Koyre (1971) – Boehme, Grund, Ungrund, Abgrund

Alexandre Koyré — A FILOSOFIA DE JACOB BOEHME (Koyre1971)

GRUND — UNGRUND — ABGRUND

A tendência à manifestação é absolutamente geral. É por isso que o ser puro e absolutamente indeterminado deseja uma limitação, para se revelar nela. De fato, o ilimitado e o indeterminado se revelam e se manifestam no limitado e no determinado, seus contrários. Dessa forma, os opostos se convocam, se opõem, se condicionam e se implicam. Eles não se identificam, mas em sua oposição se revelam mutuamente. Nenhum deles consegue se expressar ou se manifestar a não ser no outro e pelo outro. O indeterminado anseia por um limite, não, porém, para se limitar, mas para se revelar. Ele se opõe a uma determinação e a um limite para, ao mesmo tempo, se revelar e revelá-la; revelar-se nela e em relação a ela. Aí está o grande mistério do ser, seu Mysterium Magnum: os contrários se implicam e permanecem unidos em sua oposição reveladora. Este novo termo é o famoso Ungrund, com o qual se designa a ausência total de determinação, de causa, de fundamento, de razão (Grund), e seríamos tentados a traduzi-lo como Abismo, se Boheme não procedesse em seguida a empregar ao mesmo tempo, e num sentido distinto, o termo Abgrund; abismo sem fundo. Abgrund, longe de designar a ausência pura e simples de todo fundamento e de toda determinação no Absoluto, nada mais faz do que acusar a falta de fundamento da existência e de centro de realização nos seres que perderam seu próprio Grund ]. Assim, o Abgrund, o abismo, designa no ser a sua própria nada, o que há de nada no íntimo do ser, no qual este está sempre prestes a naufragar, que procura engoli-lo e no qual ele tende a afundar-se. Da mesma forma, designa o abismo ardente (feuriger Abgrund) da natureza e do mundo do primeiro princípio ] O Ungrund de Jacob Boehme é o Absoluto absolutamente indeterminado, o Absoluto livre de toda determinação. Sua noção corresponde com muita exatidão à do Nada divino da mística clássica alemã; por outro lado, nem Boheme nem a mística clássica chegam a distinguir este Absoluto “absolutamente absoluto”, nem do Absoluto enquanto fundo e fonte criadora de tudo, nem, a dizer a verdade, da Divindade, essência comum das três pessoas divinas, nem mesmo do Pai, do Deus em si, do Deus não revelado e desconhecido. ]