BOOSCO DELEITOSO — PARTE I — CAPÍTULO VII

67. Calou-se um pouco a mui fermosa dona, e o meu guiador lhe disse:

— Amiga, não fique assim este apressado, que ainda há mister de nossa consolação.

E ela disse a mim:

— Homem, porque te agravas com tristeza? Que tu hás o remédio prestes em teu poderio. Queres nunca ser triste? Vive bem, que a boa vida sempre há consigo prazer e alegria, e há pureza do coração; ela é prazer e consolação da alma; e onde não é pecado, ali é prazer; que o pecador não pode haver prazer verdadeiro; mas a esperança certa que há o homem que bem vive de ganhar e cobrar, a pouco tempo, vida sem tristeza, é sobre-abundosa em todo prazer, quando ganhar o glorioso reino.

68. Esta tal esperança não tão somente consola aquele que padece tristeza, mas ainda logo lhe faz haver gozo e prazer mui grande; e porém, por esta tal esperança, posto que os justos, que a Deus servem, padeçam quaisquer coisas tristes, não deixam porém de se congratular com gozo e com prazer continuadamente. Que nunca o sabedor, que é propriamente o justo, é sem prazer; e o prazer não nasce senão da virtude da consciência.

69. O coração culpado nunca pode ser seguro nem ledo. Não cumpre tristeza àqueles que hão salvação em Deus e hão esperança no reino dos céus. Sejam tristes os gentios, chorem os judeus, façam pranto continuadamente os que vivem em pecado; mas os justos sejam alegres; que, se aqueles que amam as coisas terreais, que falecem e caem, se alegram com elas, os que atendem e esperam tanta glória perdurável, porque se não gloriarão de todo em todo com prazer?

70. A tristeza, que é pecado e amargura da consciência, embarga a alegria espiritual; porém o abade Santo Apolônio e seus monges, tanta alegria e gozo sobreguisa era neles, quanta não podia haver algum homem na terra, que não havia entre eles algum triste. E tu, filho, não sejas triste assim como aqueles que não hão esperança, e sei certo que todas as coisas que acontecem ao homem, tristes ou boas, todas são dadas por Deus com grande caridade que há ao homem.

71. Porém tu, crê certamente que todas as coisas que te advierem, tristes ou de prazer, todas te advêm por tão grande amor de Jesus Cristo e tanto à tua prol, que tu não devias querer que outra coisa adviesse a ti nem a outrem, senão aquilo que te advém. E porém deves dar graças a Jesus Cristo por cada uma coisa, que Ele não deixa advir nem umas coisas contrárias à alma fiel, senão quanto Ele sabe que cumpre à santidade dela e ao uso das virtudes.

72. E porém tu, sê fiel; e quando te acontecer alguma coisa nojosa, recebe-a assim, como se fosse uma prisão de ouro, que te pusesse Jesus Cristo, por que te tire para o seu mui limpo amor. E tu logo, assim como consentidor, levanta-te quando te assim tirar para si o Senhor e com diligência faze-te prestes para Ele por paciência e por agradecimento, por tal que o teu coração seja mais tirado para Jesus Cristo, e entende que Deus por estas coisas quer obrar tua salvação.