Shekiná (Abécassis)
Armand Abécassis (USSJ6)
O termo vem de uma raiz, CH-KH-N, que abrange o campo da morada, da habitação. Assim lemos em Êxodo 25,8: “Eles me farão um santuário e eu habitarei (We-CHaKHaNTi) no meio deles.”
O conteúdo deste versículo é dado por Êxodo 29,45:
“Eu habitarei (We-CHaKHaNTi) no meio dos filhos de Israel e serei o seu Deus. Eles saberão que eu sou o Senhor seu Deus, que os tirei da terra do Egito para habitar (Li-CHKoN) no meio deles.”
A morada de Deus no meio de Israel é o objetivo do êxodo do Egito. Ela se realiza no deserto no santuário (MiCHKaN), segundo Levítico 26,11: “Estabelecerei minha morada (MiCHKaNi) no meio deles.” Na Terra Santa, será o Templo ou algum lugar sagrado anterior, antes de Jerusalém, a montanha sagrada, Sião.
“Então”, escreve Joel, “vocês saberão que eu sou o Senhor seu Deus que habita em Sião, minha montanha santa.” (4,17 e 21). E o salmista canta em eco: “Bendito seja o Senhor desde Sião, aquele que habita (CHoKHeN) em Jerusalém. Aleluia.” (135,21).
No entanto, a mesma palavra CH-KN-N é usada para designar a residência de Deus no céu ou na eternidade, e não exclusivamente no Templo de Jerusalém. Assim escreve Isaías:
“O Senhor é exaltado, Pois habita (CHoKHeN) nas alturas. Ele enche Sião de justiça e retidão.” (33,5)
Ou ainda:
“Dir-se-á: preparem a estrada, Desimpecem o caminho, Removam todos os obstáculos do caminho do meu povo. Pois assim diz o Alto e Elevado, Que habita (CHoKHeN) a eternidade e cujo nome é Santo. Alto e santo eu habito. Mas estou com o contrito E o abatido de espírito.” (57,15).
Assim, a Shekiná representa a morada, a Presença divina na terra como no céu, no tempo como na eternidade. Para o homem bíblico, o mundo não remete a si mesmo, nem à ordem objetiva que a ciência nele descobre, mas coloca em relação o ser humano e o Criador. A Shekiná é a manifestação divina por trás do que existe: ela protege Israel no sentido de evitar as tentações e riscos do paganismo ou panteísmo. “Guardem-se bem”, clama Moisés. “Vocês não viram forma alguma no dia em que o Senhor lhes falou em Horebe, do meio do fogo. Não se corrompam fazendo para si imagens esculpidas, semelhança de qualquer figura, efígie de homem ou mulher, figura de qualquer animal da terra ou de qualquer ave que voa nos céus, figura de qualquer réptil que rasteja pelo chão ou de qualquer peixe que vive nas águas debaixo da terra.
Não aconteça que, levantando os olhos para o céu e vendo o sol, a lua e as estrelas, todo o exército dos céus, vocês se deixem levar a adorá-los e prestar-lhes culto. Pois isso o Senhor seu Deus o repartiu a todos os povos debaixo do céu. Mas a vocês o Senhor tomou e tirou da fornalha de ferro do Egito, para ser o seu povo, sua herança, como hoje se vê.” (Deuteronômio 4,15-20).
É a Shekiná, a Presença divina, no meio e além do céu e da terra, que é a parte de Israel. Os outros povos pagãos, cujos olhos são olhos de carne, detêm-se nas imagens do Universo. O povo de Israel, de olhos de fogo, sabe que há um avesso do Universo, onde se esconde um segredo a decifrar e interpretar. É o que lembra o autor de Sabedoria:
“Vãos são todos esses homens que por natureza ignoram a Deus. A partir das coisas visíveis não foram capazes de conhecer Aquele que É (Êxodo 3,14), nem reconheceram o Artífice considerando suas obras.” (13,1-9).
É o Mestre do Universo, o Criador que, ao se revelar, manifesta sua presença santificando um lugar, um objeto, um indivíduo ou um povo. Na Torá, a primeira função da Shekiná é constituir o lugar onde o Cosmos — o céu e a terra — encontra sua unidade, assim como o homem só encontra sua unidade na qualidade de criatura à imagem de Deus.
O primeiro capítulo do Gênesis já nos ensina que o mundo é organizado, não por si mesmo nem pelo pensamento humano ou pela História, mas pelo Criador que o precede em fato e em direito. Ensina também que o tempo não dispõe de si mesmo, nem se dispõe como História esmagadora para o indivíduo, mas se orienta segundo o projeto divino ao qual o Criador chama a criatura a se associar em uma aliança sem arrependimento. A multiplicidade aparente do Universo, sua diversidade, se reúne como um cone cujo vértice é a Shekiná que ali se desdobra. Mas a relação do homem com o mundo também pode ser figurada por um cone, pois o homem se comunica com a Shekiná através da multiplicidade cósmica. O objeto da criação é precisamente fazer coincidir as bases dos dois cones, de modo que a unidade do homem venha da relação com a Shekiná através do mundo já unificado.
A segunda função da Shekiná na Torá é lembrar ao homem que a ordem do céu e da terra tem um fundamento objetivo e que a desordem está do lado do homem. O Criador repetiu sete vezes “É bom” após organizar o universo. Mas o homem que colocou no jardim do Éden transgrediu o interdito, pois o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal “era bom para comer, atraente aos olhos e desejável para dar entendimento” (Gênesis 3,6). Daí veio a dispersão para o homem. A vontade humana, de fato, não se conforma espontaneamente à vontade divina e os dois cones se desalinham um em relação ao outro.
Por fim, é preciso destacar que a Shekiná ou Presença divina nunca está separada de Deus na Torá. Ela nunca se eleva a ponto de constituir uma entidade separada. Ela é, no fundo, o próprio Deus presente de certa maneira, e portanto não totalmente nem absolutamente no mundo. Aliás, o próprio termo Shekiná não existe na Torá, embora o verbo CH-KH-N exista em suas múltiplas formas. A Shekiná é portanto primeiramente a representação da onipresença de Deus. Mas é preciso precisar que ela não representa apenas a imanência (na terra) mas também a transcendência (no céu), pois Deus está presente na terra, no céu e na eternidade.
Esta identificação da Shekiná com a Presença divina em todo lugar e sempre transparece nitidamente nos Targumim ou paráfrases aramaicas da Torá, que ficam muito embaraçadas com os antropomorfismos do texto hebraico original e traduzem o nome divino e suas ocorrências em contextos demasiado humanos por termos e expressões que destacam a transcendência de Deus.
Assim, por exemplo, enquanto o versículo 42 do capítulo 14 de Números diz: “Não subam (para a Terra Prometida), pois o Senhor não está no meio de vocês; não vão ser derrotados por seus inimigos.”
Onkelos traduz:
“Não subam pois a Shekiná não está no meio de vocês.”
Ou ainda, Êxodo 33,20: “Ele respondeu: você não verá minha face, pois o homem não pode me ver e viver”, é traduzido por Onkelos: “Você não pode ver a face da Shekiná.”
Não há ainda distinção entre a Shekiná e Deus nesses Targumim, mas apenas o fato da presença sentida, vivida, de Deus, sem que se possa dizer quem é esse Deus que torna sensível sua presença sem se apresentar face a face e sem poder ser visto de frente, como se olha um homem.
