Boehme (JBJC I,IX, 1-10) – Maria, a virgem reclusa

Jacob Boehme — Da Encarnação de Jesus Cristo (JBJC I,IX 1-10)

Como o Verbo eterno se tornou homem, e da Virgem Maria

Capítulo IX: A Virgindade de Maria

1. Para nós, pobres filhos de Eva, é de suma importância conhecer o que se segue, pois nisso reside nossa salvação eterna; esta é a porta de Emanuel. Toda a fé cristã repousa sobre isso, e é a porta do maior mistério; aqui reside o segredo do homem, segredo em que ele é a semelhança e imagem de Deus.

2. Toda a nossa religião consiste em três pontos que praticamos e ensinamos: primeiro, sobre a criação; de que essência, substância e qualidade o homem é; se é eterno ou não, e como isso pode ser; qual é propriamente a origem do homem, de onde ele provém no princípio.

3. Segundo, já que tanto se fala e ensina sobre sua queda, e vemos que por causa dela somos mortais e sob o jugo da maldade e da fonte furiosa — qual foi, então, sua queda.

4. E, em terceiro lugar, já que Deus quer novamente nos receber em graça, com que finalidade Ele deu leis e ensinamentos e os confirmou com grandes milagres — o que é propriamente o novo nascimento, visto que vemos que precisamos morrer; por qual poder e em que espírito podemos ser renovados e ressuscitar da morte.

5. Encontramos tudo isso em duas figuras: a virgindade eterna e santa, e também a virgindade terrestre e perecível. Ora, encontramos o novo nascimento na imagem de Cristo muito clara e distintamente; pois na virgindade eterna ou na substancialidade divina, onde a imagem de Deus e sua semelhança foram vistas como em um espelho desde a eternidade e reconhecidas pelo espírito de Deus, foi criado Adão, o primeiro homem. Ele possuía a virgindade, a verdadeira essência do amor na luz, que deseja a essência do fogo ou a propriedade das essências, para se tornar uma vida ardente em poder e majestade; além disso, uma geradora na essência do fogo, o que não pode ocorrer na essência da luz sem o fogo.

6. Assim, reconhecemos uma virgindade na sabedoria divina, na vontade desejante do Ser divino, desde a eternidade; não uma mulher que gera, mas uma figura no espelho da sabedoria divina, uma imagem pura, casta, sem ser, mas em essência; não manifesta na essência do fogo, mas sim na fonte da luz.

7. Deus criou essa imagem em um ser, e isso de todos os três princípios, para que fosse uma semelhança da divindade e da eternidade, como um espelho completo do fundo e do sem-fundo, do espírito e também da substância; e foi criada do eterno, não para a fragilidade. Mas porque o terrestre e frágil estava pendurado ao eterno, o desejo terrestre introduziu-se no desejo eterno, celestial, e infectou a propriedade celestial, pois queria habitar no desejo eterno e foi, no entanto, corrompido na fúria divina.

8. Assim, a fonte terrestre corrompeu a fonte celestial e tornou-se para ela uma turba (perturbação), como se pode reconhecer na terra e nas pedras que provêm do eterno, mas que se alteraram na fúria e na fonte do fogo: o fiat fez, da substancialidade eterna, terra e pedras; por qual razão um dia de separação é fixado, onde cada coisa deve retornar ao seu éter e ser provada pelo fogo.

9. Do mesmo modo o homem: foi criado na virgindade, na sabedoria de Deus, mas, tendo sido tomado pela fúria e pela ira de Deus, tornou-se imediatamente corrompido e terrestre. E assim como a terra passa e deve ser provada pelo fogo, para depois retornar ao que era, assim o homem: deve retornar à virgindade em que foi criado. Mas como não era possível ao homem sair da morte furiosa e entrar em um renascimento, pois sua virgindade estava aprisionada com ele na morte, razão pela qual Deus fez para o homem uma mulher tirada dele: a divindade teve que se mover, libertar e vivificar novamente o que estava prisioneiro.

10. E isso se cumpriu em Maria, a virgem reclusa; compreenda, na virgindade que Adão recebeu da sabedoria divina; não da parte terrestre do terceiro princípio, mas da parte celestial e santa do outro princípio que, pela imaginação terrestre e pelas sugestões, havia sido aprisionada na morte, na ira de Deus, e estava como morta, assim como a terra: por isso o coração de Deus se moveu, quebrou a morte na cruz e novamente gerou a vida.