Plard (HPAS) – Angelus Silesius, via negativa
HPAS “O semelhante é conhecido pelo semelhante” 1). Esse princípio do conhecimento aristotélico foi transmitido à mística alemã pela escolástica tomista. Mas a simples semelhança não basta a Silesius: Deus, diz ele, só é conhecido por si mesmo; a semelhança é aqui substituída pela identidade, a imagem pela essência, pois “Deus não é nada criado”; nenhuma criatura, nenhuma noção humana pode me dar o conhecimento perfeito de Deus. “É preciso que sejas tu mesmo” (II, 142), ou, segundo uma fórmula que Silesius toma emprestada de Ruysbroeck e que ele aprecia, o homem deve ser ele mesmo a luz que contempla (I, 72; II, 46; IV, 181). E ele não poderia sê-lo, se já não fosse esse Deus, em essência, antes mesmo de iniciar essa busca; a alma é uma chama que saiu do relâmpago que é Deus e que deve mergulhar nele novamente (II, 138); no mundo, ela fluiu com as coisas, mas permanece em Deus por sua essência, como aliás toda a criação — mas tendo, ela só, a possibilidade de retornar àquele de quem ela vem (V, 233, 234); assim, esse retorno a Deus que deve levá-la a ser semelhante a ele e adequada à verdade desejada é apenas uma reconquista de sua própria essência, uma reflexão, no sentido etimológico da palavra: contemplar-se em Deus, ou seja, tal como ela era antes de ser, segundo sua essência, e não segundo sua existência, é para a alma, contemplar Deus em verdade (II, 157); ela deve “aprofundar-se em Deus, e Deus nela” 2), tornar-se o que ele é: um Deus em Deus. Ser e conhecer se confundem: só Deus ou o homem tornado Deus pode atingir essas profundidades, ou pelo menos tender para elas. No entanto, a esse nível, não se pode mais falar de conhecimento. Se o homem é Deus, como poderia ele ainda saber que existe um Deus e uma consciência? O ato de conhecimento implica a dualidade do conhecedor e do conhecido; Angelus Silesius nega resolutamente que essa dualidade subsista — a Unidade, diz ele, engole a Alteridade; portanto, que Deus possa ser conhecido, nesse sentido, pelo menos. É isso que significa a fórmula bastante misteriosa do dístico I, 284: “É preciso transcender todo conhecimento”: o Eu místico aspira a voar “mais alto que o querubim, onde nada é conhecido”; e, de fato, na medida em que o querubim não é Deus, seu conhecimento de Deus só pode ser imperfeito; o homem, possibilidade eterna de um progresso que o leva mais alto que os anjos fixados em seu ser, pode atingir o ponto em que “o conhecedor se torna o conhecido” (I, 285), e, consequentemente, sua relação absorve um ao outro. O grau supremo da visão mística será, portanto, o “deserto”, a perda da consciência; o conhecimento de Deus tem apenas um caráter fugaz, pois só se pode conhecer verdadeiramente Deus sendo Deus, mas no instante preciso em que essa “deiformidade” se realiza, o conhecimento não é mais possível: nessa expressão: “o conhecimento de Deus” (Büttner, p. 154, 164), há sempre um dos dois termos que exclui o outro, exceto no momento, rápido como um relâmpago, em que o homem se torna Deus; “Não se apreende Deus” — “Quanto mais o apreendes, mais ele te escapa” (I, 25); a experiência mística é aquela que muitos contemplativos descreveram: Deus é antes de tudo aquilo que foge no momento em que se o alcança, o inatingível tanto menos compreendido quanto mais conhecido, já que o é apenas na medida em que se esquiva de toda apreensão: É preciso que sejas o que Deus é Se devo encontrar meu fim último e meu primeiro começo, Devo então aprofundar-me em Deus e Deus em mim. E tornar-me o que Ele: Devo ser um brilho no brilho; Devo ser uma palavra na palavra: um Deus em Deus. (I, 6).
Mais conhecimento, menos compreensão. Quanto mais conheceres a Deus e mais confessares Que cada vez menos podes exprimir o que Ele é.
Je mehr erkandnüss je weniger verstandnüss Je mehr du Gott erkennst, je mehr wirstu benennen, Dass du je weniger Ihn, wass er ist, kanst nennen. (V, 41). Assim, o progresso no saber é um progresso na ignorância: os nomes que se quereria dar a Ele caem por si mesmos à medida que nos aproximamos d'Ele; falar d'Ele seria dizer o que Ele não é, tentar-Lhe sucessivas determinações que todas se revelam inadequadas; Deus é tal que a única negação pode expressá-Lo, e essa é a base da teologia mística. Desde Dionísio, o Pseudo-Areopagita, o esforço da mística, em sua definição de Deus, nunca foi e nunca quis ser mais do que uma aproximação de sua essência, pois Deus transcende toda determinação, tanto negativa quanto positiva 3). É por essa razão que em Eckhart, no tratado Da Cólera da Alma, depois que uma dialética rigorosa reduz o conceito de Deus ao de nada (uma espécie de irrupção brusca), da qual Eckhart sente bem toda a irracionalidade, rompe essa envoltura de conceitos e negações para colocar Deus acima do nada; pois “Deus é para si mesmo ser; é apenas para a compreensão de toda criatura que ele é nada” (Büttner, p. 165). Esse “nome divino” é, portanto, ainda apenas um nome humano, mas é aquele que mais mantém o espírito do homem na consciência de uma inadequação perpétua entre o pensamento que ele tem de Deus e o Deus que lhe escapa: cada tentativa de nomear Deus é imediatamente acompanhada de um movimento de negação 4): trata-se menos de negar Deus e de atribuir-lhe o nada como essência 5) ou de dar ao pensamento uma orientação unicamente negativa, do que de purificar Deus e o pensamento daquilo que não é sua essência comum; e como, neste mundo onde o pensamento está no tempo e voltado para as criaturas, um termo humano conviria ao Imutável, ao Incriado, ao Indefinível (II, 153)? Como, por outro lado, um sentimento demasiado humano do eu místico, um sentimento de amor, de temor, de desejo, se ele se apega a uma qualidade de Deus e não à sua essência, atingiria aquele que só um amor total pode abraçar 6), já que a relação afetiva do homem com Deus, assim que se refere a uma perfeição determinada, o transforma em criatura? Além de todo nome e até de Deus, todo saber se perde em um deserto: nada para a criatura, inacessível a tudo o que nela há de criado. A única via do homem para Deus é, portanto, a via negationis, compreendida, tanto na vida moral quanto na vida do espírito, como uma purificação pela qual o homem e Deus reencontram sua essência verdadeira. Certamente, o céu está em ti (I, 145), diz Angelus Silesius de forma figurada: como entrarás no paraíso se não o possuíres interiormente antes (I, 295)? Mas, manchado pelo contato com as coisas, arrastado para fora de si mesmo no mundo, o homem deve negar todo o seu ser criado para reencontrar a pureza primeira de sua essência em Deus; como diz Dionísio, o Areopagita, “assim procede o artista para fazer um busto ao natural. Ele retira de seu bloco o que impede de perceber a figura pura ainda oculta; essa remoção basta para trazer à plena luz a beleza ignorada 7).” Assim, o ascetismo é um despojamento, não um exercício estéril, mas o esforço consciente pelo qual o homem se desprenderá de tudo o que não é seu verdadeiro ser. Sob o cinzel do asceta, irrompem em estilhaços todos os sentimentos, todos os pensamentos, todas as vontades que parecem dar à nossa vida sua riqueza. Contra as paixões e seu grande princípio, o amor-próprio, ele recorre às virtudes das quais o amor é a rainha e as obras são as servas (II, 234). O estado atingido, no domínio do sentimento, é caracterizado como a “pobreza” (Armut) à qual ele dá um sentido particular: é menos uma pobreza material ou espiritual do que um estado de desapego perfeito diante dos sentimentos humanos: assim “o mais pobre é o mais livre” (IV, 211), já que ele é rico, por isso, do infinito possível que é Deus. “A pobreza é a essência de todas as virtudes” (IV, 212), porque ela torna livre como Deus; assim como Deus é “inteiramente despojado e livre”, o homem, cujos vícios prendem os passos, tem, pela pobreza, o meio de seguir seu caminho até ele; por isso “a pobreza é divina” (I, 65; IV, 212). Morrer para tudo é adquirir o espírito de pobreza (IV, 214) — morte admirável! — mas não é o bastante: o liberto do corpo não deve permanecer escravo do espírito, e a virtude que o liberta é aqui a “pureza” (Lauterkeit) “sem imagem, sem forma, sem amor, nua de toda qualidade como a essência de Deus” (II, 70) que ele também chama de “virgindade” (Jungfrauschafft - II, 12-13). Se pela pobreza, eu morresse para mim mesmo, pela pureza, não preciso mais buscar Deus ao meu redor (I, 95); mas isso é apenas um primeiro grau de pureza: é preciso subir ainda mais, despojar toda imagem, ser “vazio” (ledig), “nu” (bloss) — vazio de si mesmo, vazio de Deus (I, 84, 208); é apenas a esse estado que Silesius reconhece a conformidade com Deus: “a vacuidade é como Deus” (I, 159), por ela nos tornamos “semelhantes a Deus” (I, 84). Isso ainda é apenas uma similitude; no momento em que o homem atinge a identidade perfeita, ele não tem consciência de sua perfeição: “A água jorra dele como da fonte da eternidade” (I, 159) e em uma imagem muito bela, Silesius o expressa: A verdadeira vacuidade é como um nobre vaso Todo cheio de néctar; ele tem, e não sabe o quê.
Die wahre Ledigkeit ist wie ein edles Fass Dass Nectar in sich hat: Es hat, und weiss nicht wass. (II, 209.) No entanto, essa inconsciência não é esterilidade; ela é comparada a uma fonte jorrante, a fonte da vida de onde fluem as torrentes da Deidade (I, 158, 179).
