Gerhard Wehr (CHJB) – Princípios, Natureza e Tempo

CHJB:

Os três princípios, que correspondem à trindade divina no mais alto nível do ser, Böhme os encontra na natureza exterior, em tudo o que é criado, pois “este mundo exterior de quatro elementos, com as estrelas, é uma figura das forças interiores do mundo espiritual”. As forças de sua dinâmica própria lhe foram incorporadas através da dinâmica do Deus criador. As sete qualidades da natureza eterna refletem os três princípios, ou ainda representam sua personificação no “entendimento” (Begreiflichkeit). “Este mundo exterior foi exalado como fumaça ou vapor pelo fogo do espírito e pela água do espírito, tanto a partir do mundo santo quanto do mundo obscuro. Por isso ele é ao mesmo tempo mau e bom, encontra-se no amor e na cólera, e constitui apenas uma fumaça ou um nevoeiro diante e à frente do mundo espiritual; e por meio de suas qualidades, ele se transformou, por sua vez, formando forças, em uma geradora, como se pode verificar pelas estrelas, os elementos e as criaturas, e também pelas árvores e plantas que crescem. Ele realiza em si, por seu nascimento, outro princípio ou começo, pois a geradora do tempo é um modelo da geradora eterna, e o tempo se encontra na eternidade”. Esta noção do “tempo que está na eternidade” — noção que convém entender aqui no sentido da filosofia da natureza, mas que toma para Böhme uma significação importante no plano da teoria do conhecimento — tornou-se, para o piedoso sapateiro, um leitmotiv que determinou sua jornada terrestre nos passos de Cristo. Ela constitui, portanto, uma dessas palavras-chave que demonstram quão estreitamente associadas estão, nele, o conhecimento e a vida. Desde então, na natureza, como no mundo dos humanos, desenrola-se, de uma maneira que se pode observar e viver por si mesmo, essa mesma luta entre o amor e a cólera. Esta terra representa, portanto, o campo de tensões entre os polos do bem e do mal, entre a luz e as trevas tecendo, como formas ativas, “a veste viva de Deus”. Aqui brotam as forças da natureza. Por sua essência visível, elas permitem conhecer os efeitos de uma essência invisível, criadora. Deus não pode ser imaginado de outra forma “senão como o fundo mais íntimo de todos os seres (Wesen), e, no entanto, tal que nenhum objeto pode apreendê-lo por sua própria força”. O mundo visível é, no sentido do Evangelho segundo São João (cap. 1), o “verbo formado e pronunciado”, e isto segundo o amor e a cólera de Deus. Böhme precisa se esforçar para evitar um duplo mal-entendido. Por um lado, deve procurar evitar qualquer possível confusão entre sua doutrina e o dualismo dos maniqueístas, dos gnósticos e, sobretudo, da antiga religião persa: “Pois o Deus do mundo santo e o Deus do mundo obscuro não são dois deuses diferentes. É um único e mesmo Deus. Ele constitui a si mesmo toda essência (Wesen)…”. Assim, Böhme enfatiza que Deus é único e abrange tudo. Por outro lado, o autor também precisa preservar sua doutrina de uma possível interpretação panteísta. O Deus sine natura de Spinoza, a assimilação entre Deus e a natureza, não pode ter a adesão de Böhme. O essencial para ele é constatar que tudo emana de uma única e mesma raiz, e que tudo constitui, de certa forma, o hálito condensado do “verbo pronunciado”. “Entretanto, diz-nos Böhme, não podemos dizer que o mundo exterior é Deus, ou que ele é o verbo falante”. A distinção entre “verbo falante” e “verbo falado” parece importante para ele. Já em “A Aurora”, de fato, ele fala da “divindade na geração exterior” que tem em sua mão a pá de peneirar e que “no momento certo, lançará a palha e o Salitter aceso em um só monte e dele extrairá sua geração interior, e dará isso a Lúcifer e a sua coorte como casa eterna. Enquanto isso, Lúcifer deve permanecer prisioneiro na geração mais exterior, na natureza deste mundo, dentro do fogo-cólera (Zorn-Feuer) aceso”.