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Faivre (FETC) – Eckartshausen, presença divina

ECKARTSHAUSEN E A TEOSOFIA CRISTÃ (FETC) — DEUS

Eckartshausen não é, aliás, o único teósofo de sua época a reencontrar o Criador na criação. Seu amigo Lopouchine, esse outro Iluminado, vê harmonia por toda parte; para ele, o mero pensamento da criação do mundo arrebata a alma num transporte de alegria e a enche de reconhecimento e respeito por seu Criador.

Por isso Eckartshausen, quando não fala uma linguagem teosófica, dá livre curso a seu lirismo de poeta ao tratar de Deus, que é pleno de misericórdia e indulgência, sempre pronto a estender os braços para nos acolher. A infinitude de Sua bondade nos impede de crer que os seres não são imortais. Fora os Aufklärer e todos os espíritos fortes! Eles tentam explicar o Universo como se Deus não existisse, mas suas contradições são a prova de seus erros; ignoram como a Fé nos permite descobrir verdades ocultas. Deus é como um pai de família que nunca viria à casa, mas que, de longe, trabalharia para seus filhos e se informaria sobre eles. Sua esposa, ou seja, a natureza inteira, serve de intermediária entre o homem e Ele; pela religião, Deus se informa sobre nós. É apenas diante do trono de Sua incomensurável majestade que o homem tem o sentimento de sua própria dignidade. Não foi a força divina que protegeu Daniel contra a fúria dos leões? Que manteve vivos os três jovens lançados na fornalha? Que poupou a família de Noé das águas do dilúvio? Eckartshausen gosta de buscar nas diversas partes da criação os traços da ordenação do Todo, para fazer desaparecer em seu espírito o que um primeiro exame poderia revelar como uma série de dissonâncias. O Isar, que ele gosta de observar fluir, mostra-lhe que o reflexo do sol não se move, apesar da corrente e das ondas agitadas pelo vento; ele acrescenta que, quanto mais se contempla a obra, mais elevada se torna a ideia que se faz de seu autor. Não há verdadeiro repouso e felicidade senão em Deus. Todo temor desaparece de nosso coração se soubermos ver que Deus está presente, com Sua Sabedoria e Sua Bondade, na menor partícula da criação.

Porém Eckartshausen, que é sobretudo um teósofo, sente-se igualmente à vontade para nos falar sobre o problema da criação. Um Deus que não tem ser fora de si mesmo, escreve ele já nos Esclarecimentos sobre a Magia, é tão impensável quanto o sol sem luz; a divindade é essencialmente criadora; a criação é sua existência (Daseyn), sua vida. Deus cria sem cessar. Forças ativas se espalham por todas as Suas produções, retornando depois ao princípio primordial, formando assim uma cadeia viva na qual tudo é ação, força, energia. Só Deus possui a vida em si mesmo, e no-la comunica. O mundo criado deve permitir ao homem conhecer o Bem e o Verdadeiro. A cada instante emanam (emaniren) d'Ele a vida e as energias de todos os seres. Esta palavra “emanação”, que os teósofos geralmente preferem à expressão “criação ex nihilo”, é empregada várias vezes por Eckartshausen; ele escreve nos Esclarecimentos sobre a Magia que as progressões da Unidade são emanações (Emanationen), irradiações, raios infinitos provenientes de um ponto central, linhas retas agindo até o infinito. A explosão do ponto central constitui o “círculo da natureza” e nos apresenta a imagem do mundo dos sentidos. Nosso terror da morte prova a existência desta fonte originária da qual emanamos (geflossen), mas ao mesmo tempo devemos saber que a lei do nosso ser é nos reunir a Deus. As Gedanken Expressionen de Deus, pensadas por Ele segundo uma ordem imutável, constituem todo o universo; cada um desses pensamentos é uma força ativa. Antes que o Verbo fosse, o pensamento do Verbo certamente existia, porque o pensamento é Verbo espiritual; eis por que o Verbo estava no princípio, e o Verbo estava em Deus, e Deus era o Verbo. Tudo é feito por este Verbo, e sem ele nada se fez. Deus não é avaro de Si mesmo; Ele flui nos seres espirituais, ou inteligências, e é por isso que os criou. A criação é primeiramente espiritual; são miríades de energias que emanam de Deus. Eckartshausen escreve que os primeiros Padres da Igreja concordam sobre o fato de que há em Deus ao mesmo tempo uma vontade eterna e um cumprimento eterno; acrescenta que esta ideia nos fornece uma noção da Trindade adaptada à fraqueza de nossa inteligência.

Assim como Jacob Böhme, Eckartshausen concebe portanto Deus como força energética, mas contrariamente ao Filósofo teutônico, não expõe intuições böhmistas como o Ungrund, o Zorn, e não busca em Deus mesmo a noção metafísica de liberdade. Contentase em repetir que todas as energias da natureza emanam (emaniren) da força central, que a linguagem de Deus é a criação, pois produzir imagens fora de si chama-se criar. Todas essas imagens — as do que é, do que foi e do que será — existiam originalmente sob forma de plano, e de maneira arquitetônica, numa Ideia da divindade. Deus aceita então como uma limitação Sua energia infinita, para o maior bem dos seres finitos; esta limitação de si mesmo permite à criação manifestar-se: esta ideia, ela, é böhmista. É o amor que decidiu a energia espiritual originária a operar seu primeiro movimento; a verdade foi a realização desta determinação; a Sabedoria foi a lei desta realização; a Bondade foi o fim da criação; a Justiça foi a medida da aplicação das relações. A natureza é portanto o próprio órgão da divindade.

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