Kolakowski (LKCE) – Angelus Silesius, amor místico e pulsões
LKCE
Isso não significa, contudo, que aceitamos a redução do amor místico ao desejo sexual através do mecanismo da sublimação. Não temos razão para atribuir ao fenômeno do amor um caráter originariamente sexual e considerar suas outras formas como derivados sublimados. O procedimento de Freud, nesse ponto, parece mais uma definição arbitrária do que a explicação de um fato empírico. Se o amor, em sentido primário, se identificasse com o desejo sexual, seria fácil demonstrar que, uma vez que o amor não sexual possui uma estrutura análoga, só restaria explicar como e por que ocorre a mistificação e transformação de um apetite biológico em uma aspiração aparentemente não biológica. A gênese sexual das formas não sexuais do amor é posta por definição, e não demonstrada; portanto, sempre se poderá proceder de forma inversa para demonstrar que os desejos sexuais são, justamente, derivados de outro desejo, arbitrariamente considerado elementar. Se levarmos em conta a analogia das estruturas, discernível nos aspectos diversamente orientados do amor, a querela sobre a “primazia genética” de uma delas (por exemplo, a libido ou a Geltungstrieb) parece mais uma questão de palavras do que de experiência. Nosso raciocínio, portanto, ao estudar o amor místico, não atribui um lugar particular a um sentimento “terrestre” específico que explicaria sua gênese; ele apenas distingue e opõe o “amor do absoluto” aos sentimentos humanos reais, revelando que a gênese da absolutização do objeto do amor, e, portanto, a gênese da mística em geral, pode — talvez — ser buscada no próprio fenômeno-amor, sem especificar mais. É desnecessário acrescentar que não temos razão para atribuir ao objeto intencional do amor místico outro tipo de existência que não a existência intencional. No entanto, a presença desse objeto é importante para nós, já que a estrutura da intenção amorosa, como mencionado, contém uma tendência a deificar seu objeto; em outras palavras, a mistificação religiosa é uma virtualidade constante do sentimento erótico.
