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Gorceix (BGFA) – Angelus Silesius, panteísmo e monismo

BGFA

A segunda crítica diz respeito ao debate considerado fundamental entre panteísmo e monismo, cuja presença sinceramente duvidamos. Notemos, primeiramente, que Leszek Kolakowski tenta de boa-fé dar ao termo, cuja “nebulosidade” ele reconhece com razão, uma definição rigorosa: o panteísmo é “uma doutrina… que pressupõe a presença de uma dependência existencial necessária, ligando em dupla reciprocidade e intencionalmente o absoluto indivisível e o conjunto das coisas finitas diferenciadas… O ser absoluto é único, o mundo das coisas depende dele quanto ao seu ser, confere uma espécie de unidade orgânica a todo o conjunto dos objetos… o absoluto não relativizado… é idêntico ao nada”. Mas essa definição não se aplica a todas as místicas, e à maioria das metafísicas? Não se pode resumir, graças a ela, a totalidade das tentativas que tentam expressar em termos metafísicos uma noção especulativa da divindade? A esse título, Plotino, Tomás de Aquino, Jacob Böhme e até Descartes seriam panteístas. Alexandre Koyré denunciou o clichê panteísta: “Na realidade, nada é mais raro na história do que um verdadeiro panteísmo, e nada dele se distingue mais do que a mística”. Certamente, a corrente neoplatônica encerra uma dificuldade interna, quando busca resolver, no esquema geral da processão do Um para o múltiplo e da reversão que reintegra a multiplicidade na Unidade, a questão das relações de Deus e da natureza. Johannes Scheffler, no entanto, não a refuta menos, operando como Sebastian Franck e Weigel, como Daniel Czepko também, com a “noção — ou a categoria — de expressão” que o autor dos Paradoxa Ducenta octoginta, como ele, baseia-se na distinção do Deus em si, não expresso, e do Deus expresso. Este último está intimamente presente no Verbo, no mundo e no homem; mas, por um lado, esse Deus é sempre diferente do Deus absoluto, da deidade insondável que, por sua vez, está além de toda medida e de todo fundo (I, 44). Por outro lado, o místico diz claramente que se o mundo está presente em Deus e se a rosa é eterna (I, 108), não é o mundo e a rosa que são inerentes e idênticos a Deus, mas apenas o arquétipo, a razão ideal que participam da e da eternidade. Nessa ontologia, afinal, muito tradicional, a meio caminho entre o arcabouço dos temas platônicos e o exemplarismo escolástico, o mal também não é uma dificuldade insuperável. Sem dúvida, sua realidade afirma-se em termos cuja dureza pode chocar. O autor, porém, não cai de forma alguma em um dualismo que teria sido compreensível no amigo do biógrafo de Jacob Böhme. Mais uma vez, a tradição mística prevalece sobre as tempestades metafísicas. O mal se encaixa sem dificuldade no esquema da expressão — conhecimento — criação. É a variante cristã enxertada no arcabouço platônico. No movimento circular que traz de volta, depois de tê-la liberado, a totalidade do criado para o incriado, é o acidente, afinal de contas, sem importância, que é a marca da liberdade fundamental do criado e da influência de Satanás. Ele não tem, a esse título, realidade essencial. Ele nasce (entsteht), diz claramente I, 129, de ti. É apenas nossa obra e só pode concernir a Deus que ele toca apenas em nós e enquanto somos seus filhos (V, 328). É apenas uma forma de nossa egoicidade. Em suma, tão longe do panteísmo, ao qual ele escapa por sua reflexão sobre a expressão, sobre o esse formale e sobre a oposição deidade — Deus, quanto do dualismo no qual a concepção do mal — acidente evita que ele afunde, nosso autor, longe das contradições que os dois críticos querem levantar nele, se por vezes reage aos ecos dos grandes debates de seu tempo — pensemos em Giordano Bruno, em Jacob Böhme e na teodiceia leibniziana — ele se enquadra, afinal, na linhagem dos místicos tradicionais.

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