RUYSBROECK — DOS SETE DEGRAUS DO AMOR Tradução anotada da versão francesa por Antonio Carneiro DO QUARTO DEGRAU DO AMOR, A SABER: DA HUMILDADE.
A humildade semelhante à uma fonte
A seguir, o mais próximo degrau na nossa escala celeste, é a verdadeira humildade, que é na ordem espiritual, o rebaixamento de si para o último lugar, e pela qual (humildade) vivemos na verdadeira paz, Deus estando conosco e nós com Deus: A fonte da humildade. Ela é ela mesma, com efeito, o fundamento vital de toda santidade; e a compararmos à fonte que corre das quatro fontes da vida eterna e de todas as virtudes, entre as quais a obediência ocupa o primeiro lugar, a doçura o segundo, a paciência o terceiro, e a renúncia à vontade própria, a quarta. A primeira fonte ou o primeiro fruto que provém da humildade ou de um fundo humilde, como dissemos, é a obediência. Que exige a obediência. Ela exige de nós, que nos desprezemos e nos submetamos à Deus, aos seus preceitos, e à todas as criaturas; de tal maneira que, tanto no céu quanto sobre a terra, escolhêssemos o último e o pior lugar; e que não ousássemos nos comparar a ninguém, em virtude e em santidade de vida; e que desejássemos estar prostrados aos pés da potência de Deus, como um vil pedestal; e que tenhamos ouvidos submissos e humildes, para entender a verdade e a vida1) da parte da divina sabedoria; e mãos prontas e alegres para acompanhar a agradabilíssima vontade de Deus. O que é a dulcíssima vontade de Deus. Mas esta dulcíssima vontade de Deus consiste no que tendo repudiado e desprezado a sabedoria do mundo, 2 Cor. 8 2) seguimos e imitamos o Cristo que é a sabedoria de Deus. O qual, como era rico, se fez pobre, a fim de nos enriquecer pela sua pobreza; tornou-se servidor dos outros, a fim de que sejamos os mestres; morreu para que vivêssemos. Ora, marcou-as a maneira pela qual devemos viver, quando disse: Se alguém quer me seguir, que se despreze a si-mesmo, que carregue cada dia sua cruz, e que me siga: Lc. 9 3) Si quis vult venire post me, abneget semetipsum, et tollat crucem suam quotidie, et sequatur me. E novamente: Se alguém quer me servir, que me siga; e onde eu estiver, lá deverá estar meu servidor: Ion 12. 4) Si quis mihi ministrat me sequatur et, ubi ego sum, illic et minister meus erit. E nos ensina alhures, como devemos seguí-lo, dizendo: Aprendei de mim que sou doce e humilde de coração: Mt. 5. 5) Discite a me quia mitis sum et humilis corde.
Ora, ser doce, possuir a doçura, é a segunda fonte das virtudes, que brota do fundo da humildade. Bem-aventurados os mansos, porque possuirão pacificamente a terra, isto é, o corpo e a alma. Pois o Espírito do Senhor repousa sobre aquele que é doce e humilde. E, uma vez que nosso espírito se eleva e se une ao Espírito de Deus, o jugo do Cristo nos parece suave e leve, e carregamos seu fardo confortável e facilmente. Pois seu amor não é laborioso. E quanto mais amamos, mais o fardo que levamos fica leve; já que levamos o amor, e que o amor nos leva e nos eleva para além de todos os céus, até ao bem-amado Sal. 118. (Sal. 118. referência não localizada) pois o espírito que ama, voa para onde quiser, todos os céus lhe estão abertos; e tem sempre sua alma nas mãos, e a conduz em todo lado que quiser. E, por fim, encontra em si o tesouro de sua alma, a saber, o Cristo, que é sua única afeição e seu único Amor. Se então, oh homem cristão, o Cristo vive em ti e tu no Cristo, ségue-lo em tua vida, tuas palavras, tuas ações,e nas aflições que deves suportar:
In eo quod amatur, Non laboratur. Aut si laboratur, Labor amatur.
Aquele que ama Faz tudo sem pena ; Ou melhor a pena, ele a ama SANTO AGOSTINHO.
Sejas bom, doce, clemente, misericordioso e piedoso, para com todos e cada um dos que tem necessidade de ti. Não tenhas ódio por ninguém, não invejes ninguém, não desprezes ninguém, não deixes ninguém arrasado por palavras duras e cruéis, e perdoes do fundo d'alma. Não deixes ninguém confuso, e, nem por palavra, nem por ação, nem por signo, nem por qualquer gesto que seja, guarda-te de não desprezar ninguém e nem de o cobrir de ignomínia. Não seja nem acerbo, nem severo, nem moroso, mas, sim de modos sensatos, com um semblante alegre e sereno. Escuta livremente, e aprende de quem quer que seja, o que for necessário para tua instrução. Não tenhas maus pressentimentos de ninguém, e não desafies a ninguém, e não julgues temerariamente as coisas escondidas. Não tenhas diferenças com quem quer que seja, leve vantagem sobre ele pela tua sensatez. Abrace a mansidão do cordeiro, que não se irrita, nem quando lhe entregaram à morte. Seja submisso e obediente, e tudo o que os outros te fizerem, suporta em silêncio.