O leitor encontrará que a natureza física e elementar atual é apenas um resíduo e uma alteração de uma natureza anterior, que o autor chama de natureza eterna; que esta natureza atual formava outrora em toda a sua circunscrição, o império e o trono de um dos príncipes angélicos, chamado Lúcifer; que este príncipe, não querendo reinar senão pelo poder do fogo e da cólera, e pôr de lado o reino do amor e da luz divina, que deveria ter sido sua única tocha, incendiou toda a circunscrição de seu império; que a sabedoria divina opôs a este incêndio uma potência temperante e refrigerante que contém este incêndio sem extingui-lo, o que faz a mistura do bem e do mal que se nota hoje na natureza; que o homem formado ao mesmo tempo do princípio do fogo, do princípio da luz, e do princípio quintessencial da natureza física ou elementar, foi colocado neste mundo para conter o rei culpado e destronado; que este homem, embora tivesse em si o princípio quintessencial da natureza elementar, devia mantê-lo como absorvido no elemento puro que compunha então sua forma corporal; mas que, deixando-se mais atrair pelo princípio temporal da natureza do que pelos outros dois princípios, ele foi dominado, a ponto de cair no sono, como disse o tal Moisés; que, encontrando-se logo superado pela região material deste mundo, ele deixou, ao contrário, seu elemento puro ser engolido e absorvido na forma grosseira que nos envolve hoje; que por isso ele se tornou o sujeito e a vítima de seu inimigo; que o amor divino que se contempla eternamente no espelho de sua sabedoria, chamada pelo autor, a virgem SOFIA, percebeu nesse espelho, em que todas as formas estão contidas, o modelo e a forma espiritual do homem; que ele se revestiu dessa forma espiritual, e em seguida da própria forma elementar, a fim de apresentar ao homem, a imagem do que ele havia se tornado e o modelo do que ele deveria ter sido; que o objeto atual do homem na terra é de recuperar no físico e no moral sua semelhança com seu modelo primitivo; que o maior obstáculo que ele encontra é a potência astral e elementar que engendra e constitui o mundo, e para a qual o homem não foi feito; que o engendramento atual do homem é um sinal eloqüente dessa verdade, pelas dores que em sua gravidez as mulheres experimentam em todos os seus membros, à medida que o fruto se forma nelas, e atrai todas essas substâncias astrais e grosseiras; que as duas tinturas, uma ígnea e outra aquática, que deveriam ser reunidas no homem e se identificar com a sabedoria ou a SOFIA, (mas que agora estão divididas), se procuram mutuamente com ardor, esperando encontrar uma na outra essa SOFIA que lhes falta, mas só encontram o astral que as oprime e as contraria; que somos livres de restituir por nossos esforços ao nosso ser espiritual, nossa primeira imagem divina, como de deixá-lo tomar imagens inferiores desordenadas e irregulares, e que são essas diversas imagens que farão nossa maneira de ser, isto é, nossa glória ou nossa vergonha no estado a vir, etc. PRIMEIRA PARTE - Da Natureza Mas se, sem ter penetrado em todas as profundezas que ele pode oferecer à sua inteligência, não estiver pelo menos firmado nos principais pontos que fiz passar em revista diante de seus olhos; se ainda duvida da sublime natureza do seu ser, embora no simples exame que quiser fazer, possa perceber em si sinais tão marcantes; se não estiver igualmente convencido de sua degradação escrita em letras de fogo nas inquietações de seu coração, assim como nos tenebrosos delírios de seu pensamento; se não sente que sua obra absoluta e exclusiva é de consagrar todos os seus momentos à reabilitação do seu ser no gozo ativo de todos esses antigos domínios da verdade que deveriam pertencer-lhe por direito de herança, não vá mais longe, meu escrito não tem por objetivo estabelecer de novo todas essas bases; elas foram estabelecidas anteriormente com solidez. PRIMEIRA PARTE - Da Natureza É ali que, por seus gemidos e seus sofrimentos, atrai sobre si a substância do sacrifício, sobre a qual o fogo do Senhor não pode deixar de descer, e deve ao mesmo tempo consumir a vítima e vivificar o sacrificador, enchendo-o de poderosos apoios, ou de contínuas virtualidades para prosseguir a universalidade de sua obra. PRIMEIRA PARTE - Da Natureza Pois todos esses princípios ativos do nosso ser são tão oprimidos pelo peso do universo, e tão ressecados pelo fogo que os queima interiormente, que esperam, na ardência de sua impaciência, o único refresco que possa lhes devolver o movimento e a atividade. PRIMEIRA PARTE - Da Natureza Por aí evitaria esse inconveniente tão funesto e tão frequente em nossas trevas, pelo qual sufocamos cada vez mais essa fome divina em nós, por nossos alimentos, enquanto nossos alimentos só deveriam servir para renovar nossas forças corporais, para buscar em seguida mais ardentemente essa fome divina, e para suportar o fogo quando ela viesse a se acender em nós em toda a sua força, e a nos substanciar tanto, que nossa fome corporal se tornasse menos premente por sua vez. PRIMEIRA PARTE - Da Natureza Mas embora a natureza esteja condenada ao tédio e ao silêncio, observe no entanto que ela fala mais alto de dia do que de noite; verdade que a menor experiência lhe confirmará, e sua inteligência lhe ensinará facilmente a razão; ela lhe ensinará que o sol é o verbo da natureza, que quando ele a priva de sua presença, ela não goza mais do uso de suas faculdades; mas que quando ele vem lhe trazer a vida por sua palavra de fogo, ela redobra seus esforços para manifestar tudo o que está nela. PRIMEIRA PARTE - Da Natureza Ela busca em você o fogo vivo que se exala dessa palavra, e que quer trazer por você um bálsamo salutar em todas as suas feridas. PRIMEIRA PARTE - Da Natureza A terceira forma, ele a chama de angústia, porque a vida é comprimida pela violência das duas potências anteriores; mas, em seu choque, a adstringência atenua-se, adocica-se, e se transforma em água, para dar passagem ao fogo que estava contido na adstringência. PRIMEIRA PARTE - Da Natureza A quarta forma, ele a chama de fogo, porque do choque e da fermentação das três primeiras formas, ele se eleva através da água como um relâmpago que ele chama relâmpago ígneo, calor, etc.: o que concorda com o que acontece sob nossos olhos, quando o fogo se lança em relâmpagos através da água de nossas nuvens tempestuosas. PRIMEIRA PARTE - Da Natureza A quinta forma, ele a chama de luz, porque a luz só vem depois do fogo, como observamos em nossos fogões, na pirotecnia, e em outros fatos físicos. PRIMEIRA PARTE - Da Natureza A sexta forma, ele a chama de som, porque, de fato, o som vem depois da luz, como vemos quando se dispara uma arma de fogo, ou, se quisermos, como somos considerados a falar somente depois de ter pensado. PRIMEIRA PARTE - Da Natureza Ele o considera como sendo a única luz natural deste mundo, e afirma que, fora este sol, não há mais nenhuma verdadeira luz na casa da morte; e que, embora as estrelas sejam ainda os depositários secretos de uma parte das propriedades da natureza primitiva e superior, e embora elas brilhem aos nossos olhos, no entanto, elas estão fortemente acadeadas no borbulhar áspero do fogo, que é a quarta forma da natureza; também elas dirigem todo o seu desejo para o sol, e tiram dele todo o seu brilho. (Ele não conhecia então a opinião recebida, que faz de todas as estrelas tantos sóis; opinião, todavia, que não sendo suscetível de ser submetida a um cálculo rigoroso, deixa o campo livre a outras opiniões). PRIMEIRA PARTE - Da Natureza Ele afirma que por esse meio o calor foi cativado, e que seu foco, que é o lugar do sol, foi transformado em uma doçura conveniente, e não se encontrava mais na horrível angústia; que, de fato, o calor sendo abrasado pela luz, depositou sua terrível fonte de fogo, e não teve mais o poder de inflamar-se ainda mais; que a erupção da luz, através da barreira de separação, não se estendeu mais longe nesse lugar, e que é por isso que o sol não se tornou maior, embora após essa primeira operação, a luz tenha tido outras funções a preencher, como se verá abaixo. PRIMEIRA PARTE - Da Natureza O ponto central, ou o coração dessa massa terrestre conglomerada, pertencia primitivamente ao centro solar. Mas agora isso não existe mais. A Terra tornou-se um centro particular. Ela gira, em vinte e quatro horas sobre si mesma, e em um ano ao redor do sol, do qual ela recebe a vivificação, e do qual ela busca a virtualidade. É o fogo do sol que a faz girar. Quando ao fim de seu curso ela tiver recuperado sua plenitude, ela pertencerá novamente ao centro solar. PRIMEIRA PARTE - Da Natureza MARTE. Mas se a luz conteve o fogo no lugar do sol, no entanto o choque e a oposição dessa luz ocasionaram também nesse mesmo lugar uma terrível erupção ígnea, pela qual ele se lançou do sol como um relâmpago tempestuoso e assustador, e tendo consigo a fúria do fogo. Quando a potência da luz passou da eterna fonte da água superior através do recinto de separação para o lugar do sol, e inflamou a água inferior, então o relâmpago se lançou para fora da água com uma violência assustadora: é daí que a água inferior se tornou corrosiva. PRIMEIRA PARTE - Da Natureza Mas este raio de fogo só pôde se lançar até a distância onde a luz que também o seguia e o perseguia, teve o poder de alcançá-lo. É a essa distância que ele foi aprisionado pela luz. É lá que ele parou, e tomou posse deste lugar; e é este raio de fogo que forma o que chamamos de planeta de Marte. Sua qualidade particular não é outra coisa senão a explosão de um fogo venenoso e amargo que se lançou do sol. PRIMEIRA PARTE - Da Natureza JÚPITER. Quando o áspero raio de fogo foi aprisionado pela luz, esta luz, por seu próprio poder, penetrou ainda mais no espaço, e alcançou até o assento rígido e frio da natureza. Então a virtualidade desta luz não pôde mais se estender, e ela tomou este mesmo lugar para sua morada. PRIMEIRA PARTE - Da Natureza Ora, o poder que procedia da luz era muito maior do que o do relâmpago de fogo; por isso também se elevou muito mais alto que o relâmpago de fogo, e penetrou até o fundo na rigidez da natureza. Então se tornou impotente, seu coração estando como congelado pela rigidez áspera, dura e fria da natureza. PRIMEIRA PARTE - Da Natureza (Urano ou Herschell, que não era conhecido no tempo do autor, e que está ainda mais imerso no espaço da rigidez e do frio do que Saturno, pode ter tido, segundo a doutrina que acabamos de ver, a mesma origem que este planeta. Quanto aos dois novos planetas, Ceres e Palas, que estão entre Marte e Júpiter, eles podem ter mais ou menos da causa original de seus dois vizinhos, ou seja, da luz e do fogo). PRIMEIRA PARTE - Da Natureza Daí provieram a doçura e o amor nas fontes da vida. Pois quando a luz do Sol impregnou o corpo inteiro do Sol, a potência da vida que se elevou da primeira impregnação, subiu acima de si como quando se acende madeira, ou quando se faz jorrar fogo de uma pedra. PRIMEIRA PARTE - Da Natureza Vê-se primeiro a claridade, e da claridade sai a explosão do fogo; depois da explosão do fogo vem a potência do corpo inflamado; a luz, com essa potência do corpo inflamado, eleva-se instantaneamente acima da explosão, e reina muito mais alto e mais poderosamente que a explosão do fogo; e é assim que se deve conceber a existência do Sol e dos dois planetas Marte e Júpiter. PRIMEIRA PARTE - Da Natureza Então a potência da luz, que no lugar do Sol havia tornado flexíveis e expansivas como água as qualidades ou formas adstringentes e amargas, desceu abaixo de si como tendo um caráter oposto ao que se eleva na fúria do fogo. É daí que proveio o planeta Vênus, pois é ele que na casa da morte introduz a doçura, acende a untuosidade da água, penetra suavemente na dureza, e inflama o amor. PRIMEIRA PARTE - Da Natureza Este Mercúrio, que é o separador em tudo o que tem vida; que é o principal obreiro na roda planetária; que enfim é como a palavra da natureza, não podia na inflamação tomar um assento distante do Sol que é o foco, o centro e como o coração desta natureza, porque tendo nascido no fogo, suas propriedades fundamentais se opunham e o retinham junto a este Sol, de onde ele exerce seus poderes sobre tudo o que existe neste mundo. PRIMEIRA PARTE - Da Natureza Além disso, o sistema exposto acima, se fosse real, poderia nos ajudar a conceber a origem dessas cometas e sua destinação. Pois o autor nos faz entender suficientemente que a potência da luz desempenhou um grande papel na formação de nosso sistema planetário, como a potência do fogo desempenhou um papel principal na formação das estrelas que o autor considera como estando no borbulhamento áspero do fogo. PRIMEIRA PARTE - Da Natureza Ora, não podendo a harmonia existir senão na união da potência do fogo e da luz, os cometas poderiam ter sido originalmente compostos de uma e de outra, mas em graus diversos, como se poderia presumir pela grande variedade de suas aparências e de suas cores. PRIMEIRA PARTE - Da Natureza