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Plard (HPAS) – Scheffler, revelação de Deus

HPAS Falando dos princípios de seu conhecimento, Frankenberg escreve: “XI — que esse conhecimento deve ser buscado, encontrado e revelado pela luz da glória, da graça e da natureza, no livro triplo e uno da Escritura sagrada, do mundo e do homem”, subordinando, aliás, nos artigos seguintes, essa tripla revelação ao conhecimento único do Livro do Cordeiro, isto é, “Jesus Cristo crucificado e ressuscitado” 1)). A uma cristologia bastante vaga, Frankenberg unia, portanto, uma ideia complexa da natureza, concebida como um composto de forças, procedendo de Deus por emanação e reproduzindo no mundo sua estrutura trinitária (Raphaël…, p. 31): essas forças são o que Böhme chamava as “Qualidades”, ao mesmo tempo “qualidades” dos corpos e “jatos” da potência divina nos objetos materiais; Frankenberg misturava ali ideias paracelsistas sobre a arte de curar: o médico é o homem que conhece essas forças e sua origem e sabe reencontrá-las no mundo para fazê-las agir em vista do bem físico e moral. Isso explica sua prática médica, sua intervenção ativa e corajosa durante a peste de 1634 e os princípios de terapêutica expostos em seu livro Raphaël, o anjo curador (1639) 2). Todas as coisas que, sem dúvida, o aproximaram do doutor Scheffler. Este compartilhava as ideias de seu amigo? Um curioso dístico permitiria crer nisso: trata-se de I, 257:

Que Deus é Três em Um, cada erva te mostra, Nela se vêem reunir enxofre, sal e mercúrio.

Dass Liecht besteht itn Feuer Das Licht gibt allen krafft : Gott selber lebt im Lichte : Doch, wär' Er nicht das Feur, so würd' es bald zunichte. (I. I95.) ininteligível se não o relacionarmos às ideias de Frankenberg: Deus se revela triplamente; ele é, em Deus, Pai, Filho e Espírito Santo (ou “Spiritus Mundi”), — no homem, corpo, alma e espírito, — no mundo, sal, enxofre e mercúrio. Assim, Deus, o microcosmo humano e o macrocosmo são construídos no mesmo plano triplo 3). O uso frequente que Scheffler faz de comparações alquímicas atesta que ele tinha um conhecimento bastante preciso, não apenas dos princípios gerais, mas até mesmo do jargão técnico da Grande Arte; e, aliás, encontram-se em sua biblioteca alguns livros de alquimistas, incluindo um de Paracelso, sem dúvida legado de seu avô Hennemann, que foi médico e alquimista de Rodolfo II. Mas Scheffler fala com franco desprezo da pedra filosofal; a única criação do ouro é a criação espiritual onde Cristo, verdadeira pedra filosofal, transmuta o chumbo em ouro, o homem em Deus 4). Como diante da filosofia da natureza, Scheffler, diante das doutrinas ocultistas, pensa apenas na alma e em Deus. É possível também relacionar a Frankenberg, cujos estudos de cabalista o levaram a atribuir um sentido profundo aos números 5), certos pensamentos de Scheffler sobre o Um que é Deus e o Zero que é a criatura; Deus sustenta o mundo e está nele como a unidade em cada cifra; o zero da criatura só tem valor se o Um divino o precede (V, I, 8). Mas, também aqui, trata-se de um puro símbolo das relações de Deus e do homem. É assim que Scheffler geralmente se inspirou nas doutrinas às quais Frankenberg aderia mais particularmente: ele lhes concede apenas um valor simbólico; desde o início, o que já basta para distingui-lo de Jakob Böhme, ele está pouco preocupado com o universo como Cosmos; ele só quer conhecê-lo em sua relação com Deus. Outras fontes intelectuais que Frankenberg lhe abriu exerceram sobre ele uma ação mais direta. A questão das fontes do Peregrino Querubínico é uma das mais contestadas que existem. Nela se misturou uma polêmica confessional: autores católicos, em seu esforço para provar seu caráter ortodoxo, negligenciam os “espirituais” dos séculos XVI e XVII, ou lhes concedem apenas um lugar insignificante em suas leituras; críticos protestantes, ou opostos à tese católica por alguma razão, insistem em Jakob Böhme, ou mesmo em Eckhart, o que introduz no debate o difícil problema do processo de Eckhart e sua conformidade à escolástica tradicional. Mas essas próprias lutas fizeram com que as fontes fossem estudadas de perto; sem nos estender em excesso, gostaríamos de apresentar algumas observações gerais sobre este assunto. É preciso, antes de tudo, evitar forçar demais os paralelos de textos; se há parentesco de pensamento, isso não quer dizer que tenha havido inspiração direta: uma estrutura intelectual mística análoga pode sustentar autores muito distantes no tempo ou no espaço. Assim, sabemos que Silesius conheceu de Eckhart três passagens que Surius havia traduzido para o latim e adicionado à sua edição de Tauler 6)), e ainda há duas cuja autenticidade é duvidosa 7), e todas as três expressam apenas verdades correntes da mística católica. A influência de Eckhart é, portanto, quase nula sobre ele. E, no entanto, se há um espírito aparentado ao seu, é o de Eckhart.

1)
Ed. 1895, p. ix, artigo xiii. A fórmula “Jesus Christus, crucifixus et resuscitatus” como soma do conhecimento é palavra por palavra a de Scheffler (cf. Ell., p. 70
2)
Ell., p. 59.
3)
Eu tomo essa explicação de uma apresentação do Sr. Albert-Marie Schmidt (no Centro de História das Religiões do Collège de France) sobre a gnose hermética dos alquimistas nos séculos XIV e XV
4)
I, 102, 103, 104, 244, 248, 249, 250, são os exemplos mais claros. Uma dezena de outros dísticos se servem de comparações emprestadas da alquimia.
5)
ELL., p. 57
6)
K. Richstätter, artigo citado (Stimmen der Zeit, 1926
7)
Neuwinger, op. cit., pp. 42-43; Richstätter, art. citado, p. 373
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