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Gorceix (BGFA) – Angelus Silesius, imagens e lirismo

BGFA

O florescimento das imagens pode nos aparecer como um primeiro elemento pelo qual o místico e poeta da segunda metade do século XVII enriquece a tradição reno-flamenga, dando-lhe o suporte do linguajar lírico. Encontramos também no Peregrino Querubínico outra tendência da mística germânica do século XIV desenvolvida e amadurecida. Em cada um dos domínios da especulação ascética e contemplativa, na determinação das qualidades necessárias, na definição dos personagens do drama contemplativo — Deus, o homem, a alma, Maria, o diabo —, na descrição das diferentes formas de união e suas consequências, o autor não se contenta em descrever e explicar, buscando os termos mais apropriados. A cada vez e sempre de novo, ele tenta levar sua reflexão ao extremo, estendê-la o máximo possível, resumindo-a, condensando-a, a fim de atrair, ou até chocar o leitor, mas sobretudo para lhe sugerir a novidade radical, o caráter verdadeiramente transformador da união mística. Esse gosto por fórmulas-limite, que para Mestre Eckhart teve consequências desfavoráveis em seus relacionamentos com a Igreja de seu tempo, floresce com uma força particular no místico silesiano na aurora das luzes. Quer ele insistir na oposição do Deus criador e de uma deidade incriada que ele chama de sobre-deidade? Ele não teme em colocar em Deus como um defeito e uma imperfeição maiores: Deus, de fato, “não conhece fim”, ele não encontra, mesmo na eternidade, um termo para sua deidade (I, 41), ele é mesmo, diz em outro lugar uma bela fórmula (I, 263), incapaz de sondar a si mesmo: Gott forscht sich niemals aus. O Deus cristão é tradicionalmente o justiceiro, aquele que decide o bem e o mal, que funda a esperança em um mundo onde reina a iniquidade. Para Johannes Scheffler, a deidade não pode “sentir o pecado”! O dístico 328 do livro V tem o título: “O pecado não aflige Deus” (notemos que o texto modifica a proposição, mas não totalmente: Deus sofre certamente do pecado, a deidade sozinha não sente nenhum incômodo, incapaz que é de experimentar qualquer afeto!). As relações do homem e de Deus, o papel que Deus tem para o homem, são expressas de forma muito negativa: o místico declara, por exemplo, sem rodeios no livro V, no décimo sexto dístico, que Deus não está absolutamente preocupado com nossos atos. Ao contrário do Gênesis, que coloca o homem no centro da criação, nosso autor constata que Deus coloca no mesmo nível o homem e a mosca (I, 127). Toda a teleologia do ato criador é posta em dúvida: Deus certamente se torna o que lhe apraz, ele age segundo seu próprio desejo e cumpre sua vontade. Mas, em si, ele não tem forma nem propósito, ele é: unförmlich und ohne Ziel (V, 358). O dom de Deus é, afinal, apenas um jogo, e um jogo totalmente egoísta, pois é para Deus mesmo que Deus se diverte em se dar:

É apenas um divertimento que Deus quer dar a Si Inventando o criado só para agradar Seus olhos (II, 198).

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