Saint-Martin – dar a morte

Nenhum ser havia sido produzido, ó sabedoria profunda, sem lhe dar uma medida de desejo e de força para se conservar. Todos os seres foram fundados sobre essa base, porque são todos um reflexo de vossa potência, e porque amais vos produzir em todas as vossas obras. Ao homem foi dada a mais abundante medida desse poder. Eh! Donde lhe viria essa arte de multiplicar seus gozos; essa indústria para repelir os males e curá-los? Se não de uma medida suprema desse desejo conservador e desse instinto que distribuístes a todos os seres! E só ele junta à medida suprema desse desejo conservador, a medida suprema da potência oposta! E só ele pode combater e sufocar esse instinto vivaz, mais imperioso nele do que em qualquer outro ser! E só enfim ele pode se matar! Só ele pode combinar e escolher os meios de se dar a morte!… Doutrina de mentira, aplaude-te de teu triunfo, cegaste completamente o homem. Não lhe fizeste ver nesses dois extremos senão um único e mesmo princípio: fazes-lhe querer que o mesmo agente se conserve e se destrua: fazes-lhe crer que a morte e a vida, a produção e a destruição pertencem ao mesmo germe. Em vão buscas justificativas nos exemplos dos animais, nada encontras que diminua aos olhos do pensamento essa terrível contradição. L’Homme de désir: 5

As obras de Deus se manifestam pacificamente, e seu princípio permanece invisível. Toma esse modelo em tua sabedoria, não a faças conhecer senão pela doçura de seus frutos; os caminhos suaves são os caminhos ocultos. Se o ar fosse visível como as substâncias que compõem os corpos, teria um lugar tão maravilhoso na natureza? Que relações há entre a vida do espírito e a morte desse universo extra linear? O homem promete mais do que dá, o espírito dará um dia mais do que promete. O Senhor conduziu seu povo por um caminho obscuro, para que seus desígnios se cumprissem. Falou a seu povo em parábolas; sem isso os judeus não teriam podido desconhecer a salvação das nações, e então não teriam sido escusáveis por tê-lo sacrificado, e se não o tivessem sacrificado, as nações não teriam recebido a herança. Véus das profecias, favorecei a ignorância da filha de meu povo, é por aí que a porta da misericórdia lhe permanece aberta. Deus queria suspender os judeus, e não reprová-los. Eh! Que sangue pediram eles que recaísse sobre eles e seus filhos? Esse sangue era espírito e vida, poderia jamais dar-lhes a morte? A industriosa caridade de meu Deus só se ocupa dos meios para salvar seus filhos. A ignorância dos povos é o recurso que Ele constantemente reserva para perdoá-los. Que abismo a sabedoria, o poder e o amor de nosso Deus! Homens, condenais vossos semelhantes a suplícios, quando são culpados segundo vossas leis: não o somos muito mais segundo as leis do Senhor? E no entanto podemos satisfazer sua justiça com uma oração. Podemos fazê-lo com um impulso secreto, operado na profundidade de nosso ser: e quanto mais concentrado for esse impulso, mais eficácia e poder terá; porque participará mais do caráter da unidade, da invencível e irresistível unidade. L’Homme de désir: 10

Lancem a rede ao lado direito da barca, se quiserem encontrar alimento. Não se limitem a mergulhar o homem na piscina. Que todas as águas da vida, do caminho e da verdade penetrem nele, e se sucedam sem interrupção. Subirão e descerão nele, como a escada de Jacó. A força de pisar com seus pés, aplainarão o caminho, e o vencedor poderá marchar em triunfo na senda preparada pelos passos de seu exército. Contemplemos o homem assim saído da piscina. Vão revesti-lo de vestes mais brilhantes que o sol. Tomará a estola da justiça; sua cabeça será coberta pela tiara, e tomará a espada para combater os inimigos do Senhor. Porá sua glória em libertar os cativos e purificar os elementos e o homem culpado. Eis por que, quando por sua ordem os pescadores tiverem lançado a rede ao lado direito, apanharão cento e cinquenta e três grandes peixes. Ai daquele que, depois de se ter iluminado no espírito e purificado na piscina, se deixa levar a faltas indignas do espírito! É contaminar-se no espírito, é submeter a vida à morte, é dar a morte à vida. Será então obrigado a caminhar longo tempo ao encontro do espírito, enquanto antes era o espírito que caminhava ao seu encontro. L’Homme de désir: 154

Mas o que é mais lamentável, embora menos observado, são essas ações destrutivas e esses germes de potências criminosas e desorganizadoras que deixamos entrar em nossas essências por todos os sentidos e por todos os poros, e que acabam por se apoderar de todos nossos órgãos, e por tornar nossos corpos ao mesmo tempo receptáculos e instrumentos da abominação, o que é o caso da quase totalidade da espécie humana; e isso é tanto mais lastimável, quanto temos o direito e o poder de nos defendermos; ao passo que não podemos ter o mesmo domínio sobre a caducidade de nossas essências mesmas, e não podemos impedi-las de se dissolverem e nos darem a morte à medida que nos dão a vida. Le Ministère…: De l’Homme.

Se todos esses motivos não fossem suficientes para nos tornar sábios, deveríamos sê-lo por caridade para com todos os seres e todas as regiões que estão em relação conosco, pois não podemos deixar de ser sábios sem lhes dar a morte em vez da vida que esperavam de nós; ora, se não somos suficientemente elevados para lhes dar a vida, ao menos não nos rebaixemos o bastante para lhes dar a morte! Felizes quando pudermos subir um degrau! Pois desde então todas as virtudes sairão de nós, e faremos ativamente por dever a felicidade de todos os seres. Le Ministère…: De la Parole.

Se queres conservar esse precioso rebento, nutre-o cada dia dos mesmos elementos que lhe deram nascimento; faz correr a cada instante sobre ele o sangue da aliança que deve preservá-lo do gládio do anjo exterminador; mais ainda, faz penetrar sem cessar em todas suas veias esse mesmo sangue da aliança que deve dar a morte a todos os egípcios, e pô-lo em condições de despojá-los um dia de seus vasos de ouro e prata com os quais fazem festins de iniquidade. Deixa correr em suas veias esse sangue corrosivo que não terá trégua enquanto não tiver corroído até os menores traços do pecado; verás assim os membros de teu filho adquirirem pouco a pouco força e consistência. Le Nouvel Homme: 10.

Ora, o menor raio de sua palavra basta para operar em nós esse prodígio, para nos encher inteiramente de força, amor e luz, e substituir em nós virtudes e faculdades caracterizadas, no lugar desse estado tenebroso e insignificante que é próprio da região que habitamos; e é o raio dessa palavra que nos esforçamos cuidadosamente por repelir de nós, como se devesse nos dar a morte. Le Nouvel Homme: 31.

Pois essa é a tarefa que nos resta cumprir desde que a fraqueza do homem primitivo deixou penetrar a iniquidade em nossos domínios; quando comeu da árvore da ciência do bem e do mal, reuniu, um perto do outro, seu ser que habitava na luz, e seu adversário que habitava nas trevas; era essa reunião monstruosa que a sabedoria divina queria impedir, prevenindo-o de não comer dessa árvore da ciência do bem e do mal, que lhe devia dar a morte; é portanto a ruptura de uma tal associação que devemos operar hoje, se quisermos nos pôr em estado de comer dos frutos da árvore da vida, sem cometer a mais abominável das profanações. Le Nouvel Homme: 33.

Os Mitologistas nos pintam uma Esfinge à porta dos Templos dos Egípcios, para nos lembrar quanto a luz está hoje envolta para nós em enigmas e obscuridades. Mas nos ensinam que essa luz não é inacessível, transmitindo-nos o emblema que a Esfinge representou, quando foi enviada a Tebas pelo ciúme de Juno: pois sabe-se que Édipo, explicando o enigma que a Deusa fazia propor por seu Enviado, reduziu-a à necessidade de se dar a morte. Convenhamos, todavia, que é bastante mal a propósito que no emblema a Esfinge chegue a esse extremo, pois Édipo dava então apenas a explicação do homem animal e sensível, e há em nós um Ser infinitamente superior, que é a única palavra pela qual se podem verdadeiramente explicar todos os enigmas. Tableau naturel…: XII

Falam da queda dos primeiros criminosos, da formação do Universo pelas Virtudes do grande Princípio, por uma Vida que não recebeu a vida. Vê-se ali a origem do gênero humano, o estado do homem na inocência, gozando as doçuras de uma habitação deliciosa, regada por uma fonte de imortalidade, dividida em quatro fontes maravilhosas, que se chamavam o caminho do Céu, e donde saiu a vida: tudo estava para ele em perfeita harmonia: todas as estações eram regradas: nada podia ser funesto, nem dar a morte: esse estado se chamava a grande unidade. Tableau naturel…: XII