Livre arbítrio ou destino (COP)

//Henri Crouzel – Orígenes e Plotino (COP)//

Capítulo IV: A Humanidade

10. Livre arbítrio ou destino

Para Orígenes, não se trata de destino, a noção de Providência é suficiente, uma Providência pessoal e boa, incumbida às três pessoas da Trindade. Pois Deus respeita completamente a liberdade do homem. Esta é a razão principal de uma polêmica que se encontra em várias ocasiões e que visa, sem os nomear, os montanistas, a seita à qual Tertuliano havia aderido. Trata-se da inspiração dos profetas. Fazendo eco a certas opiniões filosóficas gregas a propósito da inspiração poética ou mântica, eles pensam que o Espírito Santo, quando penetra no profeta, expulsa a sua inteligência, o seu noûs, e toma o seu lugar: o profeta é então um puro instrumento acionado pelo Espírito, como, segundo uma imagem relatada por Epifânio, a lira que o plectro faz ressoar. A esta concepção, Orígenes opõe-se resolutamente, mesmo tendo alguma dificuldade em explicar duas passagens das Escrituras, a profecia de Balaão e a de Caifás. É em toda a consciência e liberdade que o profeta colabora com o Espírito divino. A perturbação não vem de Deus, mas do diabo e não se deve tomar nesta situação nenhuma resolução, mesmo aparentemente boa, pois o diabo sabe transformar-se em anjo de luz. Tal é a regra de ouro do “discernimento dos espíritos” de Orígenes, que será seguida por toda a tradição cristã posterior. As inspirações divinas são recebidas na calma e na paz da alma: é assim que elas são reconhecíveis.

Outras objeções serão feitas ao livre-arbítrio do homem na sequência da história do cristianismo. Primeiro em nome da presciência divina: se Deus sabe de antemão o que o homem fará, como o homem não é forçado a agir assim? Esta objeção é falseada na base: ela coloca Deus no tempo. Orígenes responde a ela em várias ocasiões, por exemplo com o seguinte: “Não é aquele que prediz que é a causa do evento futuro porque ele previu que ele aconteceria, mas o evento futuro que aconteceria, mesmo sem ser predito, fornece ao vidente a razão para predizê-lo”. Em seguida, a famosa questão da compatibilidade entre o livre-arbítrio e a graça divina, que acarretará heresias opostas ao longo de toda a história cristã, as primeiras sendo no século V o pelagianismo e o semipelagianismo, suprimindo ou diminuindo o papel da graça na ação livre. Orígenes é anterior a elas e não tem, parece, por causa disso, a sensibilidade que se terá na sequência: daí certos textos insuficientes que permitiram a Jerônimo ver nele o pai do pelagianismo. Mas é erradamente, pois lemos nele, em um dos grandes comentários conservados em grego, portanto em um texto de autenticidade indiscutível, o que se segue: “É próprio da bondade de Deus vencer com seus benefícios aquele a quem ele os dirige; ele se antecipa àquele que vai ser digno, a fim de que esta aptidão o torne digno. E não é este último que, em consequência de sua própria dignidade, alcança por si mesmo o seu benfeitor e se antecipa às suas graças para se tornar capaz disso”. O concílio de Orange que condenou o semipelagianismo (529) não teria desautorizado uma formulação semelhante. Ela supõe que toda a obra da salvação deve ser atribuída à graça divina. Mas o homem tem a possibilidade de aceitar ou de recusar esta ação: é nisso que reside essencialmente o livre-arbítrio do homem.

A afirmação do livre-arbítrio ocupa um grande lugar no pensamento de Orígenes porque era uma noção muito em perigo na sua época: do lado pagão por causa da astrologia — veremos mais adiante como Orígenes se representa a ação dos astros —, da adivinhação, da magia, da crença no destino, eimarmene; do lado cristão por causa dos gnósticos, já que, segundo Orígenes e outros Padres da época, eles negavam a influência do livre-arbítrio e, em consequência, da vida moral sobre a salvação dos pneumáticos ou a danação dos hílicos, admitindo-o em certa medida apenas para a salvação de ordem inferior que podiam alcançar os psíquicos. Um dos capítulos mais célebres do Tratado dos Princípios, conservado em grego pela Filocalia, um dos que tiveram mais influência sobre a tradição subsequente, defende o livre-arbítrio contra as objeções que se poderiam levantar contra ele a partir da Escritura. Ele diz respeito à filosofia apenas pelo seu começo no qual, usando de um vocabulário estoico, Orígenes coloca o problema. Ele distingue quatro espécies de seres. Aqueles que são inertes e “que se carrega” (foreta) e cuja matéria (ule) é mantida junta por um exis, um “estado”, portanto não têm em si a causa de seus movimentos. Os vegetais têm em si a causa de seus movimentos e são mantidos juntos por uma fusis, no sentido etimológico de força de crescimento. Os animais acrescentam-lhe uma psique, uma alma, princípio de vida. Os vegetais são movidos por si mesmos, ex eauton, os animais por si mesmos, af eauton: os animais são ditos empsuca, animados, os vegetais apsuca, sem alma. Os movimentos dos animados vêm de uma representação, fantasia, que provoca o impulso, orme, um impulso que pode acarretar sequências de ações ordenadas, como na aranha que tece ou na abelha que molda a cera. Mas a quarta espécie é o animal racional, logikon, que, além da imaginação e do instinto, tem a razão, logos: esta última permite-lhe julgar as representações, aceitar umas e repelir outras, de tal forma que as primeiras passam à ação e não as segundas. Este animal racional, o homem, não é constrangido pelos estimulantes exteriores, tanto mais que ele adquiriu o hábito pelo exercício e pelo estudo de permanecer mestre das excitações que ele sente. Se ele pretende que não pode resistir a elas, ele se assimila então aos objetos movidos de fora, degradando a natureza humana ao nível da madeira ou da pedra, enquanto o ensino e a educação podem mudar os mais selvagens e, ao contrário, a negligência e o desleixo podem levar os mais civilizados a um estado selvagem. Não depende do nosso livre-arbítrio que tais eventos se produzam fora de nós, mas somos livres de nos servir deles de tal ou tal maneira segundo o juízo de nossa razão.

A visão origeniana da humanidade que está na base do Tratado dos Princípios pode ser resumida na dialética da ação divina e do livre-arbítrio do homem. A igualdade primitiva das inteligências querida por Deus é quebrada, como vimos, pela falta original, produto do livre-arbítrio de cada uma destas inteligências, e a profundidade desta queda será a fonte de uma considerável variedade. Além da inteligência unida ao Verbo, algumas não pecaram, como parecem supor várias passagens: algumas delas, como seria o caso de João Batista, encarnar-se-ão para preparar a Encarnação do Verbo. Dos diversos graus de rebelião do livre-arbítrio provirá toda a variedade das condições de seres racionais, anjos, homens, demônios, e entre os homens as diversas condições nas quais eles nascem. Com efeito, como vimos, um julgamento divino, análogo ao Juízo Final, precedeu a vinda a este mundo dos seres racionais: ele se pronunciou sobre a situação que correspondia às decisões do livre-arbítrio de cada um. Poder-se-ia constatar a este respeito um certo paralelismo, sendo toda ideia de reencarnação suprimida para Orígenes, com a afirmação de Plotino de que o destino do homem após sua morte será conforme ao que ele tiver feito durante sua vida. A vida terrestre será para os homens ocasião de ascensão ou de descida a partir do estado do nascimento, segundo os movimentos do livre-arbítrio. Tudo isso será objeto do Juízo Final. A Encarnação de Cristo e toda a sua vida terrestre até a Paixão não tiveram por objetivo forçar o livre-arbítrio do homem, mas motivá-lo mais a se abrir a Deus. Quanto à “apocatastase”, a restauração final de todas as coisas, ela só se fará com o acordo do livre-arbítrio: em oposição à conflagração estoica, Orígenes declara: “Nós, afirmamos que um dia o Logos dominará toda a natureza racional e transformará cada alma em sua própria perfeição, no momento em que cada indivíduo, usando apenas de sua simples liberdade (exousia), escolher o que o Logos quer e obterá o estado que ele tiver escolhido”. De um estudo de todos os textos conservados que dizem respeito à apocatastase parece que não se deve dar-lhe senão o sentido de uma grande esperança, precisamente por causa da importância que o livre-arbítrio nela guarda: Orígenes espera que o Logos se fará tão convincente que todas as almas, em plena liberdade, aderirão a ele, ainda que vários textos se oponham à salvação final do diabo e dos demônios, embora outros vão nesse sentido. Orígenes no Tratado dos Princípios coloca primeiro uma alternativa que ele não resolve: será que os demônios “poderão jamais nos séculos futuros voltar à bondade porque permanece neles a faculdade do livre-arbítrio? Ou, ao contrário, a malícia durável e inveterada não se transformaria pelo hábito, de uma certa forma, em natureza?”. Mais adiante, ele parece de fato professar o retorno em graça do demônio, “o último inimigo chamado a morte”, em consequência de sua conversão, enquanto na Carta a amigos de Alexandria, numa passagem conservada tanto por Rufino quanto por Jerônimo no auge da sua querela — e por estas razões dificilmente contestável —, ele julga que apenas um louco poderia sustentar que o diabo será salvo.

Da segunda hipótese da alternativa anteriormente reproduzida referente aos demônios, pode-se concluir que o hábito da maldade possa bloquear o livre-arbítrio a ponto de suprimi-lo praticamente. A recíproca é verdadeira? O hábito da bondade e da caridade suprime o livre-arbítrio? Notemos primeiro que o livre-arbítrio que Orígenes exprime como Plotino por to autezousion ou pela locução to ef emin não parece jamais ser chamado pelo vocábulo paulino de eleutheria e exprime apenas um aspecto da noção paulina correspondente, o poder de escolher entre o bem e o mal, enquanto a liberdade paulina se acentua pela virtude e pela união a Deus até coincidir de uma certa forma com a liberdade de Deus; ao contrário, a malícia faz a liberdade decrescer e chega a suprimi-la, fazendo o homem recair sob a escravidão dos determinismos animais. Esta concepção da liberdade não está ausente do pensamento de Orígenes: ela está em segundo plano em relação ao livre-arbítrio por razões polêmicas e pastorais — o perigo em que certas correntes filosóficas, a astrologia e a gnose colocavam o livre-arbítrio —, mas ela aparece na doutrina espiritual do nosso autor. Constata-se primeiro no capítulo do Peri Archon que trata da alma humana de Cristo: esta alma é de fato unida ao Verbo desde a sua criação — que é sem dúvida o momento da criação de todas as inteligências preexistentes — de uma união tal que entre o Verbo e ela joga o que se chamará mais tarde a “comunicação dos idiomas” da qual Orígenes dá aqui uma primeira apresentação; “É por isso que, com razão, porque ela estava inteira no Filho de Deus ou porque ela continha o Filho de Deus inteiramente nela, ela é chamada ela mesma com a carne que ela assumiu Filho de Deus e Poder de Deus, Cristo e Sabedoria de Deus; e reciprocamente o Filho de Deus por quem tudo foi criado é nomeado Jesus Cristo e Filho do homem”. Tudo o que pertence ao Deus Logos é, portanto, atribuído ao homem Jesus e reciprocamente. Mas toda alma é suscetível de receber o bem e o mal e dotada de livre-arbítrio, e Orígenes continua: “Não se pode duvidar que a natureza desta alma não tenha sido a de todas as almas”. Ela é, portanto, dotada também de livre-arbítrio, mas “por causa da intensidade de seu amor, ela aderiu ao bem de maneira inconvertível e inseparável: assim a firmeza de seu propósito, a imensidão de sua afeição e o calor inextinguível de seu amor cortaram todo desejo de mudança e de reviravolta de tal forma que o que se encontrava na vontade se transformou em natureza por causa de um longo hábito”. E Orígenes exprime isso pela famosa imagem do ferro que, mergulhado no fogo, se torna fogo.

Notemos primeiro que entre o bem e o mal a partida não é igual. Orígenes se perguntava, como vimos mais acima, se a malícia durável e inveterada dos demônios, transformando-se pelo hábito em natureza, não suprimia o livre-arbítrio, impedindo todo retorno para o bem. Aqui é a imensidão da caridade que pelo hábito se transforma em natureza. E a liberdade não é suprimida, ela é, ao contrário, exaltada: a alma unida ao Verbo, embora tendo a mesma natureza que as outras almas, é livre da liberdade mesma do Logos-Deus a quem ela é unida e em quem esta união a muda como o ferro mergulhado no fogo se torna fogo.

Isso é certamente o privilégio incomunicável, pelo menos na sua perfeição, do homem Jesus. Sua união ao Verbo e tudo o que dela decorre é de ordem “substancial”: “o próprio fogo divino repousa substancialmente nele”, ou seja, que a alma de Cristo goza do privilégio que é o da Trindade sozinha de possuir “substancialmente” e não como a criatura “acidentalmente” tudo o que ela tem. No entanto, “chega a todos os santos uma certa quentura da Palavra de Deus”. Na medida da sua união ao Verbo e por ele ao Pai, os santos não adquirem algo desta imutabilidade no bem, desta impecabilidade que constitui a liberdade suprema?

É bem isso que dizem vários textos. Na homilia sobre o nascimento de Samuel, todo um desenvolvimento toma pretexto da expressão empregada a respeito de seu pai Elcana e vindo do hebraico e do tradutor Áquila, não da Septuaginta, “um só homem”, anthropos eis, para explicar que o justo se torna cada vez mais imutável no bem, tendendo para um estado que é o de Deus mesmo de quem ele é o imitador. Ele tira a mesma conclusão de 1 João 3:6: “quem permanece nele não peca” e de João 8:51: “Se alguém guardar a minha palavra, jamais verá a morte”. É porque não podem mais pecar que os bem-aventurados têm a liberdade completa, enquanto os santos na terra ainda não a têm inteira. O livre-arbítrio não poderá mais neste caso nos separar da caridade de Deus. É por isso que a ideia de que no céu os bem-aventurados “a quem nunca é tirada a faculdade do livre-arbítrio” poderiam de novo pecar não é senão uma hipótese levantada pela discussão entre um fim corporal e um fim incorpóreo da humanidade.

A ideia de que a malícia poderia se tornar natureza e suprimir o livre-arbítrio também se encontra. O Anticristo, figurado pelo Príncipe de Tiro segundo Ezequiel, não é mentira “por seu ser, pelo fato de sua constituição” mas é em seguida a uma livre escolha que ele assim se “naturou”, escreve Orígenes desculpando-se por forjar um neologismo (pefusiomenon). Ao escolher o bem, o livre-arbítrio exalta a liberdade, ao eleger o mal, ele a suprime. Em suma, para Orígenes — isso se depreende de Peri Archon III, 1 contanto que se tome este capítulo por inteiro — é Deus quem realiza a obra de nossa salvação em Cristo, sendo o papel do homem deixá-lo agir.