Tanquerey Temor
Tanquerey — Compêndio de Teologia Ascética e Mística
IV. O dom de temor.
1335. 1.° Natureza. Não se trata aqui do medo de Deus que, à lembrança dos nossos pecados, nos inquieta, nos entristece ou nos agita, Nem tão-pouco se trata do amor do inferno, que basta para, iniciar uma conversão, mas não para consumar a nossa santificação. Trata-se do temor reverencial e filial que nos leva a ter horror a qualquer ofensa de Deus.
O dom de temor aperfeiçoa juntamente as virtudes da esperança e da temperança: a virtude da esperança fazendo-nos temer desagradar a Deus e ser dele separado; a virtude da temperança, desapegando-nos dos falsos prazeres que nos poderiam separar de Deus.
Pode-se, pois, definir um dom que inclina a nossa vontade ao respeito filial de Deus, nos afasta do pecado, enquanto lhe desagrada, e nos faz esperar no poder do seu auxílio.
1336. Compreende três actos principais: a) um vivo sentimento de grandeza de Deus, e por conseguinte, um extremo horror dos menores pecados que ofendem a sua infinita Majestade. «Não sabes, dizia o Senhor a Santa Catarina de Sena (Diálogue, L. I, ch. 2, p. 9, éd. Hurtaud) que todas as penas, que a alma suporta ou pode suportar nesta vida, não bastam para punir nem sequer a mais pequenina falta? A ofensa que me é feita a mim, Bem infinito, exige uma satisfação infinita. Eis o motivo por que eu quero que saibas que todas as penas desta vida não são uma punição senão uma correção…» É isto o que haviam compreendido os Santos, que se exprobravam amargamente as suas mais pequeninas faltas, e jamais cuidavam haver feito bastante para as reparar, b) Uma viva contrição das menores faltas cometidas, por haverem ofendido um Deus infinito e infinitamente bom; donde nasce um desejo ardente e sincero de as reparar, multiplicando actos de sacrifício e amor 1).
c) Um cuidádo vigilante de evitar as ocasiões de pecado, como se foge duma serpente: «quasi a facie cotubri fuge peccata» (Eccli. XXI, 2), por conseguinte, uma grande atenção em querer conhecer em tudo o beneplácito de Deus, para com ele conformar a nossa vida.
É evidente que, procedendo assim, se aperfeiçoa a virtude da temperança, evitando os prazeres velados, e a da esperança, elevando os olhares para Deus com filial confiança.
1337» 2.° Necessidade. A) Este dom é necessário para evitar a demasiada familiaridade com Deus. Pessoas há que são tentadas a esquecer a grandeza de Deus e a infinita distância que nos separa dele, e a tomar com Ele e com as coisas santas liberdades inconvenientes, a falar-lhe com excessiva ousadia, a tratar com Ele como de igual para igual. É certo que o próprio Deus convida certas almas a uma doce intimidade, a uma familiaridade estupenda; mas é a Ele que compete tomar a dianteira, e não a nós. O temor filial, aliás, de forma alguma impede aquela terna familiaridade que se vê em alguns Santos 2).
B) E não é menos útil este dom para nos preservar, em nossas relações com o próximo, sobretudo com os nossos inferiores, dessas maneiras altivas e orgulhosas que se avizinham muito mais do espírito pagão que do espírito cristão; o temor reverenciai de Deus, que é pai deles como é nosso pai, far-nos-á exercer a nossa autoridade modestamente, como cumpre a quem a não tem de si mesmo, senão de Deus.
1338. 3.° Meios de cultivar este dom. A) Importa meditar frequentemente a ¡infinita grandeza de Deus, os seus atributos, a sua autoridade ¡sobre nós; e considerar, à luz da fé, o que é o pecado que, por mais leve que seja, é ainda uma ofensa à infinita majestade de Deus, Então, não poderemos deixar de conhecer um temor reverenciai para com o Supremo Senhor que não cessamos de ofender: «confige timore tuo carnes meas: a iudiciis enim tais timui» (Ps. CXVIII, 120); e, quando aparecermos diante dele será com um coração contrito e humilhado.
B) Para alimentar este sentimento, é bom fazer com cuidado os exames de consciência, excitando-nos ainda mais à compunção do que ao exame minucioso das próprias faltas: «cor contritum et humiliatum, Deus, non despides» (Ps. L, 19). E, para alcançar a pureza de coração mais perfeita, convém unir-se, incorporar-se mais e mais em Jesus penitente: quanto maior for a parte que tivermos no seu ódio ao pecado e nas suas humilhações, tanto mais completo será o nosso perdão.
NOTAS:
