente, deixamos as margens pacíficas onde ainda se moviam Valentin Weigel e Daniel Czepko. Certamente, não conviria exagerar: a angústia já transparecia — nós a observamos — em Friedrich Spee, em Catharina Regina von Greiffenberg; ela irrompia em Quirinus Kuhlmann com todos os avatares da violência. Mas uma teologia do suspiro e do louvor inspirada pela tradição jesuíta em um, uma descrição da união mística relativamente elaborada na protestante austríaca e no quiliasta silesiano respondiam às indagações, afastavam as suspeitas. Nada disso acontece em Johannes Scheffler: nesta última parte do século barroco, a evidência mística não é mais rigorosa. Não vamos, no entanto, longe demais. Por muito tempo, e ainda recentemente, a crítica e os amadores viram em Johannes Scheffler apenas uma espécie de ingenuidade suprema, de pureza diamantina, de serenidade soberana, no século das bruxas e das torturas; a afirmação discreta, mas sustentada, como inconsciente de si mesma, toda feita de renúncia e vacuidade, da perenidade do fundamento místico, válida mesmo no epicentro dos piores ciclones. Esse clichê deve ser corrigido: o abismo também está lá, por trás dos dísticos do Peregrino e dos poemas da Santa Alegria… No entanto, igualmente falsa seria a imagem inversa, muito moderna, do crente atormentado, dilacerado, vislumbrando as profundezas do nosso nada, a incapacidade fundamental de nossa própria natureza de abraçar o absoluto e a ameaça da dúvida. A verdade e o encanto secreto da obra estão entre os dois. O que o silesiano sabe magnificamente, ao lado da loucura quiliástica de Quirinus Kuhlmann ou do delírio boehmeano de Johann Georg Gichtel, sobre os quais falaremos, sem o apelo fácil à heresia, é, em plena consciência, e certamente pela última vez, expressar na linguagem densa e equilibrada da tradição as verdades perturbadoras da especulação ascética e contemplativa, em uma época em que elas começavam a rachar por todos os lados, atacadas pelos novos deuses das luzes, da ciência e da razão.

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