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O Deus oculto das quatro primeiras formas é simbolizado pela ira de Deus, enquanto o Deus revelado é a luz, que é um só com o amor. A ira de Deus é Deus? Às vezes, Böhme a integra na totalidade divina, outras vezes afirma que só o Deus do amor é Deus. Mas parece que a ira de Deus só faz sentido em relação à criatura, e singularmente ao homem, único capaz, em seu íntimo, de compreender os mistérios divinos. Ora, toda a noção de Deus, para Böhme, só se concebe em relação à criação, mesmo que se considere anterior a esta. Não há mais, para o teosofista, uma definição conceitual de Deus fora da criação. É isso consequência do nominalismo? Böhme se separa de toda a teologia que chamamos de tradicional, mas também pode ser oposto a toda a filosofia que queira espiritualizar Deus de acordo com as exigências da razão pura, por exemplo, a de Malebranche.
Böhme protesta que Deus não está sujeito à sua criação. Deus, que é tudo, não precisa dessa coisa que é o mundo criado. A partir de um certo momento, Böhme introduz a noção de jogo para enfatizar a gratuidade total da criação. No entanto, há nesta criação uma verdadeira finalidade, pois é nela que Deus se revela a si mesmo. O que seria de um Deus que não se conhecesse?
Para o Deus de Böhme, manifestar-se à criatura e revelar-se a si mesmo é uma coisa só. Mas a criação em si é apenas uma teofania: ao gerar o mundo, Deus faz aparecer o que já estava produzido em sua Sabedoria. Mas, ao gerar o mundo, Deus gera a si mesmo e se revela a si mesmo. Teogonia e cosmogonia são dois aspectos da mesma teofania.
A geração divina ocorre em dois níveis. Primeiro, Deus, por sua vontade, produz a natureza, na qual se gera a si mesmo. Neste primeiro nível, trata-se, como já salientámos, de uma natureza arquetípica, representada pelos sete espíritos ou formas. É desta natureza primordial que procede o nosso mundo.
A natureza arquetípica é o corpo de Deus. Ela é isso, em primeiro lugar, na letra do discurso sobre Deus. Esse discurso é necessariamente simbólico. A teosofia de Böhme é essencialmente uma teologia simbólica. Böhme sabe, e diz isso frequentemente, que não pode falar de Deus senão usando símbolos (Gleichnisse). O discurso puramente conceitual sobre Deus em si não lhe basta mais. A teosofia, que é uma teologia concreta, fala da geração de Deus segundo “formas” que são qualidades sensíveis, tais como a adstringência ou a amargura nos dois primeiros graus do ciclo septenário, ou que representam o que chamamos de fenômenos da natureza: o fogo, no quarto grau, a luz no quinto, o som no sexto. Os sete espíritos são os sete planetas, simplesmente transpostos para o nível do arquétipo.
Em relação a Deus, esses símbolos são simples metáforas? Certamente, se considerarmos Deus em si mesmo, como pura Divindade, a transcendência do significado é total em relação ao significante. A partir daí, este último parece totalmente gratuito: no limite, poderíamos dizer qualquer coisa sobre uma Divindade da qual não temos a menor noção. E mesmo que quiséssemos compreender essa Deidade pura em si mesma, os símbolos não seriam de nenhuma ajuda. Nenhum seria adequado, uma vez que ela é, em si mesma, propriamente inapreensível. Mas o que dá todo o sentido ao símbolo é a intenção do próprio Deus, que se revestiu de um corpo na natureza, que se incorporou nela. Assim, cada símbolo, sob a forma de uma qualidade sensível ou de um fenômeno da natureza, nos apresenta um aspecto do corpo de Deus. O simbolismo de Böhme tem fundamento teológico.
Deus deu a si mesmo um corpo na natureza, da mesma forma que o espírito se incorpora na letra do símbolo. Certamente, Deus, propriamente dito, não é a natureza e a natureza não o compreende em si mesma, assim como as trevas não compreendem a luz que brilha nelas, como Böhme gosta de repetir, parafraseando o início do Evangelho de João. Da mesma forma, o espírito não é a letra e a letra não o alcança em sua pura transcendência. No entanto, o espírito se incorpora na letra e podemos percebê-lo nela, na medida de nossa inteligência humana.
Deus incorpora-se na natureza segundo as sucessivas gerações que culminam no nosso mundo. É assim que mesmo a natureza completamente exteriorizada o contém segundo o modo da sua presença nela. Deus está na pedra, como o Verbo divino está na letra da nossa palavra humana.
A natureza, não apenas no nível de sua primeira geração, mas também no de nosso mundo, é o corpus da revelação. É nela que devemos buscar Deus, e não nas abstrações de nossa razão. Se só podemos falar do Divino por meio de símbolos, é o próprio Deus que, saindo de sua pura transcendência para se manifestar em sua criação, dá a eles toda a sua justificação.