Kolakowski (LKCE) – Abraham von Franckenberg
LKCE
Abraham von Franckenberg, cuja amizade — logo interrompida pela morte — foi conquistada pelo jovem Scheffler durante os dois primeiros anos de sua vida em Oels, era um homem de grande cultura intelectual, cujo espírito se aventurava muito além das imaginações religiosas comuns. Em suas terras familiares de Ludwigsdorff, não muito longe de Oels, onde passara a primeira parte de sua vida, ele havia assimilado, graças às suas leituras, a tradição da mística alemã. Conhecera pessoalmente Jacob Boehme e estava entre seus admiradores. As diversas observações desdenhosas que ele se permitia, referentes à fé luterana e às cerimônias rituais, haviam indispôs o clero local e o forçaram a partir primeiro para Breslávia e depois para Danzig, onde foi hóspede, por oito anos, do célebre Jan Hevelius. O astrônomo facilitou-lhe o estudo da cosmologia copernicana, da qual Franckenberg assimilou não apenas a versão científica, mas também a versão filosófica, tal como Giordano Bruno a havia desenvolvido, e que estava centrada no conceito de infinito. Seus conhecimentos matemáticos e químicos também se fundiram, em seu pensamento, com a tradição, que ele estudou escrupulosamente, das especulações cabalísticas, da filosofia alquimista e de todo o saber hermético da Renascença. Antes de retornar à Silésia, ele fez um desvio por Amsterdã, onde teria sido um dos iniciadores da edição das obras de Jacob Boehme; em 1649, ele voltou a se estabelecer em sua aldeia natal, para morrer três anos depois. Franckenberg é o exemplo perfeito dessa categoria de homens que, vivendo apenas para as questões religiosas, não pertenciam a nenhuma confissão. Seu conhecido acróstico: “Ego sum religionum COR, i.e. Catholicae, Orthodoxae, Reformatae” , expressava esse indiferentismo confessional, associado a uma religiosidade sentimental. Franckenberg havia emprestado sua imagem geral do mundo tanto da tradição do panteísmo espiritualista de Tauler e Weigel, quanto do naturalismo de Giordano Bruno e, finalmente, da alquimia alemã; sua moral de uma “Gelassenheit mística também se baseia em modelos espanhóis: Santa Teresa e São João da Cruz. O que o enoja no luteranismo, como foi o caso para a maioria dos dissidentes da Reforma em sua época, foi a doutrina da justificação pela fé tal como era comumente compreendida pela ortodoxia. A reunificação com Deus pelo amor, o total abandono do mundo criado, a renúncia à própria alma e vontade, o acesso à eternidade durante a vida temporal — esses são os temas mais difundidos nos escritos de Franckenberg; a indiferença por todo culto organizado, coletivo ou eclesiástico, é a consequência natural desse programa. No treno pela morte de seu amigo, escrito por Silesius, encontramos um resumo sucinto dessa doutrina que ele deveria retomar, assim como vemos: indiferença mística pelo tempo e seu fluxo, indiferença diante da diversidade das coisas, ideal consistindo em um desejo de entrar na eternidade imobilizada. A morte de Franckenberg, que deixou sua biblioteca como herança para seu amigo, marca o início de uma nova etapa na vida de Silesius. Imerso na leitura dos místicos, ele deseja difundir as ideias que assimilou e manifesta a intenção de publicar um pequeno livro com diversos textos místicos em tradução alemã (notadamente Louis de Blois e Constantin de Barbançon). A publicação não pôde ser feita, devido à intervenção do pregador da corte, que proibiu os impressores de editar a obra, impulsionado, como menciona Scheffler, pelo medo de ver os pastores e o duque de Oels acusados de simpatias por “entusiastas”. Cheio de amargura, não encontrando ninguém, na corte ducal, que apoiasse suas tendências religiosas, o poeta abandonou seu cargo de médico, foi para Breslávia e lá, após entrar em contato com os círculos católicos, abraçou logo solenemente a fé romana (12-VI-1653). O sentido dessa conversão, imediatamente justificado por Scheffler em um pequeno escrito apologético cheio de ódio pelos luteranos heréticos, não é de modo algum óbvio. Sabe-se, de fato, que a religiosidade mística, mesmo quando recorria a metáforas arriscadas, gozava então, dentro da Igreja Católica, de uma situação muito melhor do que entre os pastores luteranos ortodoxos; na Silésia, mais particularmente, a Contrarreforma, na primeira fase de seus esforços para trazer fiéis de volta a Roma, deveria demonstrar considerável tolerância e flexibilidade para com as diversas formas de religiosidade, se quisesse, com alguma eficácia, converter os cismáticos errantes à verdade. Todavia, Scheffler, no momento de sua conversão, acabara de receber o ensinamento de Franckenberg que, em seu cristianismo não confessional, adotava a mesma atitude despojada em relação a todas as formas de ortodoxia, organização eclesiástica e ritual; além disso, ele mesmo, como é comumente admitido hoje, já tinha em reserva os dois primeiros Livros, no mínimo, do Peregrino Querubínico, justamente aqueles cujo panteísmo, exposto sem o menor véu, não poderia ser conciliado com o dogma romano, mesmo recorrendo a uma exegese tão acrobática quanto se queira. Obviamente, pode-se dizer que, indignado e considerando-se ofendido pelo clero luterano, ele passou para o campo inimigo por despeito. Mas Jacob Boehme, a quem Georg Richter, durante um debate público, havia atirado sua bota na cabeça, não passou por essa razão para os “papistas”; e nem Franckenberg, a quem a perseguição dos pastores expulsou de sua pátria. Temos o direito de supor que Scheffler “faltava com caráter”, como se diz na linguagem comum, que era “mediúnico”, cedia facilmente à influência de outros e, ao mesmo tempo, tinha uma necessidade muito considerável de proteção e apoio. Ele assimilou a religião de Franckenberg e lhe deu uma forma extrema, definitiva. Buscou apoio nos católicos, e muito rapidamente — como veremos — negou seu passado e caiu no fanatismo mais desenfreado. Extremista por fraqueza de caráter, era um homem que se apropriava da ideia alheia e a reforçava ao máximo. A poesia de Scheffler, tanto a panteísta quanto a confessional, possui uma característica constante: a nostalgia de uma proteção sem falhas, a necessidade de não ser abandonado à sua independência, o desejo de viver uma vida que não fosse a sua, o desejo de depender de um poder superior total, que assumiria de bom grado cada elemento da existência humana e todos os seus afazeres. Seu caráter parece estar bem adequado ao programa da mística, ou seja, à ideia da salvação pelo completo abandono de sua própria alma. Em suma, nada mais banal do que o extremismo ideológico dos caracteres flutuantes e fracos; esse extremismo nada mais é do que a adoção de um princípio de tutela — dogma, doutrina, divindade, autoridade superior — como recurso a um extremo que, uma vez admitido, resolve imediata e univocamente cada coisa, não necessita de diferenciações, não necessita nem de reflexão nem de hesitação. É extremista aquele que sua própria hesitação o precipita em um abismo onde já não se poderia mais experimentar a hesitação.
