RUYSBROECK — Dos Sete Degraus do Amor
Tradução da versão francesa de Antonio Carneiro
Capítulo II — Do segundo degrau do amor, a saber: a pobreza voluntária
Louvor dos pobres voluntários.
“Mas, o primeiro fruto que nasce da boa vontade é a pobreza voluntária, que é o segundo degrau na escada da vida daquele que ama. Aquele que é pobre espontaneamente, leva uma vida livre e desembaraçada da preocupação por todas as coisas temporais que não lhe são necessárias.
Pois, como um sábio mercador, ele trocou a terra pelo céu ; adequando seus costumes à esta sentença do Senhor Jesus, pela qual está dito : Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro: Lc 16. Non potestis servire Deo et mammonae.1)) E tendo abandonado e desprezado tudo o que podia possuir de amor ou de afeição terrestre, comprou a pobreza voluntária, isto é, o campo no qual descobriu o reino de Deus.
Assim, bem-aventurados os pobres de espírito, isto é, da vontade, ou, os pobres voluntários, porque deles é o reino dos céus: Mt. 5 Beati pauperes spiritu, quoniam ipsorum est regnum coelorum.2) O reino de Deus. O que é? O reino de Deus é caridade e amor, é o experimento e o exercício de todas as obras boas, de tal modo que aquele que é pobre de espírito, desta maneira, seja enormemente misericordioso, bom, clemente e caridoso em relação a todos aqueles que tem necessidade de seu socorro; e que se esforça por lhes ser útil, de maneira todavia, que ele possa declarar, em virtude do julgamento do Cristo, e dar testemunho, por causa do grande benefício de Deus e dos dons recebidos de Ele, que pôs todo seu zelo nos atos de misericórdia, e que se entregou. Pois, nas coisas terrestres, não há nada inerente; pois, tudo o que há, é comum a Deus e a todos aqueles que pertencem a família de Deus. Bem-aventurado, com certeza, o pobre voluntário que nada de caduco e efêmero possúi , para seguir a Cristo, e receber cem vezes mais a prova das virtudes; esperando a Glória de Deus e a vida eterna: Mt.19 Deique expectat gloriam et vitam sempiternam 3). A loucura do avaro. 4) Mas, ao contrário, aquele que é avaro é estranhamente imprudente e insensato, pois ele troca o céu pela terra, ainda que seja certo que ele deva perdê-la cêdo : O pobre de espírito escala os céus : o avaro se precipita no Tártaro5). Mt. 19 Se um camelo pode passar por um buraco de uma agulha6), também o avaro que se agarra (aos bens da terra) poderá entrar nos céus.
E ainda que ele seja pobre de bens terrestres, se, entretanto ele não preferir a Deus sobre todas as coisas, se morrer na avareza, certamente perecerá.
O avaro escolhe a casca da noz em vez da amêndoa, a casca em vez da gema do ovo. E no entanto, em verdade, aquele que ama o ouro e possui os bens da terra, não faz senão se alimentar de um veneno mortal, e beber na fonte da eterna aflição. E quanto mais bebe, mais sua sêde se torna ardente; e quanto mais fica repleto de bens, mais ele os deseja. E ainda que ele possua muitos bens, entretanto, ele não está contente: falta-lhe tudo o que não está com ele; mas o que ele tem lhe parece pouca coisa ou nada. E ele não é amado por ninguém. Pois, como ele está a mercê do mal da avareza, ele não merece ser amado. Porque o avaro se parece com os abraços de Satan. Pode-se comparar, não sem razão, aos abraços do demônio. Pois tudo que se apodera, não quer mais largar: mas, retém na medida, até o último suspiro, tudo o que ele puder adquirir, até mesmo pela artimanha ou pela fraude. Então, queira ou não, perde todas as coisas; e a dor eterna logo se apodera dele: e isto é mais que certo, como é semelhante ao inferno que, qualquer que seja o nome dos condenados que ele recebe, não diz jamais: Prov. 30 7) é demasiado; e ainda que ele tenha tragado um grande número, não se sente melhor por isso. Mas, tudo o que ele agarrou, retem fortemente, e sempre, com a goela escancarada, alcança novos hóspedes para o Tártaro 5 .
Por isso, fiquemos em guarda para não contrair a peste da avareza, 1 Tim. 6 8) que é como a raiz de todos os vícios, de toda improbidade, e de toda malícia.”
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