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Deus e as características dos seres deste mundo (COP)

//Henri Crouzel – Orígenes e Plotino (COP)//

Capítulo I: Pai em Orígenes e Uno em Plotino

PLOTINO

Traduzimos para francês por “forma”, como já foi dito, as palavras gregas eidos (também chamada ideia), morphe e schema. Na linguagem filosófica platônica e aristotélica, os dois primeiros termos designam a forma inteligível, ou seja, a ideia platônica, modelo transcendente ao qual correspondem os seres deste mundo, e a forma do hilemorfismo aristotélico, elemento constitutivo, junto com a matéria, desses mesmos seres. Schema refere-se mais à forma exterior, à figura, sentido que corresponde ao significado vulgar de eidos. O Uno plotiniano não tem forma inteligível (os eidos têm como lugar de origem a segunda hipóstase enquanto é o Inteligível) e muito menos forma exterior, o que supõe que seria material. As formas ou ideias são o objeto ordinário de nosso conhecimento, e este fica totalmente desconcertado por um objeto sem ideia, como é o Uno. Acostumada a lidar com os seres sensíveis, nossa inteligência busca espontaneamente grandeza (megethos), figura (schema), massa (ogkos). Não se pode atribuir ao Uno nada do que está na Inteligência - o viver, o pensar e todas as coisas. Ele não é determinado, mas é aoriston (indeterminado). Ser determinado e ter uma forma é próprio dos seres que dele derivam. Ele não é sequer uma substância ou um ser (ousia), pois isso supõe um limite (horos) e um estado firme (stasis): “E o infinito lhe pertence (ao Uno) porque ele não é outra coisa senão um e não tem nada pelo qual seria limitado algo que lhe pertença; porque é um, não é medido e não é numerado. Ele não é limitado nem em direção a outra coisa nem em direção a si mesmo, pois então seria dois. Ele não tem figura (schema), nem partes, nem forma (morphe)”. Se o Uno é sem forma, nem se identifica com nenhuma forma determinada, é porque toda forma vem dele, porque ele está na origem de todas, sendo essas formas os inteligíveis contidos na Inteligência. O que é gerado deve ter uma forma. E a alma que tende à união com o Uno deve abandonar toda forma, mesmo inteligível. Por ser absolutamente simples e não estar no espaço, o Uno é indivisível. Os seres, ao contrário, são uma multiplicidade que tende à unidade. E o mundo, que tem nele todos os seres, é essa multiplicidade que participa da unidade. Pode-se dizer o mesmo da Inteligência, pois ela tem nela a multiplicidade dos inteligíveis. Faz-se uma oposição entre o átomo, o menor elemento indivisível ao qual se reduz a matéria, e o Uno, também indivisível, o maior de tudo, não por suas dimensões (pois não as tem), mas por seu poder. A Inteligência está para o Uno como o divisível para o indivisível. A indivisibilidade do Uno é suposta pelo fato de ele estar inteiro em toda parte. Ele é infinito, mas sua infinitude não é da ordem da grandeza física ou da quantidade, mas é seu poder que é infinito, pois nada pode limitá-lo. Nada é mais poderoso que ele, nada pode igualá-lo ou limitá-lo em seu poder que gera os seres, a beleza e o amor. Esse poder é atestado pela multiplicidade dos deuses. Sua infinitude não está, portanto, na impossibilidade de chegar ao fim da grandeza ou do número, mas na de conter seu poder. Vimos que o Uno não está em um lugar, que não precisa de espaço como se não pudesse se sustentar a si mesmo: é o inanimado que precisa de lugar, e é a massa que cai quando não está fixada. Ele, porém, fixou tudo ao criá-lo e deu a cada coisa seu lugar: o lugar é um sinal de deficiência. Mais ainda, o Uno está ao mesmo tempo em toda parte e em nenhuma: “O Uno não está ausente de nada e está ausente de tudo; presente, não está presente, mas está apenas para aqueles que podem recebê-lo e se prepararam para isso, para se adaptarem a ele e como que tocá-lo e contatá-lo por sua semelhança e pelo poder que nele está aparentado com o que vem dele”. Em outras palavras, sua presença é totalmente espiritual e é comandada, segundo um antigo princípio helênico que se encontra também entre os cristãos, pela semelhança entre aquele que o recebe e ele. Ele está, portanto, em certo sentido em toda parte, e não há lugar onde não esteja. Ele preenche tudo. Como, então, não é todas as coisas? De fato, Plotino insiste no fato de que, sendo a origem de tudo, o Uno não é nada daquilo de que é origem. Estando em toda parte, não está, no entanto, em nenhuma, pois o que vem dele é diferente dele. Essa presença em tudo é verdadeira também para “os segundos e terceiros”, ou seja, para as outras hipóstases. No que diz respeito ao Uno, isso faz parte das koinas ennoias (noções comuns) dos estoicos, que não precisam de demonstração porque são evidentes. Mas ele está em toda parte sem ser dividido, inteiro ao mesmo tempo, pois não é corpo. Consequentemente, “há também em nós algo dele”. Na união mística, ele está presente na inteligência antes mesmo que ela venha a ele. Se o que é gerado está contido naquilo que gera, o princípio, ou seja, o Uno, não sendo gerado, não está contido em nada. Ele tem todas as coisas e não está em nenhuma. “O que está em alguma coisa está onde essa coisa está; mas quanto àquelas que não estão em algum lugar, não há lugar onde não estejam”. Todo um raciocínio é desenvolvido para mostrar como o Uno pode estar em nenhum lugar e em toda parte. Quando pensamos em Deus, espontaneamente o colocamos em um lugar, imaginamos um lugar e ali o alojamos. Para chegar a ele, é preciso eliminar essa representação local. Além disso, as duas afirmações “em nenhum lugar” e “em toda parte” não têm a mesma importância. “Em nenhum lugar” ele o é por acidente (symbebeke), secundariamente. “Em toda parte” ele o é totalmente, mas não como um atributo separado dele: o “em toda parte” e o “perfeitamente” são ele mesmo. Ele não tem o posto mais elevado, mas é ele mesmo o posto mais elevado. O Uno não está tampouco no tempo, mas na eternidade. Veremos mais adiante que a Alma do Mundo, ao produzir o mundo sensível, gera o tempo à imagem da eternidade. Mas nos limitamos agora ao estudo do Uno somente. O 45º tratado tem por título “Sobre a eternidade e o tempo”. A palavra que exprime a eternidade é aion, que pode exprimir também (e de fato exprime na Bíblia e na tradição cristã) um tempo muito longo. Encontra-se também em Plotino aidiotes, e como adjetivos aionios e aidios. A eternidade está ligada ao repouso, como o tempo ao movimento. A eternidade supõe a unidade. Ela não é apenas uma propriedade do Uno, mas também de “todo o mundo de lá de cima”, ou seja, das outras duas hipóstases, a terceira gerando o tempo, como já foi dito. Ela é a negação de toda mudança e de todo escoamento, “todas as coisas juntas e não agora algumas coisas, depois outras”. Tudo é então presente, não há nada de passado nem de futuro: tudo é. Isso não é um acidente da natureza inteligível, mas essa própria natureza à qual nada pode ser acrescentado sob pena de fazer-lhe perder sua qualidade de ser. Os “seres primeiros e bem-aventurados” não têm desejo de um futuro porque têm a plenitude da vida. A palavra aion vem, segundo Plotino, de aei on, “o que é sempre”. É verdade que aion e aei são da mesma raiz: “Seria belo dizer que a eternidade é Deus mostrando e manifestando a si mesmo tal como é”. Essa eternidade comporta a infinitude “porque nada lhe falta e porque, propriamente falando, não perde nada de si mesma”. A eternidade é, portanto, uma vida infinita que não perde nada de si mesma, que não é nem passado nem futuro, pois se fosse um ou outro não seria mais total. Essa última frase é apresentada como uma tentativa de definição e como explicação do caráter total da eternidade. Tudo isso é retomado em uma bela passagem admirativa onde a eternidade é aplicada ao mesmo tempo à segunda hipóstase “pois essa natureza tão bela e eterna está junto ao Uno, vem dele e tende para ele, não se afastando em nada dele e vivendo segundo ele” - e à primeira, designada por uma expressão de Platão - “a eternidade permanece no Uno”. Para a segunda e terceira hipóstases (não para a primeira, à qual não convém a noção de ser), a eternidade se confunde com o fato de ser que, tomado absolutamente, exclui o antes e o depois. Se se diz “ser sempre”, o que a palavra aion sugere, essa expressão poderia enganar aquele que aplicasse “ele é” ao ser múltiplo; mas como se estendeu o ser ao que é produzido, foi preciso acrescentar o “sempre”.

ORÍGENES

O mundo inteligível das ideias (platônicas) e das razões (estoicas) não se encontra para Orígenes no nível do Pai, mas no do Filho enquanto é a Sabedoria. Esse mundo foi criado desde toda a eternidade pelo Pai em sua geração do Filho: “Nesse ser subsistente da Sabedoria estava virtualmente presente e formada toda a criação futura, sejam os seres que existem em primeiro lugar, sejam as realidades acidentais e acessórias, tudo isso preformado e disposto em virtude da presciência. Por causa dessas criaturas que estavam nela como desenhadas e prefiguradas, a Sabedoria diz pela boca de Salomão que foi criada como princípio de seus caminhos, pois contém em si mesma os princípios (initia = archai), as razões (rationes = logoi) e as espécies (species = eide) de toda a criação”. Já se disse, apesar desse texto e de outros semelhantes, que Orígenes rejeitava a doutrina platônica das ideias: ele recusa, de fato, que as ideias existiriam fora de uma inteligência, doutrina comum a Filo e ao Médio Platonismo, assim como em Plotino. Não é que “afirmemos com isso a existência de certas imagens que os gregos chamam ideias: é, no entanto, totalmente estranho ao nosso modo de pensar falar de um mundo incorpóreo que só tem consistência na imaginação e no terreno escorregadio dos pensamentos”. Orígenes especula várias vezes sobre as ideias no Peri Archon e no Comentário sobre João. Como o Pai origeneano é, como o Uno plotiniano, o criador das ideias e razões que se encontram no Filho, Mundo inteligível, o Pai é, portanto, ele também sem forma. Mas Orígenes quase não insiste nesse ponto. A distância posta por Plotino entre o Uno e a Inteligência não se aplica da mesma forma para Orígenes entre o Pai e o Filho: tudo isso será tratado mais adiante. Orígenes recusa, quando se trata das três pessoas, a pertinência de uma linguagem local ou temporal, embora o homem mal possa falar de Deus sem colocá-lo no lugar e no tempo: antropomorfismos que não podemos evitar, mas dos quais não devemos ser vítimas. Segundo a tradução de Rufino, é preciso entendê-los “cum venia - com indulgência”. Segundo o mesmo texto, a Trindade “ultrapassa todo significado que se possa compreender de caráter não apenas temporal, mas eterno”. No que diz respeito ao lugar, a presença de Deus em nenhum lugar e em toda parte pode ser mostrada pelas explicações dadas aos antropomorfismos bíblicos que não devem ser tomados ao pé da letra, mas não deixam de ter um significado. Por exemplo, falar dos pés de Deus é dizer sua presença em toda parte no mundo. O Verbo, igualmente, encontra-se em toda parte, embora de modo diverso, e essa ubiquidade não foi limitada pela Encarnação ao corpo de Jesus.