Gorceix (BGFA) – Angelus Silesius, tempo e eternidade
BGFA
O esquema clássico das relações do tempo e da eternidade é desmantelado, depois de ter sido rapidamente exposto. Se em um primeiro momento, de fato, parece que Deus e o diabo se opõem no homem como eternidade e tempo, com a sutil distinção em V, 74 da eternidade e do tempo eterno, se o esforço do homem é de se desapegar do tempo para apreender a eternidade, lemos em outro lugar que tempo e eternidade são idênticos para Deus (I, 47). O mesmo acontece com a meditação sobre o amor, fonte do ato criador, que é atacada! Deus vive em uma perpétua fruição que é indiferença (II, 190), ele só pode amar a si mesmo, e ninguém mais (V, 34):
Deus ama só a Si. Deus que a Si mesmo se ama, a tal ponto se compraz Que não pode, fora de Si, amar jamais. O significado do nascimento e da morte de Jesus é então consideravelmente reduzido. O Cristo histórico perde todo valor, pois a cruz do Gólgota é impotente (I, 62)! Essas fórmulas-limite que concernem ao papel do conhecimento em Deus, ao bem e ao mal em Deus, à teleologia do ato criador, ao lugar do homem diante de Deus, ao tempo e à eternidade, ao papel do amor em Deus, não são nada diante daquelas que atacam a definição da especificidade das relações do homem e de Deus na união mística. Aí certamente a tensão do pensamento se revela com mais força, tanto mais que, em relação a Mestre Eckhart e Tauler, a especulação sobre o ganster, sobre o selenjünkelin, sobre o fundo da alma, sobre o ápice, está totalmente ausente. Para os místicos do século XIV, a participação do homem na geração do Verbo se opera certamente aqui e imediatamente. A presença do que não é um organismo espiritual, mas ainda assim uma parte nobre de nossa alma, pela qual ela acede à luz divina, não evita uma assimilação muito brutal entre o criado e o incriado. Em Johannes Scheffler, como já em Valentin Weigel, o guardião desapareceu: o homem, e não apenas a alma, é confrontado diretamente com Deus. O próprio corpo é arrastado para o arrebatamento supremo. Assim, as proposições se multiplicam, do livro I ao livro V, que defendem a grandeza, a divindade e, ainda mais, a superioridade sobre Deus do homem eleito, do cristão, do homem nascido uma segunda vez e, na maioria das vezes, do homem puro e simples (Mensch) e do eu (Ich). Essa exageração do papel do homem, que impressionou os comentaristas com razão, opera-se em três momentos. No primeiro, um postulado se desenvolve a partir de um curioso silogismo: o homem é grande apenas na medida em que, pelo espírito, pode elevar-se até Deus; ora, ele pode, portanto, é tão grande, tão vasto quanto Deus. Deus e o homem, portanto, são idênticos, iguais. A explicitação dessa condição-limite é facilitada na maioria das vezes pelo uso de qualificadores que é possível atribuir aos dois seres: a riqueza (o dístico I, 14 tem como título: “O cristão é tão rico quanto Deus”), o envelhecimento (II, 33), a amplitude também, gostaríamos de poder dizer: a vastidão, em alemão: breit:
Sou tão vasto quanto Deus. Vasto sou como Deus. Milagre! Não vejo Nada de todo o universo, que me contenha em si (I, 86). Ora termos abstratos unidos a símbolos, abismo e espírito principalmente, dão conta da semelhança perfeita: o maravilhoso dístico I, 68 compara os dois abismos, o de meu espírito e o de Deus, para terminar com a interrogação retórica: qual tem mais profundidade? Ora uma imagem tradicional é invertida, e a nobreza humana se destaca ainda mais: não é mais Deus que é a fonte. Os rios da emanação e da reversão não nascem mais na deidade, eles jorram em nós. Sou eu, diz I, 179, que sou pura e simplesmente a fonte-manancial de Deus (Der Brunnquell Gottes). Em outro momento, essa identidade das naturezas e das essências não é mais colocada como definitivamente adquirida, mas como sempre possível, sempre realizável. Um número importante de dísticos expõe que atingimos na união a perfeição de Deus. O estado de glória não é mais então reservado a um além eterno, ele pode ser já e perfeitamente realizado no tempo! I, 51, 52 e 79 eliminam toda ambiguidade: na quietude sabática, podemos alcançar a igualdade de Deus (Gottes Gleichheit). Como o grão de mostarda, crescemos, e o termo desse crescimento é: tornamo-nos iguais a Deus (Gotte gleich), pois não há dúvida: é impossível nos negar essa perfeição que Deus possui. O que o poeta insiste particularmente em um terceiro momento ainda supera essas constatações: Deus e o homem não são apenas idênticos, ou não o se tornam permanentemente, pela repetição do dom do amor por Deus e pela ascese sustentada pela graça; o homem é também a própria condição da existência de Deus, ou mesmo da deidade! Nós não precisamos tanto de Deus quanto Deus precisa de nós. Em suma: nosso papel é imenso. Deus não nos cria, de fato, tanto por amor quanto por necessidade. Ele não pode fazer de outra forma, ele é forçado a isso. Assim, ele depende de nós, assim ele nos é submisso. Somos a coisa suprema, das höchste Ding (I, 204), porque podemos, no rigor, viver sem Deus, enquanto Deus, ele, é incapaz de viver sem nós. A meditação utiliza todos os recursos de estilo. Às vezes, a afirmação linear do título: “Deus não pode viver sem mim” (I, 8) se desenvolve em ponta, depois de ter se precisado no primeiro verso. Deus não pode viver sem nós, nem mesmo por um instante (ein Nu), e, muito mais: se eu morrer, ele morrerá. Podemos até matar Deus, pensamento que reencontramos no início do livro III, no dístico 37: “Deus morre de medo, ao pensar que não o queremos mais”. Às vezes é definido o que o homem traz a Deus, a carência em Deus (I, 229 usa o verbo: mangeln) que ele preenche. Seja a possibilidade de criar em primeiro lugar (sem meu apoio, Deus morreria, porque não poderia mais realizar o menor verme, I, 96). Seja uma ajuda propriamente dita essencial (nós ajudamos Deus a manter seu ser, a sustentá-lo (hegen), I, 100); seja poderes ou qualidades que ele perderia, se nós desaparecêssemos, o espírito, o coração e os sentidos de que fala I, 259, ou essas cores necessárias ao indeterminado. Acrescentamos, diz magnificamente o dístico, I, 115, “os tons aos pálidos mares da deidade”. Mais ainda, é existir que permitimos a Deus. O pouco que ele se torna, ele nos deve, senão seria puro nada (I, 200). Ele se perdeu, ele se reencontra em nós (I, 201). Seu fim, seu começo, é no homem que ele os encontra (I, 276): o que é importante, não é tanto que eu comece em Deus, que eu termine nele, mas que Deus comece e termine em mim. Somos, portanto, ao mesmo tempo a mãe, a noiva, o filho e o esposo de Deus (I, 157), Deus quer tudo o que eu quero que ele seja (I, 184), ou com uma nuance: ele é o que nós queremos que ele seja (III, 141). Em uma palavra, se somos seus criadores, podemos ser também seus algozes, assim como somos e podemos ser os “salvadores das coisas” (II, 66).
