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Kolakowski (LKCE) – Conversão de Angelus Scheffler

LKCE

A questão da verdadeira conversão de Angelus Scheffler — pois esse foi o nome que ele adotou em seu batismo — e, portanto, de seu abandono não do luteranismo que há muito lhe era estranho, mas sim da mística panteísta, é a que chama a atenção de todos os historiadores, essencialmente devido à cronologia de suas obras. O Peregrino Querubínico foi publicado em 1657, em cinco Livros, com o imprimatur da Igreja. A hipótese de Ellinger, de que os dois primeiros Livros foram compostos o mais tardar na segunda metade de 1651, sob a influência direta da leitura dos Monodisticha de Czepko, é universalmente aceita; ela se baseia, aliás, apenas em convergências de conteúdo e forma entre as duas obras. O mesmo autor, no entanto, remonta os cinco Livros da obra ao período anterior à conversão formal de Silesius. Essa hipótese se depara com opiniões contrárias, devido à atmosfera muito mais católica dos Terceiro e Quarto Livros. É por isso que o autor do estudo mais recente dedicado ao Peregrino Querubínico prefere situar sua composição um pouco mais tarde, quando o poeta já havia encontrado certo refúgio no mundo católico. Essa controvérsia parece tanto mais difícil de ser resolvida sem documentos adicionais, quanto a questão do significado da conversão formal de Silesius e a da data de composição dos Livros seguintes do Peregrino Querubínico são interdependentes; ora, na literatura do assunto, encontram-se respostas a favor de uma, em função da resposta dada à outra, e vice-versa. Há risco de um círculo vicioso. Se admitirmos que, na época de sua conversão, Scheffler já era um católico ortodoxo convicto e havia abandonado a ideia da deificação panteísta que professava anteriormente, a distinção entre passagens “católicas” e passagens “panteístas” na obra será, ao mesmo tempo, uma divisão cronológica. (Pode-se, aliás, admitir que toda a obra foi escrita antes da conversão formal, supondo que esta foi precedida de um período, mesmo curto, que transcorreu entre a crise espiritual e a cerimônia.) Se admitirmos, por outro lado, que o Terceiro Livro foi escrito após a cerimônia do batismo, esse fato pode então servir de argumento a favor de uma concordância entre a conversão formal e a conversão interior. Faltam-nos, porém, nessas questões interligadas, dados incontestáveis sobre os quais apoiar o raciocínio. Não temos certeza, tampouco, de que a ordem dos Livros da obra corresponda à ordem cronológica em que foram compostos. É inegável que o ímpeto panteísta se enfraquece nitidamente no Terceiro Livro, enquanto elementos de uma religiosidade especificamente católica aparecem: encontramos toda uma galeria de santos patronos, homenageados cada um em um dístico (na maioria, aliás, aqueles que os místicos católicos mais prezavam: Francisco, Matilde, Bernardo, Clara, Teresa, Gertrudes, Agostinho, Inês, Inácio); temos, voltando incessantemente, o culto do Menino Jesus (III, 2, 24, 54 e passim); o culto de Maria (III, 3, 10, 242, etc.); temos a “vida eterna” em vez de “eternidade” no sentido de “intemporalidade” (III, 72), etc. Por outro lado, neste Livro, também, os temas antigos não desapareceram totalmente, mas retornam em muitos dísticos, em perfeita harmonia com os dois primeiros Livros: tema da identificação com Cristo (III, 19, 20, 188); tema do “nascimento de Deus” na alma (III, 238); tema da extinção do tempo (III, 48). No Quarto Livro, há muito mais desses germes “panteístas” e, no Quinto, eles recuperam a predominância sobre os temas “confessionais”; não há mais menção, no Quinto Livro, dos santos patronos (com exceção de São João Apóstolo, V, 161); não se encontra mais nenhuma referência ao Menino Jesus nem ao culto de Maria, mas unicamente a ideia da alma, da esposa mística (por exemplo, V, 260, 372), em perfeito acordo com os temas análogos dos primeiros Livros (por exemplo, I, 23), enquanto toda a doutrina da deificação (por exemplo, V, 9, 200), da eternidade (por exemplo, V, 146, 148), da divindade das coisas (2, 61, 215), da rejeição do próprio “eu” (126, 238) reaparece. Se a ordem dos Livros corresponde à ordem de sua composição, seria preciso deduzir que Silesius, depois de um certo tempo em que se dedicou a uma mística estritamente confessional no espírito de São Bernardo, voltou ao seu antigo espiritualismo panteísta, antes de se submeter posteriormente totalmente aos rigores do dogma. Não temos, porém, nenhuma prova de que as coisas tenham se desenrolado dessa maneira. Pode-se muito bem supor que a conversão formal de Silesius foi o resultado de uma irritação provisória e que o poeta só se livrou depois e progressivamente de seu antigo espiritualismo não confessional, para finalmente se firmar no terreno sólido do dogma, e que as fórmulas especificamente “papistas” do Terceiro Livro foram escritas depois dos desenvolvimentos panteístas do Quinto. É possível também que, depois de ter escrito os dois primeiros Livros, ele tenha se aprofundado na leitura dos místicos católicos ortodoxos e que, sob sua influência, tenha composto o Terceiro Livro, para depois voltar às suas leituras anteriores e ao estilo “eckhartiano” em sua própria poesia, tudo isso podendo perfeitamente ter ocorrido após sua conversão oficial, ou ter sido dividido em dois pela cerimônia na igreja de São Mateus. Evocamos essas possibilidades unicamente para chamar a atenção para a fragilidade de todas as hipóteses referentes à data e à ordem em que foram escritos os diversos Livros do Peregrino Querubínico, e também para o perigo de cair em um círculo vicioso ao examinar o desenvolvimento espiritual de Silesius entre 1652 e 1657. Apenas a hipótese de que os dois primeiros Livros foram escritos em 1651 ou em 1652 é bastante verossímil, e isso, não por causa do caráter não confessional e panteísta desses textos, mas essencialmente porque se demonstrou de forma incontestável que eles são marcados pela influência dos dísticos de Czepko, e que é mais do que provável que foram escritos enquanto Scheffler ainda estava sob a impressão muito fresca dessa leitura (além disso, é verdade que é uma hipótese dizer que Scheffler tomou conhecimento em 1651 da poesia de Czepko, mas uma hipótese verossímil). De qualquer forma, temos o direito de considerar que, antes da publicação do volume, um acordo fundamental havia ocorrido em Silesius entre sua atitude espiritual e sua filiação confessional; além das passagens mencionadas do Peregrino Querubínico, a publicação de outra obra, durante esse mesmo ano de 1657, o testemunha; trata-se de A Santa Alegria da Alma ou Éclogas Místicas da Psique Apaixonada por seu Jesus (Heilige Seelenlust oder geistliche Hirten-Lieder der in ihren Jesus verliebten Psyche). O espírito extraordinariamente confessional desses cânticos, separados por um verdadeiro abismo da primeira obra, evidentemente inclinou os historiadores a supor que deveriam ter sido compostos em outra fase da evolução espiritual do autor; a um custo de extremo esforço, consegue-se descobrir aqui e ali, em algumas expressões, raros vestígios, apenas perceptíveis, de suas antigas convicções místicas; vê-se, portanto, claramente que sua nova fé em nada contribuiu para estimular seu talento poético. Pequenos cânticos bem elaborados, mas artificiais e monótonos, que, comparados à dramática concisão do Peregrino Querubínico, surpreendem por sua pobreza e ausência de autenticidade, desenvolvem inúmeras comparações entre Jesus e os objetos mais diversos, vivos ou mortos — um rouxinol, um cordeiro, um pastor, uma joia, o sol, uma pérola, uma rosa etc.; homenagens escrupulosamente rendidas a todas as partes do corpo do Salvador; protestos estereotipados de arrependimento, remorso, dor, alegria, reconhecimento, etc. M. Althaus, cujo estudo já mencionamos, sustenta, no entanto, que as diferenças de teor entre as duas obras são função das diferenças de convenção poética: se as Éclogas não contêm a teoria da deificação, seria porque se inserem na tradição dos cânticos religiosos que não toleram esse tipo de doutrina; além disso, as metáforas empregadas nos Terceiro e Quarto Livros da obra principal nos levariam a datá-los da mesma época que as Éclogas. Essa argumentação não prova muita coisa. É difícil sustentar que duas obras são muito diferentes em conteúdo porque procedem de convenções poéticas diferentes — e, portanto, que poderiam ter sido compostas na mesma época — e, ao mesmo tempo, afirmar que aparentemente datam da mesma época, já que, precisamente, apresentam alguma semelhança de conteúdo. Além disso, se uma certa convenção de estilo proíbe a expressão de certas ideias, é o fato de o poeta ter precisamente recorrido a essa convenção que levanta um problema, e não o contrário. Não deixa de ser verdade que esses pequenos cânticos, que são, na maioria, como Ellinger demonstrou, reelaborações de canções de amor da época (processo que não era novidade), eram muito mais adequados ao uso popular do que a filosofia arriscada da primeira obra; além disso, embora permanecendo em conformidade com o espírito da tradição católica, não continham, no entanto, nenhuma referência direta à Igreja, e é por isso que rapidamente se tornaram populares também entre os protestantes cansados das fórmulas ressecadas do luteranismo caído na rotina. De fato, por mais que os pastores detestassem tanto o conteúdo desse livrinho quanto o renegado que o escrevera, ele era cantado por parte dos fiéis, por aqueles que iriam constituir, tanto quanto se pode julgar, o elemento da onda sentimental do pietismo.

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