Kolakowski (LKCE) – Angelus Silesius, nostalgia da eternidade
LKCE O que nos interessa, porém, no caso de Silesius, não é a mera presença dessa oposição que se tornou um clichê: nunc stans — nunc currens, mas a presença de um modelo de pensamento religioso que não se satisfaz com a crença na existência extratemporal da divindade, nem com a crença na duração infinita da alma individual, mas que sente uma certa nostalgia da interminabilis vitae total simul et perfecta possessio que ele gostaria de tornar acessível a toda criatura humana. Trata-se, portanto, de superar não a finitude da existência humana, mas sua própria natureza temporal; de se livrar do defeito inerente ao homem pelo simples fato de estar submetido ao fluxo do tempo, e de diferenciar o que é “anterior” do que é “posterior”, e o “passado” do “futuro”, como modos de experiência diferentes; de suprimir, de forma geral, a relação de sucessão temporal. Em outras palavras, trata-se de identificar a coisa finita com a existência que ela tem, originalmente, como ideia no absoluto, ou ainda — uma vez que cada ideia no absoluto é idêntica a esse absoluto indivisível — de retornar à identidade primordial com Deus.
“Eu mesmo sou a Eternidade, quando abandono o tempo e me capto em Deus e Deus em mim” (I, 13).
Toda a filosofia de Silesius está contida nessa esperança. É uma esperança que supera infinitamente a mera perspectiva de uma vida libertada da finitude; deve ser, de fato, uma vida isenta do fluxo do tempo, na qual, consequentemente, tudo está ao mesmo tempo copresente da mesma forma e imediato da mesma forma. Do ponto de vista de uma eternidade assim compreendida, toda duração é igualmente ínfima: a criança nascida há uma hora é tão velha quanto Matusalém (II, 168); mas a rosa que olhamos aqui com nosso “olho exterior” floresce eternamente em Deus (I, 108). Pois cada coisa tem uma existência dupla: uma temporal, submetida ao fluxo do tempo, mortal, e outra eterna, sob a forma de sua própria ideia no absoluto divino. Essa existência eterna é a existência autêntica; somente o Ser extratemporal “é” no sentido em que Parmênides empregava essa palavra. O homem ou a “alma” “é” também dessa mesma maneira, mas nem sempre temos consciência correta dessa “forma de ser”. A eternidade está em nós, saibamos ou não, desejemos ou não:
“A eternidade nos é tão íntima e comum, Queremos ou não, temos que ser eternos” (V, 235). Tomar consciência da própria eternidade é o mesmo que possuí-la. A alma que conseguiu se desapegar de seu apego às coisas finitas também se liberta da coerção do fluxo do tempo; ela está “acima de todo tempo” e, vivendo ainda neste mundo, já vive na eternidade (V, 127). Pode dizer de si mesma que em seu “agora” todo o seu passado está contido, todo o seu futuro se extinguiu, e que ela existe nessa unidade imobilizada na qual existia em Deus, antes de ter assumido uma forma mortal. “Ela toma o tempo sem tempo”, tornando-se indiferente ao fluxo das horas que passam ao seu lado, sem nunca tocá-la. O homem deve, portanto, tornar-se quem ele é, não no sentido de que conduza sua existência virtual à atualidade, mas que transforme sua existência aparente e instável em existência autêntica; sua existência não é uma “potencialidade” que espera ser realizada, mas a única realidade, escondida de nossa percepção pela cortina enganosa do “olhar exterior”. A alma tem dois olhos — um voltado para a eternidade, outro voltado para o tempo (III, 228). No entanto, não são olhares com as mesmas prerrogativas, assim como as realidades a que se referem, e das quais apenas uma merece o nome de realidade. Mais ainda, depende apenas de nós que a diferença entre “o Tempo” e “a Eternidade” exista ou que se tornem uma só e mesma coisa (I, 47). Se, verdadeiramente, “o Tempo é Eternidade”, isso equivale a dizer que o Tempo não é, que é aparente ou que é uma espécie de realidade inautêntica, que está em nosso poder desmascarar. Em Deus que é “Presente Eterno” (I, 133), o tempo e o espaço, o presente e a eternidade são “no fundo” (im Grunde) a mesma coisa (I, 177), e “o homem essencial” (ein wesentlicher Mensch) é imutável, assim como a eternidade (II, 71), dentro da qual “antes” e “depois” se fundiram em um mesmo ponto, e onde tudo o que deve acontecer “no tempo” já ocorreu desde toda a eternidade (II, 182). Essa eternidade, que nada sabe de anos, dias, horas (II, 65; Y, 63), não pode ser “contada”; não é isto ou aquilo, não é “algo” nem “nada” (nicht Ichts, nicht Nichts — II, 153). É visível que essa existência paradoxal onde tudo é idêntico no repouso primordial não pode ser verdadeiramente descrita com palavras. Se “Deus é um puro nada”, precisamente porque nenhum “agora” nem nenhum “aqui” o concerne (I, 25, 111, 200), e se, por outro lado, pode-se chamar da mesma forma “nada” o homem ou qualquer coisa finita (V, 5), esse “nada” significa outra coisa em cada caso. Deus é nada, quando o opomos a tudo o que se pode dizer em princípio que é “algo”, e, portanto, que possui qualquer traço determinante que o diferencia das outras coisas, que está submetido a uma determinação que permite dar-lhe um nome. Para a nossa linguagem, Deus se revela em sua negatividade — como para toda a tradição do pseudo-Dionísio — já que a palavra se aplica apenas à coisa, e, portanto, ao que, como finito e definido, pode ser medido. Por outro lado, porém, a determinação é negação, o ser finito é “nada” a partir do momento em que passa, pois “o que passa não é” (VI, 43). A criatura definida pelo tempo diminui até o nada, se comparada ao mundo eterno. O “nada” como mundo das coisas limitadas, e o “nada” como não-limitação precisamente, organizam essa estrutura bipolar da vida humana, enquanto a tensão entre essas duas formas incomensuráveis do Ser, designadas pelo mesmo termo, cintila na malabarismo verbal dos paradoxos de Silesius. O homem que ama “algo” não ama nada, pois Deus é precisamente “algo”; mas quem ama o “nada” ama muito, pois Deus é “nada” (I, 44-45), imobilidade perfeita, privada de vontade e desejo (I, 76, 294), privada de nome (II, 51; V, 41), absolutamente idêntica a si mesma, e, portanto, também a cada coisa que, em sua existência, conserva esse modelo divino original:
“Em Deus tudo é Deus: o menor vermezinho Em Deus é tanto quanto mil deuses ser” (II, 143). A observação de Silesius, de que se pode tanto dar a Deus um nome arbitrário quanto recusar-lhe todos os nomes (V, 196) — é quase uma citação do pseudo-Dionísio — é, portanto, compreensível. A partir do momento em que cada coisa é idêntica a Deus em sua existência extratemporal, Deus é também idêntico a cada coisa: “Deus não ama a multiplicidade” (V, 149); a partir do momento em que todas as nossas palavras são copiadas da imagem das coisas finitas, e que estas, como finitas, são “nada” em relação à eternidade, cada nome aplicado a Deus é, portanto, mal aplicado:
“Deus é espírito, fogo, essência e luz, Mas, novamente, Ele também não é nada disso para nós” (IV, 38).
