Ambrosio Sacramentos IV 15-29
Ambrósio de Milão — Os Sacramentos Excertos da tradução de D. Paulo Evaristo Arns de “Os Sacramentos e os Mistérios” OS SACRAMENTOS E OS MISTÉRIOS Livro Quarto (15-29)
15 Qual é esta palavra de Cristo? Pois bem. É aquela pela qual todas as coisas foram feitas. O Senhor deu ordem e se fez o céu. O Senhor deu ordem e se fez a terra. O Senhor deu ordem e se fizeram os mares. O Senhor deu ordem e todas as criaturas foram geradas. Percebes, portanto, quanto é eficaz a palavra do Cristo. Se, pois, existe tamanha força na Palavra do Senhor Jesus, a ponto de começarem as coisas que antes não existiam, quanto mais eficaz não deve ser para que continuem a existir as que eram, e sejam mudadas em outra coisa? O céu não existia, não existia o mar, não existia a terra, mas ouve a Davi que diz: Disse ele e foram feitas, deu ordem e foram criadas.
16 Assim, pois, para dar-te uma resposta, antes da consagração não era o corpo de Cristo, mas após a consagração, posso afirmar-te que já é o corpo de Cristo. Ele falou, e foi feito, Ele deu ordem, e foi criado. Tu mesmo existias, mas eras uma antiga criatura; depois de seres consagrado, começaste a ser nova criatura. Queres saber quanto é nova a criatura? Todo aquele que está no Cristo, diz-se, é nova criatura.
17 Escuta, pois, como a palavra do Cristo costuma mudar todas as criaturas e muda, quando quer, as leis da natureza. Tu perguntas: como? Escuta e, em primeiríssimo lugar, tomemos o exemplo que nos vem da geração: normalmente não é gerado um homem, a não ser por um homem e uma mulher, em consequência das relações conjugais. Mas, porque o Senhor o quis, porque escolheu este mistério, nasceu do Espírito Santo e da Virgem, Cristo, isto é, o Mediador entre Deus e os homens, o Homem Jesus Cristo. Vês, pois, que, contrariamente às leis e à ordem da natureza, um homem é nascido de uma Virgem.
18 Escuta um outro exemplo. O Povo de Israel era pressionado pelos egípcios; estava cercado pelo mar. Por ordem de Deus, Moisés tocou as águas com um bastão e a corrente se dividiu claro, não segundo seu hábito natural, mas segundo a graça de uma ordem celeste. Escuta outro exemplo: o povo tinha sede; chegou a uma fonte. A fonte era amarga. São Moisés colocou um lenho na fonte, e esta, que era amarga, tornou-se doce, quer dizer, mudou o hábito natural e recebeu a doçura da graça.m Escuta ainda um quarto exemplo: O ferro de uma machadinha caíra n'água, afundou como ferro, segundo a sua natureza. Eliseu lançou um lenho n'água, imediatamente o ferro subiu e boiou por sobre as águas1), evidentemente contra o hábito do ferro, pois é matéria mais pesada do que o elemento das águas.
19 Não percebes, desses exemplos todos, quanto realiza a Palavra celeste? Se ela atuou numa fonte terrestre, se a palavra do céu atuou em outras coisas, não atuaria ela nos sacramentos celestes? Assim aprendeste que do pão se faz o Corpo de Cristo e que é vinho — e água — que se coloca no cálice, mas pela consagração celeste se torna sangue.
20 Talvez digas ainda: não vejo a aparência do sangue. Mas é dele o símbolo2). Da mesma forma como aceitaste o símbolo da morte3), assim também bebes o símbolo do precioso sangue, a fim de que não haja nenhuma repugnância pelo sangue que corre e que, no entanto, se produza o preço da redenção. Aprendeste, pois, que aquilo que recebes é o Corpo de Cristo.
21 Desejas saber como por palavras celestes se consagra? Eis as palavras: Concede-nos, diz o sacerdote, que esta oferenda seja aprovada, espiritual4), agradável, porque é a figura do corpo e do sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, que na véspera de sua Paixão tomou o pão em suas santas mãos, levantou os olhos ao céu, para Ti, Pai Santo, Deus Onipotente e Eterno, abençoou dando graças, o partiu e depois de partir deu aos apóstolos e a seus discípulos, dizendo: Recebei e comei todos dele, pois isto é o meu corpo, que será rompido em favor de muitos.
22 Continua atento: Da mesma forma, também tomou o cálice, depois da ceia, às vésperas de sua Paixão, levantou os olhos ao céu, para Ti, Pai Santo, Deus Onipotente e Eterno, abençoou dando graças, e entregou-o aos apóstolos e a seus discípulos, dizendo: Recebei e bebei dele todos, pois isto é o meu sangue. Vê, todas estas palavras são do evangelista, até recebei o corpo ou o sangue; a partir daí são palavras de Cristo: Recebei e bebei dele todos, pois isto é o meu sangue.
23 Repara ainda em cada pormenor. Nas vésperas da paixão, diz-se aí, tomou o pão em suas santas mãos. Antes que seja consagrado é pão; quando, no entanto, sobrevêm as palavras de Cristo, é o Corpo de Cristo. Ouve-o, enfim, dizer: Recebei e comei todos dele, pois isto é o meu corpo. Também antes das palavras de Cristo é cálice cheio de vinho e água; quando as palavras de Cristo produziram efeito, aquilo se torna sangue para a redenção do povo. Vede, pois, de que maneiras a Palavra de Cristo é capaz de transformar tudo. Acresce que foi o próprio Senhor Jesus que no-lo garantiu: recebemos o seu corpo e sangue. Deveríamos, por acaso, duvidar da autoridade e do testemunho dele?
24 Volta, agora, comigo para o assunto que temos em vista. Foi, sem dúvida, grande coisa e digna de respeito o maná ter caído do céu como chuva, em favor dos judeus. Mas reflete: o que é maior, o maná do céu ou o corpo de Cristo? Evidentemente, o corpo de Cristo, que é o autor do céu. Afinal, quem comeu o maná morreu; quem comer este corpo receberá a remissão dos pecados e nunca mais morrerá.
25 Não é, pois, sem motivo que tu dizes: Amém, reconhecendo já, em espírito, que recebes o corpo de Cristo. Quando te apresentas para pedi-lo, o sacerdote te diz: Corpo de Cristo. E tu respondes: Amém, quer dizer, É verdade. Aquilo que a língua confessa, conserve-o o afeto. No entanto, para saberes: é este o sacramento, precedido pela figura.
26 Reconhece ainda a grandeza deste sacramento. Repara no que Ele diz: Cada vez que o fizerdes, fá-lo-eis em minha memória, até que eu volte.
27 E o sacerdote acrescenta: Lembrando-nos, pois, de sua gloriosíssima Paixão e da Ressurreição dos infernos e da Ascensão ao céu, nós Te oferecemos esta Hóstia imaculada, Hóstia espiritual, Hóstia incruenta, este pão santo e o cálice de vida eterna5), e Te pedimos e suplicamos que recebas esta oblação pelas mãos dos teus anjos no teu altar do alto, assim como Te dignaste receber os dons de Teu servo o justo Abel e o sacrifício de nosso Patriarca Abraão, como também Te ofereceu o sumo-sacerdote Melquisedeque6).
28 Cada vez, pois, que o recebes, que te diz o Apóstolo? Cada vez que o recebemos, anunciamos a morte do Senhor. Se anunciamos a morte do Senhor, anunciamos a remissão dos pecados. Se cada vez que se derrama o sangue, ele se derrama para a remissão dos pecados, devo recebê-lo sempre, para que sempre me perdoe os pecados. Eu, que sempre peco, devo ter sempre o remédio.
29 Até o momento, e também hoje, explicamos o que foi possível. Mas amanhã e sábado, como também domingo, falaremos da oração do Senhor e da ordem de rezar, quanto for possível. Que o Senhor, nosso Deus, vos conserve a graça que vos deu e que vos abra sempre mais os olhos que se dignou iluminar pelo seu Filho único, Rei e Salvador, Senhor e Deus nosso, por Quem e com Quem recebe louvor, honra, glória, majestade, poder, com o Espírito Santo, desde sempre, agora e para sempre, pelos séculos dos séculos. Amém.
