Extratos selecionados de Mariette Bruno da obra Les Torrents de Madame Guyon (HVM)
TERCEIRA VIA, passiva e de fé nua ou as torrentes Para as almas deste terceiro grau o que diremos senão que são TORRENTES que saem destas altas montanhas? Elas saem do próprio Deus e não têm um momento de repouso que não estejam perdidas nele. Nada as detém. Assim também não estão carregadas de nada. Estão todas nuas e vão com uma rapidez que amedronta as mais seguras. Correm como loucas por toda parte que encontram propícias para lhes dar passagem. Não têm nem seus leitos regulares, como as outras, nem seu andar em ordem. As veem correndo por tudo o que lhes acontece sem parar em nada. Quebram-se contra os rochedos. Fazem quedas que fazem barulho. Sujam-se às vezes passando por terras que não são sólidas; as arrastam por causa de sua rapidez. Às vezes se perdem em fundos e em abismos onde se passa muito tempo sem as encontrar; enfim as reparam um pouco, mas é apenas para se precipitar melhor de novo em um novo e mais profundo e longo abismo. É um jogo desses torrentes se mostrar e se perder, se quebrar contra os rochedos. Seu curso é tão rápido que os olhos não as discernem. É apenas um certo geral, confuso e tenebroso. Mas enfim, depois de muitos precipícios e abismos, depois de terem sido bem batidas pelos rochedos, depois de terem se batido, perdido e reencontrado, encontram o mar onde se perdem felizmente para nunca mais se reencontrar. E é aí onde, tanto quanto este pobre torrente foi pobre, vil e inútil e despojado de mercadorias, tanto é ele enriquecido admiravelmente. Pois não é rico de suas próprias riquezas como os outros rios que só contêm uma certa quantidade de mercadorias ou certas raridades, mas é rico das riquezas do próprio mar. Carrega os maiores navios: e não é o mar que os carrega, mas é ele, pois, estando no mar, tornou-se uma mesma coisa com o mar. É de notar que o rio assim precipitado no mar não perde a sua natureza, embora esteja tão mudada e perdida que já não se conhece. É sempre o que era, mas o seu ser está confundido, fundido, perdido, não quanto à realidade, mas quanto à qualidade, porque tomou tanto a qualidade da água marinha que já nada se vê que lhe seja próprio: e quanto mais se abisma e se afunda permanecendo no mar, mais perde a sua qualidade para tomar a do mar.
Para que não é próprio então este pobre torrente? Sua capacidade é sem limites, pois é a do próprio mar. Suas riquezas são imensas, embora não possua nenhuma, pois são as do próprio mar. É então capaz de enriquecer toda a terra. Ó feliz perda! Quem poderia descrever-te e o ganho que fez o rio inútil e sem préstimo, desprezado e apreendido, que era um atordoado a quem não se ousava confiar o menor barco, já que, não podendo se conservar e se perdendo tão frequentemente, o teria abismado consigo? Que dizem da sorte deste torrente, ó grandes rios que correm com tanta majestade, que são a alegria e a admiração dos povos, que se glorificam na quantidade das mercadorias expostas em suas costas? A sorte deste pobre torrente que viam com desprezo ou pelo menos com compaixão, que era o refugo de todo mundo, que parecia não ser útil para nada, o que se tornou e para que serve? O que lhe falta? Estão agora a seu serviço, pois as riquezas que carregam estão ou perdidas para vocês ou para ele, para levar novas. Mas antes de falar da felicidade de uma alma assim perdida em Deus, é preciso começar pela origem e depois prosseguir por graus.