CHJB
O ciclo da manifestação divina se desenrola, portanto, desde o primeiro grau da natureza eterna até o nosso mundo, que ele inclui. Deus se revela na natureza dita exterior, e a suprema manifestação do Espírito ocorrerá quando a nossa terra desaparecer. Na consumação do tempo, que Böhme acredita estar próxima no momento em que escreve, a Justiça separará definitivamente o Bem e o Mal. Uma terra nova surgirá para a eternidade. Abrangemos a totalidade desse desenrolar, mas uma dificuldade permanece. Como imaginar Deus anteriormente a esse ciclo? Esse é o problema da pura Deidade, que vislumbramos. Falamos de duas perspectivas na obra de Böhme. Evocamos a primeira, segundo a qual a eternidade, considerada fora da natureza, nos pareceu de duas maneiras. Em «A Aurora» era uma noite sepulcral, nas obras ulteriores uma brancura sem brilho, uma imobilidade sem vida. Seguindo essa primeira perspectiva, que se diversifica segundo esses dois pontos de vista, a pura Deidade não aparece como uma Trindade de pessoas. Fora da natureza, diz Böhme em «A Vida Tripla», Deus não é uma Trindade, ele é apenas majestade. A segunda perspectiva é a que se oferece nas obras aqui apresentadas, assim como na «Psychologia vera», ou seja, as «Quarenta questões sobre a alma». Nessas obras, Böhme esboça uma teologia da Divindade fora da natureza. Ele entra em contradição consigo mesmo, pois tanto repetiu que Deus só se revelava na natureza e que não renega de forma alguma essa afirmação. Talvez seja seu tributo pago à teologia antiga, mas essa explicação é suficiente? Böhme nos mostra a Divindade que, segundo a acepção dada à palavra natureza, chamaremos de supranatural, como uma Trindade de pessoas. No ciclo da manifestação divina, considerada segundo toda a extensão da natureza eterna e de nossa natureza que dela procede, a Trindade já aparece. É a do fogo, da luz e do ar, este nascendo do fogo e ativando-o por sua vez, impedindo-o de se sufocar. O fogo é o Pai, a luz é o Filho: os dois princípios do ciclo septenário da natureza eterna correspondem exatamente às duas primeiras pessoas da Santíssima Trindade. Quanto ao Espírito, que é o sopro sem o qual o fogo se extinguiria, Böhme o relaciona com o terceiro princípio, isto é, nosso mundo. Segundo a perspectiva da Divindade supranatural que agora traçamos, a Trindade aparece em dois níveis, a saber, não apenas na manifestação sucessiva dos três princípios, compreendida entre o primeiro grau da natureza eterna e o fim do nosso mundo, mas também em uma esfera superior, onde cada uma das três pessoas é a causa ideal desses três princípios. Ao Pai da natureza primordial, Saturno devorador, corresponde um Pai celestial que é Ungrund, a Divindade sem fundo. O Filho nascido da noite no terrível jorro do relâmpago e que, antes de seu nascimento situado no quinto grau, não era, sob o aspecto da segunda forma, senão um aguilhão furioso dirigido contra o Pai, corresponde a um Filho gerado em uma clareza sublime e na doçura. Esse Filho celestial é a deleitação de seu Pai, segundo Mateus 3:3. Quanto ao terceiro princípio, ele é relacionado ao Espírito Santo, que representa a Bondade do Deus Uno saindo de si mesmo em seu movimento para a criação, de certa forma o bonum diffusivum sui. Nesta esfera transcendente, tudo prefigura o ciclo da manifestação divina tal como o descrevemos, mas tudo também é diferente. Na origem da natureza eterna, evocamos uma vontade tão tênue quanto um nada. Essa vontade se incorporava na espessura do desejo. Por não encontrar um objeto que pudesse satisfazê-lo, pois não havia nada além dele, esse desejo se fechava sobre si mesmo. Então a vontade primeira que o havia feito nascer, transformava-se em vontade adversa para se libertar de sua formidável força. Sob o aspecto dessas duas vontades contrárias, o Pai e o Filho combatiam-se ferozmente. Depois, era como o milagre da luz: o desejo enfraquecia, recaía em si mesmo, morria para si mesmo, mas não era uma verdadeira morte, pois na doçura, o desejo áspero e amargo, segundo as duas primeiras formas, transformava-se em delicioso desejo de amor. Na água espiritual, o fogo se transmuta em luz. Amor e luz são um só. Desde o quinto grau da natureza eterna, o desejo de amor projeta a luz nas profundezas tenebrosas do Pai. Uma vez verdadeiramente nascido, enquanto antes não era senão um aguilhão furioso em um ventre contraído ao extremo, o Filho exalta o Pai. No fim da natureza, o Pai das origens, que Böhme identificava aos quatro elementos, torna-se o Pai celestial. Seguindo a segunda perspectiva que evocamos agora, parece que o término do ciclo da natureza eterna se transpõe na transcendência, de modo que o fim atinja um supremo começo e se confunda com ele. Sob esse aspecto, o desejo do Ungrund não é mais que um desejo de amor. Böhme expressa esse desejo do Pai celestial, cujo objeto é o Filho, pela palavra Sucht, que Saint-Martin traduz por atração. Essa palavra inventada pelo Filósofo Desconhecido expressa a potência do desejo que Böhme simboliza pela atração magnética. No entanto, a natureza do desejo não é mais a mesma, conforme a consideramos no primeiro grau do ciclo septenário, que figura o arquétipo de todas as cupidezes, ou aqui, no nível transcendente do Ungrund. Neste último plano, o desejo não é mais essa potência de morte que, do simples apetite crispado no vazio, faz uma matéria solidificada, petrificada e opaca. Pouco preocupado com sua verdadeira etimologia, Böhme relaciona a palavra Sucht com o verbo suchen, que significa buscar. Como o homem de desejo, o Ungrund se busca. Mas neste nível da transcendência, buscar-se é encontrar-se. O Ungrund se encontra eternamente no Filho e o desejo não é mais que a doçura do amor sentida em sua perfeita união. O desejo não é mais que suspiro de amor. O Filho é a alegria do Pai. Quando se expressa no nível da transcendência, Böhme emprega a palavra Lust para falar de deleitação. Em alemão, essa palavra tem duplo sentido. Significa tanto a alegria quanto a concupiscência. Na pena de Böhme, quando se aplica ao velho homem, designa naturalmente o desejo concupiscente. Quando traduz a beatitude divina, no plano que agora consideramos, opõe-se tanto à cupidez humana quanto à voracidade saturniana simbolizada pela primeira forma da natureza eterna. E enquanto o desejo é sinônimo de angústia, a alegria celestial significada pela palavra Lust é o contrário de todo desejo. Nisso, associa-se à palavra Freyheit, que traduzimos por liberdade. Para Böhme, a liberdade celestial é a indeterminação total de uma Divindade que reside apenas em si mesma e que só criará, segundo a perfeita gratuidade do jogo, esse algo que ainda não é. O desejo traduz em nossa vida terrestre uma falta e uma necessidade. Ora, a Divindade perfeita é livre de toda necessidade, pelo que se define essencialmente sua liberdade soberana. No entanto, Böhme lhe atribui um desejo. Mas neste nível, o desejo aparece livre de toda angústia. É um desejo plenamente satisfeito, mas que na plenitude ainda se saboreia como desejo.