Ruysbroeck (JRO) – Reino da Alma

O Livro do Reino dos Amantes de Deus

Extratos traduzidos de Ruysbroeck, JRO. O Espírito de Deus é a liberalidade sem medida; Ele é claridade e fogo que abrasa, fazendo arder e brilhar os sete dons no cume da alma, como as sete lâmpadas que iluminam diante do trono da soberana Majestade. Ele, o amor divino, o claro sol eterno, emite esses sete raios, todos resplandecentes de luz, que aquecem, iluminam e fecundam o reino da alma, semelhantes a sete planetas situados em seu ápice como no firmamento, para regular e ordenar o reino no amor divino. A alma amorosa é Sansão em sua força. Sua cabeça é a vontade livre, e os dons do Espírito Santo são como as sete tranças que a adornam. Eles a enchem de graça, força e sabedoria contra todo vício, e é por isso que o inimigo quer cortá-las. CAPÍTULO VI A razão iluminada agora deseja saber o que a impede de permanecer nessa doce unidade e compreender de onde vem o toque que sente e o que é esse movimento divino. Então, ela observa com grande atenção e descobre no fundo da memória como o jorro de uma fonte viva que brota de um centro vivificante e fecundo. Esse centro vivo é a unidade de Deus, a propriedade das Pessoas e a origem da alma; pois a unidade possui fecundidade, é o princípio e o fim de toda criatura. O fluxo que emana dessa fonte, o toque divino, é tão maravilhoso e tão suave para a inteligência, tão amável e singularmente desejável para a vontade, que a alma cai em uma impaciência e loucura de amor, sentindo crescer seu ardor. Novamente, ela busca o que pode impedi-la de encontrar repouso, seja em Deus, seja em si mesma. Ela examina seu reino de alto a baixo com extrema rapidez. Olha para esse ápice onde retornou à própria essência de sua memória, onde as três potências superiores têm sua origem, de onde derivam e para onde retornam espontaneamente à unidade. É nesse mesmo cume da alma que se faz sentir o toque misterioso, esse fluxo que brota da fonte divina – e esse toque agita a centelha da alma, sendo a fonte que traz consigo todos os dons divinos, conforme a dignidade e a virtude de cada um. No entanto, nesse grau de contemplação, o toque divino só é conhecido por um sentimento de impaciência amorosa, percebido na centelha da alma. Aqueles que estão na vida ativa não podem experimentá-lo de maneira tão elevada; e, no entanto, toda sua boa vontade, todo seu amor e todas as suas virtudes recebem vida e a preservam nessa centelha. Se não podem conhecer o toque divino no mesmo grau que os contemplativos, é porque ainda não se elevaram suficientemente no reino da alma e na vida afetiva; pois esse toque divino é Deus aderindo à alma, em seu ponto mais alto. Enquanto a alma compreende e sente esse toque, é algo criado; mas, quando este lhe escapa, trata-se do próprio Deus, e então surge a impaciência do amor. Nesse estado elevado, a alma permanece sempre unida à unidade em sua memória; ela se expande exteriormente pela atividade de suas potências, mas o fundo mesmo dessas potências permanece ligado à unidade. No entanto, ela gostaria de seguir, através da unidade, o fluxo doce como o mel que dela brota, para chegar à fonte viva de onde emana; mas quanto mais se inclina para lá com ardor de desejo, mais sente a impaciência e o ímpeto do amor. O desejo da criatura não pode alcançar Deus, pois, com uma luz e um amor criados, sua operação é limitada; nesse grau, portanto, a alma permanece sempre no ardor do amor, e isso é para ela uma verdadeira nobreza, assim como uma alta semelhança com a Santíssima Trindade. CAPÍTULO XXV Quando percebe que nada ganha, mas sempre perde seu esforço, ela se refugia em seu ápice e examina seu reino em todas as direções, para ver se há algo a ordenar e governar. Para isso, envia dois mensageiros que descem ao seu reino: um é a razão iluminada pela sabedoria divina; o outro é a prontidão movida e impulsionada pelo toque do Pai e pelo ímpeto de amor que está na alma. A prontidão obriga a apressar-se através do reino, sob a ação do Senhor que a move e sob o impulso do toque divino e do fogo do amor. A razão iluminada faz observações atentas, pois serve à sabedoria divina. Assim, caminham juntas pelo reino a prontidão e a razão iluminada, regulando e ordenando todas as coisas. Suas investigações levam-nas a constatar que há grande pobreza e grande falta de virtudes por toda parte, e que o reino está despojado do ornamento das ações nobres. A razão pode notar isso, mas não tem o que é necessário para remediar o mal. Os dois mensageiros retornam então à unidade e expõem seu pedido ao amor elevado, que anseia em grande impaciência por saborear Deus de maneira perfeita. Mas, assim que o amor recebe essa mensagem e percebe que há tão grande falta de bens e ornamentos de virtudes, ele chama suas duas filhas – a Misericórdia e a Liberalidade –, assim como sua companheira, a razão iluminada, e sua serva, a prontidão, e todos juntos partem novamente para o reino da alma. A razão iluminada governa e ordena tudo segundo a retidão; e, por sua vez, o amor distribui liberalmente, suprindo todas as necessidades com misericórdia. É assim que o homem regula e ordena o reino de sua alma de maneira racional, provê todas as necessidades com misericórdia e socorre toda indigência com suas liberalidades, estabelecendo assim, pelo amor, seu reino na unidade. Isso se chama viver uma vida de desejo segundo a verdade, e é a posse perfeita do dom divino do conselho. É amar Deus com toda a alma, e a esses se aplica a palavra de Cristo: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.” Eles são verdadeiramente misericordiosos porque foram movidos por Deus e Seu amor a percorrer de alto a baixo o reino de sua alma, para compadecer-se de toda necessidade. E seguem a misericórdia divina até a unidade, que não podem ultrapassar. CAPÍTULO XXV O homem que, sob a influência do dom do conselho divino, realiza a perfeita semelhança com a Santíssima Trindade pode ser comparado ao firmamento do céu, movido ele mesmo pelo toque divino e conduzido pelas potências angélicas. É da mesma forma, de fato, que seu espírito sente, sob o toque divino, a impaciência do amor. O firmamento ilumina tudo o que está na terra, assim como a razão iluminada pela sabedoria eterna ilumina todo o reino da alma. O firmamento derrama seu calor sobre toda criatura, ao mesmo tempo que dá vida e crescimento a todas as coisas. Da mesma forma, o homem que possui o dom do conselho difunde o calor de seu amor e compaixão; e é para todas as potências de sua alma uma fonte de vida, atividade e crescimento em virtudes. O firmamento do céu é, por fim, adornado por sete planetas e estrelas que iluminam e governam todos os corpos que estão sob ele. CAPÍTULO XXVI E, antes de tudo, o sol é, entre os astros, o mais poderoso e claro. Ele representa a razão iluminada, luz poderosa da inteligência que se inclina para as coisas exteriores. É essa razão iluminada que, no reino da alma, faz brilhar o primeiro dia, ou dia do sol, durante o qual se repousa; pois ela coloca em repouso todas as potências da alma, tornando-as assim capazes de ouvir suas ordens e cumpri-las durante a semana, isto é, toda a vida. CAPÍTULO XXVII A sexta-feira é o dia de Vênus, que simboliza o toque do amor divino. Esse planeta, de fato, surge ao amanhecer, assim como o toque divino se faz sentir na unidade da alma, na fonte de toda ação criada; o sol, ou a razão iluminada, brilhará então em todo o seu esplendor. Quando nossa estrela da manhã, ou toque divino, aparece na aurora, todo o reino da alma está em festa, pois se sente que essa claridade vem do céu imutável da unidade de Deus. Muitas vezes, então, sob o brilho do sol e o fogo do amor, nossa estrela se transforma de tal modo que parece impossível alcançar o que se ama. É então o meio-dia, e paga-se a dívida, tal como se a conhece. Pois, quando contemplamos a grandeza de Deus e nossa própria fraqueza, e vemos o quanto devemos a Deus e aos homens, então nos parece que tudo nos falta e que não retribuímos nem a Deus nem aos homens o que lhes é devido. CAPÍTULO XXVII O sábado é presidido por Saturno, o terrível, que representa a fome e a impaciência causadas pelo pensamento de que Deus nos escapa. Essa fome, simbolizada por Saturno, está no ápice da potência concupiscível e é mais imperiosa do que a que se sente ao perceber-se incapaz de virtudes dignas de Deus. A primeira cobiça, de fato, o gozo, enquanto a outra olha apenas para as obras virtuosas. Uma olha para Deus, a outra para si mesma, e, embora tenham seu assento no mesmo desejo, diferem pela ação. A fome de que falamos, figurada pelo planeta furioso, produz no reino da alma relâmpagos e terríveis trovões, furacões e tempestades violentas. O relâmpago é o toque divino que agita a alma em contínua impaciência, revela o céu da inteligência e mostra o Amado coroado no meio de alegrias incompreensíveis. Depois vem o raio, isto é, a fúria do amor que nasce da impotência de alcançar o Amado. Seguem-se grandes perturbações que agitam o reino da alma de alto a baixo, e, se a razão iluminada, que Deus conformou para esse estado de impaciência, não se opusesse, seria impossível esperar a festa e a vinda do Esposo. Mas essa razão iluminada mostra com clareza e evidência que em breve se gozará do Amado em todas as delícias, com todo o poder de fruição de que se é capaz. E isso dá paciência a quem ama. CAPÍTULO XXVII Nessa contemplação, a razão iluminada não fixa nada de modo distinto, e todos os fluxos da divindade correm para a parte superior do reino da alma. Ele está todo inflamado e abrasado pelo fogo, e esse fogo é o Espírito Santo, que arde na fornalha da unidade divina. Lá, nessa unidade sublime, todos os espíritos são impregnados e iluminados, no seio de uma ternura incompreensível. Ora, essa unidade plena de gozo é o tesouro escondido no campo da alma. Quem cavar ali e estimar o tesouro vende e abandona o que é e o que pode ter em termos de delícias, para possuir o campo que contém tais riquezas. CAPÍTULO XXXV O Espírito Santo é o oceano sem limites de onde flui todo bem e onde todo bem permanece incomensurável. É o sol divino, ardente e luminoso, que adorna o reino da alma com os principais raios sobrenaturais, que são os sete dons superiores. O Espírito Santo é um fogo imenso que transforma e penetra com luz todos os espíritos recolhidos, seja na graça, seja na glória, para fundi-los como ouro na fornalha da unidade divina. Lá, cada um goza e saboreia, conforme sua condição e dignidade, embora o fogo divino os queime a todos indistintamente. Mas há nessa fornalha cobre e chumbo, ferro e estanho, prata e ouro, e muitos metais fundidos juntos sob o ardor desse fogo incompreensível. Ora, cada metal, isto é, cada espírito, é inteligente e sensível, e suporta a transformação do amor essencial de Deus, segundo sua própria nobreza e dignidade, embora o amor se derrame igualmente sobre todos; daí vem a distinção de gozo. CAPÍTULO XXXV É a fonte viva e sem fundo que, do interior, flui para o exterior por sete rios principais, os sete dons, que tornam o reino da alma fecundo em todas as virtudes. Os espíritos elevados de que falamos remontaram esse fluxo vivo e jorrantes e chegaram ao fundo da vida, onde ele tem sua origem. Mergulhados ali, são inundados de claridade em claridade e de delícias em delícias; pois ali corre um orvalho de mel de inefável alegria, que dissolve e faz fluir nos gozos da bem-aventurança divina. CAPÍTULO XXXV O segundo fruto, que é um amor incompreensível, se espalha por todo o reino da alma e invade cada potência segundo toda sua capacidade. A alma então se dissolve em um amor simples e essencial; inundada e penetrada pela claridade e pelo amor, ela chega a um gozo que é o terceiro fruto. Esse gozo é tão imenso que o próprio Deus nele parece engolido, com todos os bem-aventurados e os homens elevados de que falamos, em uma ausência de modos que é um não-saber e uma perda eterna de si. Mas nessa absorção, no próprio fundo dessa perda eterna, está o sabor supremo. CAPÍTULO XLIII